“Encore un moment, monsieur le bourreau, un petit moment!” — Espere um momento, senhor carrasco, só mais um momentinho!, em livre tradução
As últimas palavras de Marie-Jeanne Bécu, ou Madame du Barry, ditas hás 230 anos, são tão trágicas como sua vida. Aos 50 anos, ainda bela e rica, ela tinha ‘escapado’ da fúria dos revolucionários franceses que odiavam a monarquia e, em especial um comum desafeto, a Rainha Maria Antonieta. Porém Jeanne, desconectada com a realidade como muitos ricos, se colocou em posição de risco e pagou com a vida. Sua morte na guilhotina teria sido evitada se tivesse tido discrição, afinal, a ex-amante do Rei Louis XV vinha do povo e ninguém lembrava dela naquela altura. Aliás, até hoje sua história, em geral, é uma página citada rapidamente nas trajetórias de nobres, tendo sido protagonista de poucas produções. Uma delas chega aos cinemas europeus em 2023, o filme Jeanne du Barry, dirigido e estrelado por Maïwenn e Johnny Depp, que vai abrir o Festival de Cannes.
A Condessa du Barry tem uma história fascinante e sua ascensão e queda, dos dias em que era apenas uma jovem trabalhadora ávida por cultura e prazer, até seu destaque como favorita do Rei, em Versailles. Em geral, esses dias são lembrados sob a ótica de seus detratores: ela é sempre retratada como uma “prostituta” de rua que chegou à Corte e conquistou o velho monarca com sua beleza, juventude e conhecimentos sexuais. Mas Jeanne era uma mulher inteligente, ambiciosa e fascinante, que ajudou ao Rei a recuperar a alegria nos últimos anos de sua vida. Eles viveram uma grande história de amor (alguns alegam que teriam até se casado em segredo), mas por ser de origem pobre, ela jamais superou o escândalo dessa união. Uma trágica ironia que o destino de Jeanne tenha sido o mesmo das pessoas que jamais a perdoaram por ser do povo. Chegaremos lá.
Marie-Jeanne Bécu, nasceu ilegítima de um caso de uma cozinheira e costureira, Anne Bécu, com um homem desconhecido (suspeitam que fosse um frade, Jean-Baptiste Gormand de Vaubernier). Um amante de sua mãe conseguiu que a menina tivesse educação, em um convento, algo que era apenas para famílias que tivessem alguma posse, o que não era o caso dela.
Lindíssima, Jeanne ficou sob a proteção das freiras até completar 15 anos, quando com o nome de Jeanne Rançon, passou a trabalhar para se sustentar, como aprendiz de cabeleireira, camareira de uma família de posses e até vendedora na elegante loja, La Toilette. Acreditam que foi assim que aprendeu sobre a etiqueta e a cultura da nobreza. Outros historiadores alegam que Jeanne trabalhou em prostíbulos, sendo aí que tenha criado suas conexões com a Alta Corte Francesa. De alguma forma, ainda com 20 anos, foi acompanhando um de seus amantes, o Marechal de Richelieu, em uma visita à Versailles, que Jeanne foi vista pelo Rei Louis XV, mudando o curso da História.
O monarca de 58 anos na época, recém viúvo e de luto pela morte de sua amante preferida de anos, a Madame du Pompadour, se encantou com Jeanne imediatamente, o que fez o nobre Jean-Baptiste du Barry, libertino confesso, se interessar também. Conspirador (e cafetão, segundo biógrafos), entendeu que a jovem criaria oportunidades políticas e se envolveu com ela, a apresentando às Artes e um mundo de luxo. A origem plebeia de Jeanne, assim como sua atividade como trabalhadora do sexo, eram obstáculos para que chegasse a um círculo íntimo de Louis XV, portanto a alternativa era casá-la o mais rápido possível para que tivesse um título, na verdade, um álibi. O escolhido foi o irmão de Jean-Baptiste, o Conde Guillaume du Barry, que tinha posses, mas não influência política. Como Condessa du Barry, Jeanne foi oficialmente apresentada ao Rei, que se apaixonou perdidamente e imediatamente por ela. Em 1769 foi incluída com pompa e circunstância na Corte, gerando escândalo, inveja e animosidade.

