Um silencioso Johnny Depp se destaca em Jeanne Du Barry

Há 230 anos, tanto Marie Antoinette (executada em 16 de outubro de 1793) como Jeanne Du Barry (levada à guilhotina em dezembro do mesmo ano. A vida da Rainha obviamente foi mais explorada em literatura e cinema, sendo a adaptação de sua biografia por Sofia Coppola em 2006 considerada até hoje a principal referência como filme. Marie Antoinette impactou a atriz e diretora Maïwenn, que abriu o Festival de Cannes de 2023 com o longa dedicado não à nobre austríaca, mas à francesa e antagonista dela, Jeanne Du Barry. O filme, estrelado por ela e o ator americano Johnny Depp foi ultra badalado e… massacrado pela crítica. Com razão.

Segundo Maïwenn explicou, a atuação de Asia Argento no filme de Sofia foi o que mais a impactou, desde então determinada a explorar a história da amante do Rei Louis XV, execrada na Corte por sua origem plebéia e executada pelos plebeus por sua conexão com os nobres. Uma figura facilmente trágica, e que, infelizmente, mais uma vez é condenada à má narrativa.

A vida de Jeanne Du Barry é fascinante, sua beleza foi inegável, mas o paradoxo de ser uma mulher sem classe diante da sociedade esnobe francesa, mas inteligente o suficiente para ser patrona de intelectuais como Voltaire, sem mencionar o amor que o Rei adorado por todos dedicou à ela em seys últimos anos de vida, certamente merecem uma revisão atual. A diretora e atriz francesa, que também assina o roteiro, é o grande elo fraco da iniciativa. Ela repassa momentos importantes de forma superficial, não conseguimos embarcar nem na alma complexa da cortesã ou sua relação com Louis XVI.

Sem conseguir interpretar bem, fica ainda mais difícil de achar ousado que, além do filme de Sofia Coppola, Maïwenn tenha citado outras influências como Stanley Kubrik ( Barry Lyndon) e Albert Serra (A Morte de Louis XIV) como base para Jeanne Du Barry. As três produções, ela ressaltou, ocntavam com poucos diálogos e justamente por isso demandava interpretação mais consistente. “Ela” não entrega, os outros sim, mas o filme é sobre Jeanne, com a personagem em tela 95% do tempo do filme. Maïwenn não nos transmite nenhuma empatia e fica sem muita explicação nem mesmo a paixão de Louis XV por Jeanne, ou menos ainda a irritação dos nobres sobre sua ligação com o Rei.

No filme Marie Antoinette, Sofia nos repassou a versão que dominava a França na época, a de que Jeanne, sem classe e abertamente libertária, encantou o monarca por sua voracidade pela vida, assim por seu desempenho sexual aprendido nas casas de prostituição de Paris. A Jeanne de Asia Argento não tem classe e é insegura, mas é justamente por isso que provocou a rejeição da Família Real, incluindo Marie Antoinette. No filme de Maïwenn aprendemos que ela teve educação que apenas famílias abastadas teriam, mas que escolheu ser cortesã por gostar de sexo, mesmo que nas duas cenas em que ela esteja efetivamente participando ela está observando mais do que agindo e depois é violentada. Não vemos nada que justifique a lendária fama de amante que ficou atrelada à sua biografia, uma versão certamente machista, mas que segue sem ser contesdada.

A produção de Jeanne Du Barry, toda rodada em Versailles, com figurinos e trilha sonora de peso, não sustenta o roteiro que mais parece um argumento mal terminado. Quem “salva” minimamente o fracasso completo é Johnny Depp, num retorno às telas depois. detrês anos de muita turbulência pessoal. Johnny nem foi. aprimeira opção para o papel, embora esteja na idade certa para ele (Louis XV tinha 58 anos). Maïwenn escreveu o filme pensando em um ator francês, cujo nome ela não revelou, mas que rejeitou a depois de três anos sem responder. A segunda opção francesa também declinou a oportunidade por “problemas de saúde”. A diretora passou a querer então astros americanos para o filme, convidando um ator também não revelado que não se interessou e chegando finalmente à Johnny Depp, que topou. Ainda assim, por conta dos problemas pessoais do ator, o projeto ficou parado entre 2019 até 2022, quando as gravações foram realizadas.

A escolha de poucos diálogos ajudou ao ator que não fala francês, mas não fosse o talento dele até isso ficaria ruim. Talvez pelo reflexo de sua vida, Johnny Depp consegue transmitir um rei mais cansado, quase taciturno e que vê na jovialidade de Jeanne, uma lento em uma Corte sufocante e decadente como já era Versailles na época. A relação dos dois é carinhosa, ela é o oposto da barulhenta Asia Argento e Rip Torn em Marie Antoinette, há uma crescente cumplicidade que dá pena de não ter sido melhor desenvolvida.

Outra atuação que se destaca e ‘salva’ Jeanne Du Barry é a de Benjamin Lavernhe como La Borde, o fiel valete de Louis XV. A sensibilidade que ele trata o improvável casal é o que nos faz se importar com uma história de amor que até hoje não é bem endereçada.

Portanto é triste perder a chance de ter a melhor personagem – real – como Jeanne para refletir sobre todos problemas que aceleraram a Revolução Francesa anos depois. Como citado, Jeanne foi vítima de bullying, preconceito, difamação, assédio sexual e moral por ser “uma mulher do povo”. Tudo que enfrentou em Versailles, de cabeça erguida, era o que a nobreza francesa não entendia ou aceitava. Daí a tragédia maior de ter sido uma mulher que logo depois foi executada pelo povo por ter sido ligada aos nobres. Sem mencionar que é o começo da incrível história do colar de diamantes. Nada disso sequer é sugerido, perdendo todo o contexto da citação final de que antes da morte, Marie Antoinette se tornou sua amiga. Essa era uma história a ser explorada! Teremos que esperar outra mulher para revisar tudo isso. Infelizmente Jeanne Du Barry não é esse filme.

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