As dores de mães e mulheres no coração de House of the Dragon

Em Fogo e Sangue, a guerra civil que marcou a Casa Targaryen é provocada entre o ódio mútuo de dois irmãos que disputam a linha sucessória, um fato inspirado em um conflito que aconteceu na História britânica, entre Matilda e um primo. Na série, pelo menos na primeira temporada, na melhor das hipóteses Rhaenyra e Aegon se ignoravam mutualmente, tanto pela grande diferença de idade como a claríssima escolha de Viserys que sua filha o sucedesse no trono. O verdadeiro conflito está entre duas mulheres e amigas que o Jogo dos Tronos não apenas afasta, mas as torna inimigas mortais. Outra diferença do livro, onde elas mal se relacionavam e tinham uma distância de idade significativa. Nenhuma dessas adaptações “atrapalha” a série e traz outra perspectiva da história, uma que já era cinzenta mas que ganhou outras camadas, inegavelmente. O ódio, que um dia foi amor, entre Rhaenyra Targaryen e Alicent Hightower gerou uma série de desentendimentos, de momentos violentos, momentos torturantes, mas nada perto que veremos na segunda temporada.

Para entender como as duas se afastaram e se opuseram, vale lembrar o que as unia e o que as separou. Na série, não no livro.

Rhaenyra e Alicent cresceram nos corredores da guerra política em Westeros. Rhaneyra, naturalmente, filha única do Rei Viserys e Alicent, filha única do Mão do Rei, Otto Hightower, o homem mais poderoso que o próprio monarca. Numa sociedade patriarcal, elas tinham um único papel: casar e ter filhos. No entanto, o destino das duas jamais seria tão simples assim.

Viserys não conseguiu gerar um filho homem para herdar a Coroa, que, seria então passada para seu irmão mais novo, Daemon, inimigo mortal de Otto. Para deixar as coisas ainda mais complexas, Viserys não estaria na linha mais próxima do trono, mas, seus tios morreram sem filhos homens e seu avô, Jaehaerys, fez algo potencialmente fatal. Em vez de reconhecer sua neta, Rhaenys, como Rainha, afinal ela era a filha do primogênito, ele convocou um plebiscito onde os nobres votaram entre Rhaenys e Viserys, elegendo o homem apenas pelo gênero. Rhaenys já tinha filho homem, mas nem seu filho foi considerado, criando um problema familiar e cultural.

Como Rei, Viserys era tido como pelo povo como um rei bondoso, mas, entre os nobres, como um rei sem pulso. Sua excessiva tentativa de ter um herdeiro homem acabou custando a vida de sua esposa, duplicando o ressentimento de Rhaenyra diante de tudo. Não apenas ela era menos por ser melhor, como perdeu sua mãe porque não havia um príncipe homem. Na série, seu maior apoio diante de todo período é justamente Alicent. E ambas vão sofrer por causa da estratégia de Otto Hightower.

A idéia de uma Rainha era inadmissível para todos os nobres em Westeros, incluindo Otto, mas para ele era ainda pior ter Daemon no Trono de Ferro. Otto nunca parou de maquinar para evitar que Daemon ficasse bem com Viserys ou tivesse uma chance na sucessão, assim como estava de olho em manter sua posição de Mão, sem excluir o sonho de um dia ter um Hightower como rei. Quando Viserys inesperadamente ficou viúvo – e frágil – Otto temeu que fosse fácil demais para Daemon avançar para o trono e por isso encorajou ao Rei de quebrar a tradição, a mesma que o colocou no Trono de Ferro, para oficializar Rhaenyra como sua sucessora. Assim, as duas meninas ainda estavam juntas e se apoiando, mas a Princesa agora tinha um destino maior traçado para ela.

Otto sempre foi estrategista de longa distância. Para ele, Rhaenyra jamais seria Rainha, era apenas uma questão de tempo para afastar Daemon enquanto encontrava uma nova esposa para Viserys, uma que geraria finalmente o príncipe que herdaria a coroa. E que chance! Sua filha estava na idade que poderia ser essa candidata! Dessa forma, em segredo inclusive para Rhaenyra, Otto encoraja/direciona Alicent para uma maior intimidade com Viserys, que começa com conversas longas e depois viram noites em segredo. Quando Viserys anuncia que vai se casar com Alicent, Rhaenyra se sente – com razão – traída pelas duas pessoas que mais amava. E ainda pior: dessa união sua posição de herdeira passou a ser diretamente ameaçada.

Antes de seguir com a Princesa, falemos de Alicent. As personalidades das duas era complementar, mas Alicent sempre foi obediente e resignada ao que era esperado dela, enquanto Rhaenyra sempre queria desafiar as tradições. Como peças em um jogo onde consideravam diferentes movimentos, as duas foram se tornando antagonistas.

Obviamente, Alicent não apenas gerou um filho homem para Viserys, mas três (e uma filha). Porém, diferente do livro, na série ela tentou inutilmente ser fiel à Rhaenyra como à seu pai, ficando mal com ambos.

Se sentindo ameaçada, a princesa entrou em um espiral rebelde que culminou com mentiras perigosas que ameaçavam sua posição de herdeira. Incentivada pelo tio, ela teve sua iniciação sexual antes do casamento (com Ser Criston Cole) e como todos souberam, sua reputação ficou manchada. Otto pulou na última oportunidade que tinha para voltar a linha sucessória para a tradicional patriarcal, mas Alicent não o seguiu inicialmente, para sua surpresa. Ele julgava que ela quisesse seu filho no trono, mas ela só aceitaria se fosse seguindo as regras. Como Rhaenyra mentiu para ela alegando que ainda era virgem, ou, para ser justa, negando que tivesse tido relações com seu tio, Alicent não iria derrubá-la. Otto foi afastado de sua posição por alimentar “calúnias”, ao mesmo tempo que a rainha consorte descobriu que a amiga não tinha sido honesta com ela. A partir daí, jamais seriam como antes. Na festa de casamento de Rhaenyra, a Rainha adota o verde da bandeira de sua Casa em uma declaração de guerra velada.

