Em Westeros, irmãos são complicados

Há uma tradição de que relações familiares em Westeros, seja em Game of Thrones ou House of the Dragon, são complexas. Especialmente entre irmãos. Em qualquer casa! Nem os Starks ficaram ‘livres’ de conflitos e eles são os mais apegados. A competição, a distância, o ressentimento ou o amor e fidelidade criaram situações onde muitos pagaram com suas vidas. Na Casa Targaryen a tradição conflituosa precede a Guerra Civil entre Rhaenyra e Aegon III, mas o desentendimento deles é o que vai fazer Westeros sangrar, assim como acabar com os Dragões por mais de 150 anos, até Daenerys (Emilia Clarke) aparecer.

Na série House of the Dragon a alma do problema não está, ou estava, entre irmãos mas entre madrasta e enteada, diferentemente do livro onde Rhaenyra (Emma D’Arcy) e Aegon (Tom Glynn-Carey) não se suportavam. Não importa, a dinâmica familiar sugere uma constelação desafiadora! Vamos relembrar alguns problemas ao longo do caminho?

Entre os Lannisters: incesto, ódio, inveja

Em House of the Dragon os Lannisters já circulavam entre os mais poderosos, mas quem ocupava a posição de prestígio que em Game of Thrones era deles eram os Hightowers. O que nos faz lembrar o trio que praticamente “acabou” com a linhagem milenar dos ricos e belos de Westeros.

Cersei (Lena Headey), Jamie (Nicolaj Coster-Waldau) e Tyrion (Peter Dinklage) representaram em alguns momentos alguns dos sentimentos mais intensos das personagens de George R. R. Martin. Também na série ficaram diferentes das páginas, em especial nosso popular e heróico Lannister. Caçula e anão, literalmente nasceu sob preconceitos e ressentimentos desde o berço, sendo fisicamente diferente de sua família e – sem surpresa – caminha para o lado oposto deles moralmente também. Odiado por Twyin (Charles Dance) que tinha vergonha dele e raiva porque a esposa morreu no seu parto, Tyrion protagonizou os dramas familiares como poucos nessa saga.

Cersei e Jaime, gêmeos e belos, eram perfeitos para os esquemas de Twyin: ela, por casamentos políticos, e ele, por ser um dos mais habilidosos lutadores e Guardas de Westeros. Mas o amor entre eles rapidamente se tornou incestuoso e eles cresceram com o pacto de que se nasceram juntos, também morreriam juntos.

A trajetória de Jaime em Game of Thrones é uma das mais fascinantes da TV e da literatura: um vilão que termina herói. Porém seu ponto fraco era justamente sua obsessão por Cersei, a única mulher que ama e por quem faz literalmente qualquer coisa. Não vimos na série, mas ele se revoltou quando ela se casou o rei Robert Baratheon. O cunhado, que não sabia que os rumores de incesto eram verdade, mas sabia que havia uma conexão entre os gêmeos, adorava colocar Jaime de guarda fora de seus aposentos toda vez que ele fazia sexo com Cersei, ou outras mulheres, apenas por diversão. Esse poder que Cersei exercia sobre ele era unilateral, ela não se influenciava por nenhum dos irmãos.

O sentimento de Cersei por Jaime, nos livros e na série, é dúbio. Ela se diz “apaixonada”, mas além de ter outros amantes, era movida por inveja mortal de Lyanna Stark. Lyanna era o amor verdadeiro dos dois homens que Cersei queria: o do príncipe Rhaegar Targaryen que tirou a jovem de Robert, que nunca superou perdê-la. Implacável, Cersei efetivamente só amava os filhos (todos de Jamie).

O primeiro sinal de empatia em Jamie foi o fato de que a única coisa que o colocava sempre em rota de colisão entre ele e seu pai e irmã era sua compaixão e amor por Tyrion. Desde cedo, como descobrimos depois.