Embora alguns biógrafos aleguem que o interesse de Jeanne por Louis XV não envolvia política, os homens que a manipulavam a usaram para influenciar o Rei e alcançar seus objetivos. Um deles foi conseguir a demissão do Duque de Choiseul, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Seja como for, A Família Real a rejeitava, em especial a jovem Maria Antonieta, que se recusava a falar com Jeanne. Como por etiqueta a Condessa não poderia se dirigir à Princesa antes dela, criou-se um impasse no qual o próprio Rei teria tido que interceder. Depois de muita relutância a futura Rainha cedeu, em uma ocasião mostrada no filme de Sofia Copolla bem fiel ao fato. Outro fato histórico conhecido foram as joias altamente valiosas que ganhava de presente, incluindo o infame colar de diamantes, avaliado em cerca de US$ 14 milhões hoje, que estava no centro do Caso do Colar de Diamantes. Para lembrar, em 1772, Louis XV encomendou um colar para Jeanne tão extravagante que ele morreu antes que ele ficasse pronto (ou fosse pago). A peça ficou sem dono até que a golpista Jeanne de Valois-Saint-Remy convenceu ao Cardinal que Maria Antonieta cobiçava o colar (uma mentira pois a Rainha nunca ficaria com algo feito especialmente para Du Barry) e jogou o nome da monarca em meio a um escândalo que piorou sua reputação. Essa é uma história que merece post à parte. O fato é que o exagero de tudo que cercava Madame Du Barry reflete como ela era adorada por Louis XV, como era alvo de luxo desenfreado e muita fofoca.
Tanto que, em geral, Jeanne sempre foi retratada como uma mulher vulgar, sem modos ou disfarce de sua origem. Teda Bara, a sex symbol do cinema mudo a viveu no filme de 1917, e Pola Negri, em 1919, reforçando a lenda sexualizada sobre sua trajetória, também com Dolores Del Rio no filme de 1934. Até o momento, sua associação à prostituição nunca foi questionada, mesmo que outras tenham feito a mesma opção como meio de vida.
Instalada no segundo andar do Palácio de Versalhes em suntuosos apartamentos de 35m2, Jeanne viveu cercada de luxos e com direto acesso aos aposentos do rei, logo abaixo do dela, no primeiro andar. Como maitresse-en-titre, era a mulher mais poderosa da França. Porém, quando Louis XV ficou doente e morreu, em 1774, tudo mudou. Ela foi expulsa de seus aposentos e obrigada a se aposentar da corte. Os dois primeiros anos foram passados no Convento de Pont-au-Dames, mas depois passou a viver com conforto e luxo no Chateau de Louveciennes, sem incomodar ninguém diretamente. Como patrona das artes e artesãos, foi amiga de Voltaire, contratou Jean-Honoré Fragonard para pintar várias obras para ela e apoiou novos movimentos e ideias nas artes. Aí veio a Revolução Francesa, em 1789.

Os primeiros anos, conhecidos como Reino do Terror, só julgavam as pessoas por suas posses e passado recente, portanto a origem plebeia de Jeanne foi “esquecida”, com seu título de Condessa e sua vida junto ao Rei como principal referência. Ainda assim, como estava longe de Versailles e era desafeto da odiada Maria Antonieta, Jeanne foi deixada de lado. Até que a própria Du Barry cometeu uma série de erros.
Em 1791, Jeanne foi roubada e não conseguiu perceber que ganharia mais ficando quieta sobre suas posses do que clamando por Justiça. Eram diamantes e ela fez um escarcéu tão grande que chamou atenção de muitos, até porque prometeu generosas recompensas para recuperar suas posses e acabou fazendo alarde da sua imensa fortuna. As joias foram localizadas em Londres, para onde conseguiu fugir e onde estava em segurança e bem recebida. Porém, de repente, decidiu voltar à França, mesmo sendo fortemente alertada e aconselhada a jamais pisar em Paris, afinal era nobre por casamento e ex-amante do Rei, seria um alvo imediato e fácil da Guilhotina. Teimosa, desafiou a sorte. E perdeu.
Madame Du Barry foi presa em 1793 e jogada na prisão. Levada a julgamento, foi acusada de traição e rapidamente condenada à morte. Implorou por misericórdia, entregou vários nomes que eram contra o Novo Regime, mas foi levada para a execução em uma carroça comum, com outros acusados. Poucos lembravam que ela mesma era uma mulher do povo. Foi executada apenas dois meses depois de Maria Antonieta e seu corpo jogado em uma vala comum.
Essa história trágica promete ganhar nova narrativa na visão de Maïwenn. Com a distância de 230 anos, possivelmente teremos uma Jeanne menos julgada, mas, infelizmente, igualmente trágica. Uma mulher que conseguiu superar todos obstáculos, menos o julgamento da sociedade.
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