Os sórdidos bastidores da Gilded Age que ainda não apareceram na série da HBO Max

Já virou um esporte identificar fatos e pessoas históricas reais que possam ter inspirado a série The Gilded Age. Há paralelos óbvios como os The Vanderbilts como base para os The Russels, em especial Consuelo como Agnes (Tassia Farmiga) e Alva como Bertha (Carrie Coon), ou Ida B. Jones se de alguma forma referência para  Peggy (Denée Benton). Acrescenta- se uma confusão quando pessoas reais cruzam caminhos com os fictícios: a Sra. Caroline Astor (Donna Murphy), Ward MaCllister (Nathan Lane), entre outros. Porém essa alternativa pode abrir a porta para sair dos bailes liderados pelas mulheres e entrar no sórdido universo misógino, machista e abusivo dos homens daquele tempo, justamente através do doce Larry Russell (Harry Richardson) cuja carreira como arquiteto o liga ao famoso e controverso Stanford White, afinal, como vimos no primeiro episódio, White é o arquiteto da casa dos Russells e é com quem Larry vai estar trabalhando na segunda temporada!

Até o momento, está tudo certo com a série enaltecendo Stanford White porque ele foi um dos mais notórios e adorados arquitetos americanos, sócio do escritório de arquitetura McKim, Mead & White, considerado um dos mais importantes escritórios de Beaux-Arts e que projetou prédios ainda hoje clássicos em anova York. Porém a façada foi destruída com sua trágica morte – assassinado! – certamente passará em algum momento na trama.

Embora até agora mostrado como um homem dócil e simpático, Stanford era o típico homem predador da The Gilded Age: austero na aparência, devasso atrás de quatro paredes. Seu relacionamento com menores de idade virgens, o famoso balanço de veludo vermelho e os pop-ups bolos são alguns do momentos dos quais ele é protagonista e que geram muitos dramas. Como Larry é o oposto disso tudo, será curioso ver como Julian Fellowes vai inserir alguns dos mais famosos escândalos do período na trama.

Um dos primeiros, que antecede ao assassinato de Stanford anos depois, está em um “hábito” masculino da sociedade na virada do século dezenove conhecido como “dança erótica do bolo”, que fez da jovem Susie Johnson a curiosidade e obsessão dos americanos sobre a vida dos ricos e poderosos. Sudie foi a primeira mulher a ficar famosa por “sair do bolo” seminua, dançando para homens (tarados) como se fosse mercadoria. Um prefácio pela tragédia que marcaria o fim da era de opulência décadas depois. Será que Harry estará em alguma dessas festas?

Susan: uma adolescente que foi imortalizada com o abuso

Como foram os jornais que revelaram a festa, sabemos que ela aconteceu em 20 de maio de 1895. Susie Jones, com apenas 16 anos e vestindo nada mais do que uma gaze preta transparente, rodeada por um bando de canários vivos, rompeu a crosta de uma torta gigante para delírio e surpresa dos homens presentes. A festa era pelo 10º aniversário de casamento do jogador de pólo John Ellliot Cowdin, mas nenhuma esposa estava presente. Com um jantar luxuoso de 16 pratos e muita champanhe, os convidados tinham como “atração” duas modelos dançando e servindo as bebidas, sendo Susie o grande show da noite capitaneada por Stanford White.

Se hoje mulheres reviram o estômago em pensar que era uma festa “usual” e aceitável no público masculino, a comemoração era típica de uma Nova York esbanjando fortunas vindas de estaleiros, trens de carga e fábricas. Jovens mulheres de todo país vinham para Manhattan com sonhos de encontrarem maridos ou amantes ricos, de brilharaem nos palcos da Broadway. A alternativa de trabalhar como modelo para as revistas e indústria de publicidade impressa queflorescia era uma opção atraente, era isso ou estar nas filas do coral, das fábricas ou mesmo das trabalhadoras do sexo nas ruas. E Susie era uma dessas meninas.

Foi o jornal “amarelo” de Joseph Pulitzer, o New York World, que fez o perfil de Susie que represneta tanto a sociedade proletária daquele período. Ela cresceu em uma família da classe trabalhadora no West Side, começou iocentemente a posar como modelo para retratos mas em pouco tempos já era paga para tirar a roupa. O sustento rápido era uma necessidade para muitas, confundido como algo que “mulheres queriam” mais do que ressaltar a falta de opções.

