Nos 30 anos da tragédia em Waco, duas séries endereçam uma ferida americana ainda aberta

Em 1993 o mundo acompanhou estupefato uma ação desastrosa do FBI em Waco, Texas. As consequências até hoje impactam a sociedade americana, com outra tragédia – o atentado em Ohkhaloma, em 1995 – como consequência. Livros e documentários até hoje discutem o que aconteceu, mas são as séries Waco e Waco: The Aftermath que costuram os fatos e nos fazem voltar a questionar: poderia ter sido diferente?

As duas produções, lideradas pelo sempre perfeito Michael Shannon no papel do negociador Gary Noesner, que se desentendeu com seus colegas quando a opção foi a força militar, mas que igualmente não conseguiu impedir a morte de 76 pessoas no Texas (48 adultos e 28 crianças) ou a explosão em Okhlahoma, por mais que tivesse tentado.

Waco foi lançada em 2018, sendo que Aftermath foi lançada em 2023. Conseguir manter o mesmo elenco nas duas é essencial para o sentimento de continuidade e conseguiu maratonar as duas, se tiver tempo e estômago, vale a pena. Na primeira, já encontramos o líder da seita Branch Davidian, David Koresh (Taylor Kitsch) no impasse com o FBI que resultou na morte de quase todos no complexo de Waco. Por muitos anos, a versão oficial que muitos compraram foi a de que foi um suicídio em massa e que os tiros começaram do lado dos davidianos matando quatro agentes. Ninguém consegue explicar exatamente como o incêndio começou, com os poucos sobreviventes do Ramo Davidiano sustentando que o FBI foi o agressor, e que o fogo começou com as granadas de efeito moral e gás lacrimogeneo lançadas pela ATF.

A construção da tensão, da teimosia de ambos os lados no impasse que durou quase oitos semanas são mostradas sem poupar nenhum dos lados, com excelentes atuações de todos. Particularmente, há uma questão extremamente delicada que é mostrar o Ramo Davidiano como uma seita incompreendida e em grande parte pacífica, liderada por um narcisista carismático. Karesh era “casado” com várias meninas menores de idade (ou seja, um predador sexual) e mesmo assim seus seguidores não viam o estupro estatutário como crime (embora no Texas se os pais derem a permissão para a união, não é ilegal). Como Waco não quer demonizar Karesh o foco é expor a desastrada decisão de agir com violência e depois de acobertar as evidências, sendo então o grande antagonista de toda história, mas é dentro do contexto.

Os cinco anos que separam as duas séries (que não tivemos uma vez que chegaram juntas na plataforma do Paramount Plus) retratam como a semente da intolerância que hoje divide a sociedade nos Estados Unidos foi plantada, tirando a credibilidade e a confiança no sistema. Reecontramos todos os envolvidos em Waco ainda assombrados pelos seus erros e fazendo novos, mais uma vez.

Em Aftermath, mais uma vez a narrativa não é linear e nos conduz a reavaliar toda história e como Timothy McVeigh (Alex Breaux) se prepara (e realiza) o atentado a bomba em Oklahoma City justamente como a retaliação à Waco. É angustiante porque sabemos o triste resultado e como cada decisão errada conduziu para a morte de milhares em 1995, justamente com a ascensão do movimento dos nacionalistas brancos.

Para equilibrar que na continuação boa parte do drama se desenrola no julgamento dos sobreviventes, defendidos por Dan Cogdell (Giovanni Ribisi), temos as cenas onde entendemos como os seguidores de Koresh se envolveram com ele como permaneceram convencidos de sua divindade muito depois de sua morte. Também acompanhamos como Vernon Howell (Keean Johnson) – o nome verdadeiro de Koresh – se juntou ao Ramo Davidiano e passou a ser considerado por eles como um profeta, dessa vez, sem ser um texto necessariamente tão simpático à ele, deixando mais clara a sua manipulação psicológica.

Manter os passos de Timothy McVeigh se preparando para o atentado fora do radar do FBI é tenso porque embora Gary saiba que algo está para acontecer no dia 19 de abril e que é uma ação terrorista doméstica, é ignorado. O que críticos reclamam é que, mesmo fazendo a conexão de Waco como um catalisador para radicais como McVeigh, não condena ninguém com clareza. Tampouco avança nas investigações do atentado, deixando uma possibilidade para outra visita ao drama, ainda mais que em 2021 vimos que o conflito está longe de estar sob controle.

Passadas três décadas de Waco e caminhando para três também de Oklahoma City, é importante revisar esses tristes episódios como um alerta para evitarmos novas tragédias.

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