Nora Ephron nos ensinou a decifrar quebra-cabeças amorosos

A jornalista, roteirista, dramaturga e diretora Nora Ephron conquistou o respeito em Hollywood, Nova York e mercado internacional com uma assinatura clara, precisa e insubstituível. Seu mantra, ensinado por sua mãe, é que “tudo é cópia”, mas ela é o exemplo de originalidade que contradiz o lema. No dia 26 de junho de 2023 completam 11 anos de sua morte e mais de uma década depois, ela ainda não encontrou herdeiros. Jason Sudeikis a reverenciou em Ted Lasso e foi uma bela homenagem. Norah era um gênio.

Chamá-la de “rainha da comédia romântica” é reduzir sua contribuição ímpar de roteirista, responsável por vários filmes icônicos, com frases e cenas repetidas até hoje (tudo é cópia, posso ouvi-la dar de ombros). Sou jornalista e aficcionada por cinema e teatro, e, Nova York, como ela. Sua influência sobre mim começou quando eu ainda tinha apenas 16 anos e já queria ser repórter, almejando um dia ter o estilo fluido de seu texto, assim como seu humor e sagacidade. (Sigo sonhando). Seus textos – recomendo que leiam seus livros – são escritos na primeira pessoa, com habilidade infalível de nos fazer rir, pensar e se emocionar. Seus artigos entraram em minha vida depois que a descobri como autora de best-seller, o livro Heartburn (na tradução literal, Azia, mas. ofilme chamou de A Difícil Arte de Amar) retrata o fim de seu casamento com o jornalista Carl Bernstein, famoso pelas reportagens do Washington Post sobre Watergate. Embora seja com personagens fictícios, Nora não poupa o ex em nada, mistura receitas de pratos deliciosos no meio de uma narrativa de algo doloroso e nos faz obviamente ter empatia por sua dor.

Nora, para mim, foi o mais próximo de Jane Austen que consegui encontrar: um texto feminino, mordaz e inteligente, onde as histórias de amor são cenário, não objetivo. Me identifico com sua convicção de jamais ser vítima de qualquer circunstância, mas de sempre aprender a explorar seus erros e recomeçar tudo de novo com novos olhos, transformando a dor em algo criativo. “Você não deve ser vítima do que acontece com você. Você deve assumir o crédito. Você deve ficar acima disso. É uma lição inacreditável em termos de como viver sua vida, especialmente se você for mulher”, ela disse em uma entrevista alguns anos antes de morrer. “Sou muito antiquada nesse aspecto. Eu simplesmente não tenho pressa em abraçar o papel de vítima em vez de apenas dizer algo inteligente ou espirituoso, ou mesmo idiota”, continuou.

Contar histórias para Nora sempre foi relativamente fácil, filha de dois roteiristas que tinham destaque em Hollywood (assinaram clássicos como Carrossel e O Mundo da Fantasia (There’s No Business Like Showbusiness)), e a mais velha. dequatro filhas, ela decidiu que ia tentar primeiro o jornalismo e não o cinema. Disse que foi inspirada por Louis Lane e o Superhomem para escolher a carreira, mas a afirmação só confirma seu bom-humor. Ela queria mesmo voltar para Nova York, onde nasceu, e deixar Hollywood, onde cresceu, em segundo plano.

O fato de era uma mulher em um universo masculino nunca a assustou. Com certa dificuldade contra o sexismo, foi recusada por vários jornais e revistas, só conseguindo entrar na Newsweek porque aceitou a posição de distribuir a corresponência (sim gente, em tempos pré-digitais o volume físico de cartas era significativo), mas logo passou para clipadora e, em seguida, pesquisadora. “Os homens escreviam essas histórias e depois as mulheres as conferiam. Era assim que funcionava naqueles dias”, explicou na mesma entrevista. O destino criou a oportunidade única de reveter o quadro quando houve uma greve de jornais em Nova York e Nora escreveu uma paródia dos textos publicados no New York post e Daily News. Ficou tão bom que amigos decidiram publicar. A sátira obviamente irritou alguns jornalistas, mas a editora do jornal, Dorothy Schiff, concluiu que quem sabia parodiar o Post poderia escrever para o jornal. Contratou Nora imediatamente.