Na festa de aniversário de casamento de Cowdin, Susie se apresentou no cantando “Four and Twenty Blackbirds” para os mais famosos e “respeitados” playboys de Nova York, que incluíam o inventor Nicola Tesla. Segundo a reportagem do The New York World, ter a jovem “saindo do bolo” foi uma sugestão de White, mesmo que não tenha sido criado por ele. Era tão comum na europa medieval rechear tortas com pássaros, que voavam quando a torta era fatiada que há uma canção infantil inglesa, “Sing a Song of Sixpence”, se referindo ao hábito. Dizem que em 1626, o duque e a duquesa de Buckingham (da série Mary & George) presentearam o Rei Charles I com uma torta contendo Sir Jeffrey Hudson vivo, um anão famoso que servia na corte.

Não é chocante que o hábito tenha segido até o final do século XIX? Ainda mais em um círculo social conhecido pelo puritanismo. A hiprocrisia que confundia tantas mulheres, onde a virtude pública era tão comum como o adultério privado. Nesse cenário, Susie virou a “Pie-Girl”, ou “A ‘Garota na Torta” e famosa nacionalmente quando sua imagem cercada por homens a ilustravam como ” uma Vênus em um bolo”. A matéria de capa do The New World ressaltava o abusurdo destacando que a festa custou mais de 2.300 vezes o salário mínimo da época. Um escândalo de todas proporções.

Embora fosse menor de idade e vítima das circunstâncias, Susie foi apontada como devassa, deslumbrada e culpada. Os homens a desfilaram em seus braços ao redor da mesa e, ainda segundo a reportagem, posou “à luz elétrica” no estúdio de um artista o que era eufemismo para trabalho sexual. Na ilustração do jornal, o arquiteto Stanford White está à esquerda de Susie Jones, empunhando uma grande faca de cozinha como se estivesse prestes a cortá-la. A partir dessa ocasião, o “pop-up cake” passou a ser sempre associado à decadência moral e ter uma jovem atraente como “surpresa”.

O costume da The Gilded Age

Festas como essa eram famosas e comuns na Gilded Age de New York, descritas como “playground para homens solteiros e casados”, usualmente acontecendo em restaurantes como o Lobster Palace, ou, mais frequentemente, no Greenwich Village e teatros da Broadway. O que não faltavam era a oferta de mulheres como entretenimento. Stanford White era um dos mais conhecidos adeptos, mesmo “bem casado”. Ele era um dos arquitetos mais requisitados da cidade, tendo projetado muitos dos edifícios mais célebres de Nova York, incluindo o Arco romado da Washington Square, o Madison Square Garden II e as mansões em Newport, entre outras. Mais do que a arquitetura talvez, sua obsessão por adolecescentes virgens era igualmente famosa. Sem surpresa, sua morte foi tachada como como o “Julgamento do Século”, mas foi o “Jantar Pie Girl” que sinalizou a decadência moral e que certamente entrará na série The Gilded Age e, algum momento. Afinal, o arquiteto – na série – já está conectado aos Russells e agora que sabemos de seu perfil, ficou assustador ter se interessado em Marian Brook (Louisa Jacobson) no primeiro episódio…

Historiadores apontam as “festas masculinas” como um contraponto para o tédio luxuoso dos bailes dos “400”. Chocar e esbanjar era algo que os homens podiam fazer e apreciavam, até a matéria do The New World expô-los para o mundo. O jornal descreveu o jantar com detalhes dolorosos: garçonetes seminuas “servindo” os convidados do jantar, citados nominalmente no texto e claro, a garota nua – Susie Johnson – que surgiu da grande torta. A reputação de Stanford White foi levemente manchada pela festa, mas levara outros dez anos até “pagar” pelo hábito. Sua fama de pervertido nunca foi apagada. Para se ter idéia, não era em nada diferente do que Harvey Weinstein fazia em Hollywood em pleno século 21.

Se Nova York seguiu como “playground dos solteiros”, o trágico fim de Stanford White serviu em parte como aviso que havia limites da respeitabilidade. Mas isso é para outro post.

E o destino de Susie Jones?

Como sempre, a mulher foi rapidamente esquecida. Logo depois do fato, Susie desapareceu de Nova York. Depois da “fama” indesejada e notoriedade do incidente, a jovem praticamente ‘fugiu’. Infelizmente, graças a ela mulheres dançando e saindo de bolos viraram projetos eróticos populares, como vimos em Cantando na Chuva e Mad Men. Susie, no entanto, mudou de nome e há pouca documentação de sua vida após a festa. Uma matéria de 1907 relatou que ela acabou se casando, mas quando o marido descobriu que ela era a garota da torta, a deixou. Susie morreu jovem e pobre. Claro que essa é a versão que vendeu jornais, mas, possivelmente, verdadeira. Um drama que faria todo sentido de ser explorado em detalhes, tomara que a série da HBO Max não a ignore!


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