Eu volta e meia venho aqui me queixar de alguma personagem que me desagrada. Tenho/tive problemas com várias mulheres que, de uma forma ou outra, me passam como incoerentes, manipuladoras, agressivas, mesquinhas ou arrogantes. Já reclamei de Wendy Rhoades de Billions, Marial de The Great, Shiv de Succession, de Michelle de Ted Lasso, ou Galadriel de Anéis do Poder, por exemplo. Cada uma me incomoda em diferentes aspectos, mas tenho mais uma para lista, infelizmente. Tenho problemas com Bradley Jackson (Reese Witherspoon), de The Morning Show.

Alex Levy (Jennifer Aniston) não fica muito atrás de Bradley, em seu grande privilégio branco milionário que não se conecta com o público. Mas Alex, embora antipática, é uma estrela estabelecida. Seu arco é um que embora demande nossa empatia, não é algo distante do que uma mulher de 50 esteja vivendo, tem seu público e espaço. O mesmo não se pode dizer de Bradley Jackson.
Bradley surgiu, aparentemente, como uma opção mais jovem para substituir justamente Alex, que estava desagradando aos executivos da emissora, UBA, por estar mais velha, cara e “incontrolável” (em outras palavras, com autonomia e lutando pelos direitos dela). Bradley não vem de família privilegiada, ao contrário, e já vem de um histórico do que parece Transtorno de Personalidade Borderline, que é caracterizada por comportamentos impulsivos, instabilidade nas relações interpessoais e problemas de autoimagem. São pessoas com mudanças rápidas de humor e agem sem pensar nas consequências.
Por conta desse comportamento quando a encontramos ela já está para perder o emprego como repórter em uma pequena emissora no interior dos Estados Unidos e também porque é assim, viraliza quando em um protesto em uma mina de carvão e confronta um dos manifestantes e o vídeo dela brigando acaba virando notícia. Ela chama a atenção de Cory (Billy Crudup), que fica determinado de trazê-la para Nova York e o The Morning Show justamente quando o âncora, Mitch Kessler foi demitido depois de queixas de assédio sexual. Alex quer aproveitar a oportunidade para assumir a liderança do programa e Bradley pode ser um contratempo para ela.
De alguma forma, o comportamento de Bradley é explicada por uma história pessoal pesada. Sua mãe e seu irmão, Hal, são dependentes químicos e é a jornalista que os sustenta financeiramente e emocionalmente.

Quando entra para o TMS, como repórter, a proposta de Bradley (apoiada por Cory) é de trazer pautas mais polêmicas, mas Chip, que é o editor chefe, rejeita todas sugestões, com ele e Bradley rapidamente se tornando opositores. Mia (Karen Pittman), por outro lado, vê uma oportunidade e se aproxima dela para produzir suas matérias. No meio da disputa política pela liderança da emissora, Bradley acaba virando ‘trunfo’ dos dois lados. Alex a escolhe como co-âncora, tirando o elemento de ameaça e começando uma relação controversa de amizade entre elas.
Já começamos aí os problemas com Bradley: em vez de ficar feliz com a oportunidade e fama imediata, rejeita, questiona e sofre com tudo, mas não abre mão do que está sendo entregue. Quase como teste, faz tudo para perder o que tem. Rejeita a imagem que querem vender de uma vida pessoal idílica, fazendo sincericídio no ar, ignorar o roteiro ou orientações dos chefes. Ainda assim, ascende e passa a ser uma das estrelas da UBA. Uma característica clara é que, embora rejeite Cory, é a ele que sempre recorre para ‘apagar’ erros, como ter sexo na rua com um bartender que acabou de conhecer.
Na segunda temporada, ela e Bradley estão melhor uma com a outra, mas mesmo que já mais ‘dócil’, Bradley causa problemas. Ela se apaixona por Laura Petersen (Juliana Marguiles) e acaba sendo exposta pela relação homofafetiva, o que sim, é muito drama por nada, como tudo na vida de Bradley.


A essa altura, ela está menos culpada em trazer pessoas para sua vida instável. Hal é uma fonte inesgotável de problemas e Laura, que não aceita se envolver na relação tóxica que define a família de Bradley, a encoraja a buscar ajuda profissional, mas é vista como esnobe. Porque é isso: se alguém diz a verdade à Bradley, ela ataca como pode, em geral, invertendo o problema e se vitimizando.
Com a ameaça da COVID-19 em seu período letal, Cory confessa à Bradley que é apaixonado por ela e os dois tem uma noite juntos, que ela rapidamente passa a usar, mesmo voltando para Laura. Aqui está um problema vital da personagem: diante de tudo que cobre no noticiário, seus dramas pessoais não nos engajam. Bradley hoje é rica, famosa e com uma autonomia na carreira que poucos têm, mas nunca é o suficiente.

O pior de toda narrativa da jornalista é a hipocrisia. Bradley confronta as pessoas por seus segredos, suas escolhas erradas, mas além de estar longe de um passado – e presente – transparentes, comete erros sérios de integridade. Não apenas mente, como usa de seu relacionamento com Cory para conseguir o que precisa: da promoção à omissão de provas, suborno e mentiras. Cory é honesto em sua desonestidade, o mesmo não se pode dizer de Bradley.
Seria muito mais interessante ver que Bradley tem maior noção do que alcançou, apesar de seus desafios pessoais. Embora seja possível argumentar que é o transtorno de personalidade boderline que conduz suas decisões, há um narcisismo incoerente com a honestidade e transparência que fazem dela uma boa jornalista, apesar de tudo. Ela tem empatia com os entrevistados, tem sensibilidade para argumentar e ouvir as histórias, mas ao mesmo tempo agora passa como uma pessoa distante e autocentrada. Ela não ligava para dinheiro, roupas ou status e de uma hora para a outra é o que conduz suas escolhas. Mais ainda, não sofre em nada pela controversa ligação que criou entre ela e Cory, muito mais do que qualquer outra.
Reese Witherspoon faz o que pode com o que recebe, mas Bradley é uma personagem pior do que antipática, é um poço de contradições básicas. Como pode questionar Mitch Kessler e o assédio sexual quando se envolve com Cory? Como, depois de tudo, ainda cobra de Cory que ajude a apagar os problemas que ela mesma causa, desde gravar um vídeo erótico para Laura ou filmar o irmão atacando o Capitólio, mas esperar que nada disso venha a público. É difícil aceitar uma personagem que é supostamente a “heroína” da história quando ela mesma não lida com as consequências de suas ações. Acho que está um pouco tarde para “salvá-la”, mas a temporada ainda não acabou. Alguém mais também se irrita com Bradley Jackson? Aposto que sim!
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