A ação provocada por Joffrey quando executa Ned Stark é o caminho da derrocada de muitas famílias em Game of Thrones, mas imediatamente afasta Jamie de Cersei. Quando Tyrion é sequestrado por Catelyn Stark, Jamie ignora o comando do pai e começa uma guerra para recuperar o irmão. É capturado por Robb Stark (Richard Madden), libertado por Catelyn e no longo caminho até reencontrar Cersei perde a mão e se transforma.

O amor entre Tyrion e Jamie é um dos mais profundos de toda saga e um dos mais emocionantes. Os irmãos não se julgam por seus defeitos, mas abraçam suas qualidades e se ajudam como podem. Tyrion, quando já está decepcionado com Daenerys, decide cometer traição para salvar o irmão. Jamie, infelizmente, morre abraçado com Cersei, o que significa que manteve sua palavra com ela, assim como com Tyrion. Em um universo tóxico, foi inspirador ver algo genuíno. Especialmente sendo do lado dos Lannisters.

Em Winterfell, segredos por conta da família

Ainda não conhecemos Cregan Stark (Tom Taylor), mas House of the Dragon vai resgatar a dinâmica familiar da casa do Norte. Em Game of Thrones, os Starks têm a relação mais saudável de todo continente. Ned, criado muito próximo de seus irmãos, passou para os filhos esse mesmo compromisso e sentimento, incluindo o “bastardo” Jon Snow (Kit Harington).

Não conhecemos seu irmão mais velho, Brandon, que foi morto por Aerys Targaryen quando foi pleitear o retorno de sua irmã Lyanna, aparentemente sequestrada por Rhaegar. Sua morte colocou os Starks como inimigos dos Targaryens e mudou a vida de Ned que não apenas se viu lutando contra o Rei como teve que se casar com Catelyn, a prometida a Brandon.

Ned e Benjen, os Starks que ‘sobraram’ eram muito amigos também. Quando formou sua família com Catelyn, Ned passou para os filhos esse amor fraternal e respeito que partilhava com os seus irmãos. Como sabemos, era tão profundo que Ned só voltou para casa um ano depois que a guerra começou, e apenas porque encontrou Lyanna. Ele nunca partilhou o que houve e como ela morreu, mas nós sabemos que ele fez uma promessa a ela. Quando retornou a Winterfell, com seu corpo, Ned também trouxe “seu filho bastardo”, Jon. Catelyn nunca o perdoou porque além da traição, Ned tratava Jon de igual para seus filhos com ela, o que alimentava seu ciúme do amor que ele sentiu pela mãe da criança. E nós sabemos a verdade: Jon era filho de Lyanna e ela pediu ao irmão para protegê-lo. Ned comprometeu sua honra e dever por amor. Uma dedicação que mais tarde teria efeito sobre o príncipe Targaryen.

Os filhos de Ned e Catelyn – Robb, Sansa, Bran, Arya e Rickon – eram melhores amigos, igualmente considerando Jon como um deles. Quer dizer, Sansa um pouco menos, influenciada por sua mãe. Mas mesmo fazendo a diferenciação, ela amava Jon e confiava nele. Sim, Sansa e Arya também não tinham uma relação harmoniosa pois Arya era como seus irmãos, literalmente, gostando mais de lutar do que costurar.

Afastados pela morte de Ned, os irmãos Starks passaram seis temporadas tentando se reencontrar. Robb jamais reviu os irmãos pois foi assassinado no final da quarta temporada e Rickon, que cresceu escondido com os Umbers, também só vislumbrou a figura de Jon ao longe, morrendo na sua frente quando foi cruelmente assassinado por Ramsay Bolton.

O destino de Westeros foi determinado pelo amor entre os irmãos Starks. Mesmo quando Jon descobre que é Aegon Targaryen, ao ser avisado por Daenerys que ela vai executar todos que souberem do segredo e não a reconhecerem como Rainha, ele se confirma como um Stark acima de tudo. Ele também, como Ned, escolheu o Amor antes do Dever e o amor por suas irmãs (primas) e irmão (primo). Ao salvar Sansa, Arya e Bran, Jon passou a ser um Queenslayer e Kinslayer, a pior vergonha para uma pessoa de honra em Westeros. Tudo pelo amor à família.