Com o avanço do tempo – 10 anos – vemos que Alicent e Rhaenyra não apenas não confiam mais uma na outra como Alicent não é mais a doce e tímida menina. Como Rainha consorte e mãe de quatro príncipes, ela tem comando, inclusive sobre a enteada. Descobrimos que o casamento de fachada de Rhaenyra e Laenor Velaryon não gerou herdeiros, mas ainda assim ela tem três filhos e Alicent tem tentando expor a princesa por ter filhos de seu amante passando como se fossem legítimos. E aqui há alguns pontos importantes da história na tela.

Como refúgio para uma vida sem amor ou felicidade, Alicent se voltou para religião, mas obviamente há alguma hipocrisia. Sua relação com seu informante, Ser Larry Strong é sexual mesmo sem envolvimento físico, mas ela critica a enteada. Mesmo sem agir deliberadamente em favor de seus filhos para suceder ao marido, ela tem horror aos filhos de Rhaenyra. Sua atitude dita o relacionamento tóxico entre as crianças, antecipando a violência que vai praticamente acabar com ambas as casas.

Dito isso, Rhaenyra está longe de “ter razão”. Ter se casado com um homossexual atrapalhou boa parte de sua legitimidade como herdeira. Primeiro, é incapaz de gerar um filho com ele, ou seja, seu sucessor é mesmo seu irmão. Para piorar, com filhos ilegítimos, sua honra é questionada o que poderia custar a Coroa. E mais ainda, ela tem total ciência de que as crianças são de bastardas, mas diz que o que importa é que são Targaryens. Ela está errada, gente. Claro que ao casar com Daemon, os filhos de ambos são em tese os verdadeiros herdeiros. Falo em tese porque no livro, Rhaenyra fica convenientemente viúva. Na série Laenor foge com o amante ou seja: os filhos de Daemon e Rhaenyra são também ilegítimos. Sou time preto, mas House of the Dragon coloca os verdes com argumentos convincentes, pena que não os usaram e partiram para a clara e violenta usurpação.

Porque essas duas mulheres se opuseram, seus filhos “herdaram” o ressentimento e ódio entre elas. Sempre brigando entre si, Alicent quase enlouquece quando Lucerys arranca o olho de Aemond, demandando outro como retorno. A rainha pode não ter cegado o filho de Rhaenyra, mas certamente o conduziu para sua morte, justamente pelas mãos de Aemond. Foi um acidente, como vimos, mas extremamente triste.

O trailer da segunda temporada explora as consequências dessa rivalidade. Vemos que, como no livro, Otto e Alicent se revoltam com Aemond por ter iniciado o período de guerras e ataques diretos. Rhaenyra, arrasada, busca os restos mortais de Lucerys. Alicent e Otto falam da realidade de riscos que os Hightower passam a ter e sim, os filhos de Aegon serão vítimas de uma das piores cenas que esperamos em toda franquia.

Mas há um detalhe que fica nas entrelinhas de todas as questões relembradas aqui. A inveja de Alicent. Criada sem uma mãe presente, não fica claro quando Otto ficou viúvo, mas ela não tinha uma presença feminina em sua vida, menos ainda um parente carinhoso. Rhaenyra, por outro lado, era adorada por seus pais e tinha uma mãe incrível. Parece um comentário mesquinho, mas não é. O reflexo de todas essas relações está na maneira que as duas criaram seus filhos e a dor extra que vai gerar na Dança dos Dragões.

Alicent, que embora tivesse uma relação de carinho e amizade com Viserys, não tinha um casamento feliz. Ninguém à culpa! Ela se casou por obrigação, por pressão paterna e teve que experimentar uma vida sexual frustrante, à disposição do Rei e sem nenhum prazer. A série fez questão de nos mostrar isso. Portanto, os filhos dessa união não são por amor e nem tratados com empatia. Alicent tratou os quatro como consequências e – tentou – educá-los submissos. Sua indiferença sentimental criou monstros: Aegon e Aemond são rancorosos, sociopatas e perigosos. Apenas Haelena desperta em Alicent pena (não exatamente o que deveria sendo sua única filha!) e essa conexão será testada duramente quando a resposta de Rhaenyra pela morte de Lucaerys chegar em Westeros, via Sangue e Queijo.

E é isso que também fica claro no trailer: o sofrimento de duas mães sobre a inevitabilidade da destruição de seus filhos. Rhaenyra criou seus 5 filhos homens com um carinho e dedicação incomuns entre os nobres, mas que segue o que ela mesma recebeu de seus pais. O aborto de sua única filha, combinado com a morte do doce Luke, destruirão sua alma, mas como vemos em House of the Dragon ela pode ser uma rainha nova, mas é uma boa pessoa. Daí a tristeza de tudo que vai se desenrolar, destruindo a alma da igualmente frágil Haelena.

O que nos faz considerar: se Alicent e Rhaenyra tivessem sido honestas uma com a outra, quem sabe se teria chance para Paz? Mas porque forram arrogantes , muitas vidas pagarão pelo preço. Um que demanda sangue. Preparem os lenços!


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