A partir daí, ela começou a fazer seu nome, cobrindo todos os assuntos, de política, assassinatos, julgamentos e celebridades com senso de humor, ou como admitiu, “até mesmo com uma certa dose de escárnio”. Com essa liberdade do tabloide, disse que conseguiu treinar seu texto e encontrar sua voz. Ao longo do caminho, consquistou desafetos e admiradores, entrando em conflito tanto com o movimento feminista como com as mulheres conservadoras. Basicamente pode-se dizer que Nora perderia o amigo, mas nunca a piada. Quando se casou com Carl Bernstein, em 1976, ela era tão famosa como ele, por isso o impacto do livro Heartburn quando foi lançado em 1983. Carl a traiu com outra mulher enquanto ainda estava grávida e ele considerou que o livro foi uma forma de vingança. Tentou processá-la por difamação, mas reza a lenda que ela o convenceu a ficar quieto quando ameaçou revelar quem era a fonte das matérias do Watergate, algo que só foi mesmo ‘confirmado’ em 2005, com a morte do ex-diretor do FBI, Mark Felt. Nora era uma das poucas pessoas que sempre soube quem ele era.

Parte da motivação que a levou de volta ao cinema foi financeira. Enquanto escrevia o livro, foi convidada a ajudar a roteirizar a vida da ativista Karen Silkwood, que morreu de forma suspeita quando investigava irregularidades nucleares em uma usina de plutônio. O filme Silkwood, de 1983, foi um dos sucessos de Meryl Streep e Cher (ambas indicadas ao Oscar). Mike Nichols comprou os direitos de Heartburn. enora escreveu o roteiro do filme de 1986, estrelado pela mesma Meryl Streep e Jack Nicholson, mas foi três anos depois que o nome de Nora virou sinônimo de sucesso mundial quando escreveu o roteiro de Harry e Sally (When Harry Met Sally) e foi indicado ao Oscar, vencendo um Bafta.

Com essa experiência bem sucedida, Nora. se desafiou a assumir um filme por completo. “Se eu me tornasse diretora, poderia pelo menos fazer meus próprios filmes, meus próprios roteiros e a sensação de que estaria interessada em assuntos pelos quais os homens podem não se interessar”, comentou ela. A estréia, com Esta é a Minha Vida, em 1992, foi morna (ela comentou que não teve investimento ou apoio por ser um filme voltado para o público feminino), mas sem dinheiro aceitou a oferta de dirigir Sintonia de Amor (Sleepless in Seattle) e aí, ganhou prestígio. O roteiro é considerado um dos mais brilhantes e ousados de ‘comédias românticas’, onde o casal principal só se encontra e conversa na última cena, trabalhando com muita ironia e inteligência todas as fórmulas tradicionais de um filme de amor. Sem surpresa ela recebeu outra indicação ao Oscar. “Transformei [o roteiro] – não em uma comédia, mas em um filme que tinha risadas”, explicou do seu jeito. Mesmo trabalhando sem parar, levou outros seis anos para voltar a explodir, novamente com Tom Hanks e Meg Ryan, no fofíssimo Mensagem Pra Você (You’ve Got Mail), já compartilhando os créditos com sua irmã, Delia.

Entre livros, artigos e filmes menos bem sucedidos (a refilmagem de A Feiticeira (Bewitched), entre eles), Nora voltou ao jornalismo e escreveu uma peça teatral, completando seu último filme em 2009, o sucesso Julia e Julia, com Meryl Streep fechando um clico perfeito de ter seu primeiro e último filmes estrelados pela melhor de todas. Em segredo, já batalhava com o câncer que viria a tirá-las de nós, aos 71 anos. O sigilo foi por sua fobia de ser vítima e alvo de pena, com pouquíssimos amigos ciente de sua saúde fragilizada.

O documentário feito por seu filho, Tudo Se Copia, está no acervo da HBO, assim como seus maiores sucessos. Mas, o que mais recomendo é ler seus textos. Nora era uma brilhante contadora de histórias e, como eu, fã do jornalismo. “Me apaixonei pela ideia de que, no fundo, se você analisasse fatos suficientes, poderia ir direto ao ponto, e você tinha que ir direto ao ponto. Você não poderia perder o ponto. Isso seria ruim”, comentou. “Simplesmente me apaixonei por resolver o quebra-cabeça, descobrir o que era, qual era a história, qual era a verdade da história”. E nós por ela.


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