Greyjoys, Tyrells: relações próximas

Outros irmãos unidos, às vezes extremamente íntimos (mas não incestuosos) circularam em Westeros também. Theon e Yara Greyjoy cresceram longe um do outro, uma vez que Theon era ‘hóspede’ dos Starks desde os oito anos. Quando se reencontram, 12 anos depois, os dois mal se conheciam, mas rapidamente a ligação entre eles foi estabelecida. Yara tentou resgatá-lo de Ramsay, foi à guerra por ele e Theon também a apoiou como Rainha em seu lugar. Sim, traumatizado, a ‘perdeu’ para seu cruel tio quando defenderam Daenerys contra Cersei, mas Theon se redimiu indo salvá-la. Em sua memória, Yara aceita Bran como Rei de Westeros, mesmo se opondo à Jon pela traição de matar Daenerys.

Entre os Tyrrells, Margaery e Joras eram também irmãos que se amavam e se apoiavam. A intimidade deles incluía não julgar um ao outro e partilhar amantes. Quer dizer, Margaery mantinha a fachada e Joras a relação. Esse era o acordo dos dois com Renly Baratheon, pelo menos. Quando os Tyrrells se uniram aos Lannisters, os irmãos fizeram parte dos acordos políticos: Margaery se casou com Joffrey, e depois com Tommem, enquanto Loras era prometido à Cersei. O trágico fim dos dois, numa cartada vingativa de Cersei, foi determinado pela fidelidade entre eles e a decisão de Margaery de proteger o irmão. Morreram um nos braços do outro, em um dos momentos mais marcantes de todo Game of Thrones.

O ódio que consumiu famílias Baratheon, Clegane e Tully

Nem todas as famílias eram unidas por amor.

Os irmãos Clegane se odiavam desde o berço, deixando um rastro de sangue por onde passavam. As irmãs Tully – Catelyn e Lysa – aparentemente se davam bem, mas na verdade havia inveja e ciúme de Lysa pela atenção que a irmã recebia, em especial de Littlefinger, por quem ela era apaixonada. Nos espólios da guerra, ninguém pode culpar Lysa de ter ficado ainda mais revoltada quando Catelyn foi desinada ao jovem Ned e ela ao velho Jon Arryn. Infelizmente essa relação vulnerável entre irmãs foi usada por Littlefinger para sua própria vingança contra os Starks, culminando com a execução de Ned. Se Lysa e Catelyn fossem realmente amigas, mais do que irmãs, a história de Game of Thrones teria sido bem diferente.

Porém, mais do que o ódio entre os Cleganes estava a complexa relação dos irmãos Baratheon: Robert, Stannis e Renly. Três personalidades distintas, um senso de Dever apurado em um, o desejo de Poder em outro e a Força de Robert colocaram os irmãos em caminhos opostos. Robert era rei, com herdeiros, Stannis era antipático e Renly, popular. Com a morte de Robert, Stannis e Renly se opuseram mortalmente, dando vantagem para os inimigos em um momento crucial. Ned, o irmão eleito de Robert, foi a primeira vítima no fogo cruzado. Não fosse pelo bastardo que Robert jamais conheceu, a casa Baratheon teria sido extinta.

Ninguém define complexidade como os Targaryens

Em Game of Thrones, Viserys III e Daenerys Targaryen são (oficialmente) os últimos de sua Casa e não são exatamente um bom exemplo do DNA confuso que dominou gerações. Movidos pelo desejo de recuperarem o que foi tirado à força de sua família quando ainda eram crianças, os irmãos eram próximos por só terem um ao outro, mas ao mesmo tempo sem confiança mútua. Daenerys se revelou mais forte e estratégica que seu irmão, pelo menos por um tempo. Ao permitir que ele fosse executado, ela abraçou seu destino de ser Rainha, e a guerra civil que liderou não foi contra sua família, mas seus inimigos. Muito diferente do que vemos em House of the Dragon.

A morte de Viserys III não nos incomodou em nada, mas em House of the Dragon, quando o reino de Viserys I (Paddy Considine) chegou ao fim, não houve um olho seco em casa, posso apostar. E é nessa prequel que conhecemos a dinâmica doentia da Casa Targaryen em seu auge. Isso porque, em qualquer monarquia, é esperado que exista competição entre herdeiros, com os suplentes sempre invejando os primogênitos. Acrescentar incesto à fórmula é ter certeza de muito drama.

A relação de Viserys com seu irmão caçula, Daemon (Matt Smith) teve uma juventude muito próxima e os dois se adoram, no entanto, a ambição e o temperamento agressivo de Daemon sempre o expuseram como um homem a se ter cuidado. Quando Viserys herda a coroa, os irmãos não ficam necessariamente mais próximos pois justamente o inimigo de Daemon, Otto Hightower (Rhys Iphan) é o Mão do Rei. Em outras palavras, o conselheiro mais influente do reino e obviamente Otto só faz alimentar as desconfianças mútuas entre irmãos. Com sucesso, precisamos lembrar.

Daemon e Viserys se desentenderam mais de uma vez e seriamente. A primeira é quando chega aos ouvidos do Rei que Daemon teria brindado a morte do sobrinho. Nem no livro ou na série o ouvimos fazer o brinde, sabemos que ele está triste pelo irmão mas que sem segredo se vê como seu herdeiro, portanto a morte do filho de Viserys o assegura nessa posição. Ou deveria.

Incitado por Otto, Viserys faz de Rhaenyra sua sucessora, quebrando uma tradição milenar de uma corrente de Reis, não Rainhas. Daemon ainda tenta se casar com ela, mantendo a linhagem Targaryen pura e mais uma vez mantendo sua proximidade do trono, mas Viserys tenta evitar a casando com outro. Claro que o plano dá errado e no final das contas Daemon se casa com a sobrinha. E eles terminam seus dias em paz com isso.

O mesmo não se pode dizer com Rhaenyra e seus irmãos. Alimentados pelo ódio e ressentimento de Alicent Hightower (Olivia Cooke), a família já era belicosa ao longo dos anos, mas, com a morte de Viserys, começa uma Guerra Civil.

Como menciono várias vezes, a série House of the Dragon difere do livro Fogo e Sangue e quase não há interação entre Rhaenyra e seus irmãos para que exista um ódio tão profundo. Quando jovem, a princesa demonstrou ciúmes e insegurança sobre Aegon, mas adulta mal sinaliza sequer saber dele. O que não impede que tanto Aegon como Aemond (Ewan Mitchell) tenham inveja dela.

Dito tudo isso, vamos ressaltar a tênue amizade entre Aegon e Aemond também. Quando pequenos, Aegon se unia aos sobrinhos Jacaerys e Lucerys para atazanar Aemond por não ter um dragão. Ao longo dos anos, Aemond é seu confidente e sabe que Aegon não queria se casar com Helaena (mas ele sim) e nem mesmo queria ser rei. Mais uma vez, Aemond sim.

Aemond se espelha e odeia seu tio, Daemon, e o confronto entre eles está mais do que prometido. Nessa segunda temporada teremos mais cenas e histórias da relação dos dois. Acidentalmente Aemond eliminou qualquer chance de negociação ou Paz quando não controlou Vaghar e matou Lucerys, o que significa que a segunda temporada é GUERRA!

Aegon abraça seu lado sombrio e sádico e teremos apenas essa temporada com ele saudável e se deslocando porque ele até vai vencer a batalha que custará a vida de Rhaenys Targaryen (Eve Best), mas ficará desfigurado, em dor e entorpecido a partir daí. Aemond, por outro lado, será seu braço direito, eventual regente e se apaixonará também. Mas, o importante é que teremos a dinâmica esses dois príncipes do mal, que são tanto Hightower como Targaryen. Quem aposta em uma relação ‘complexa’?


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