Hoje, 10 de janeiro de 2024, completam 25 anos que a TV mudou, com lançamento de Família Soprano. Sou abertamente uma fã incondicional da série, cujo realismo talvez não tivesse o mesmo espaço hoje. Na cultura mafiosa, e mundial, as mulheres não tinham voz, eram esperadas de terem duas funções a de amante ou mãe de família, aceitando os homens como são, blá blá blá. Em outras palavras, vimos desfilar modelos submissos, abusados, maltratados e humilhados, mas mesmo as mulheres mais fortes perdiam espaço e autonomia para os homens, em especial, Tony Soprano (James Gandolfini). Talvez nenhuma como Carmela (Edie Falco), sua sofrida esposa.

O papel, que quase foi para a atriz Lorraine Bracco, que preferiu interpretar a analista de Tony, Dra. Jennifer Melfi, rendeu à Edie Falco o estrelato mundial, várias indicações a prêmios, incluindo o Emmy: e três vezes. Mais do que merecido e a química de Edie e Gandolfini ajudou e muito na lenda que Família Soprano virou. Carmela não poderia ser outra que Edie Falco.
Como sabíamos, e vimos em Os Muitos Santos de Newark (The Many Saints of Newark), Carmela era amiga de Tony desde adolescente, sua namorada e eventualmente, sua esposa. Quando a conhecemos, já está com dois filhos adolescentes, Meadow Soprano e Anthony “A.J.”, e ela está frustrada (com razão) em um casamento onde é traída constantemente, ignorada pelos filhos e sem uma função social, isso porque ao se casar, ela abandonou os estudos para ser dona-de-casa.
Enquanto Tony lida com os negócios da família, e é o “chefe”, ninguém duvida de quem realmente comanda a casa: Carmela. Ela entende cada regra da cultura onde eles circulam, a origem de sua vida de luxo, mas mantém a aparência de legitimidade. Se tem uma pessoa em que Tony confia, é Carmela. Mas a acompanhamos definhar, sofrer e não conseguir quebrar o molde, ganhar liberdade ou mesmo entender o que é ou pode ser. Carmela é constantemente abusada psicologicamente por todos, filhos, amigos, conhecidos e, em especial, Tony.


O catolicismo é um fator que torna a vida de Carmela ainda mais complexo porque é mais uma instituição cujas regras a amarram: não pode divorciar, se sente culpada e ainda se vê obrigada a ter que aprender a perdoar. Por outro lado, ela também sabe usar as mesmas amarras para atormentar o marido. Um jogo tão errado, tão trágico e viciante de acompanhar.
E aqui está outro brilhantismo de Família Soprano, Carmela é vítima e algoz, às vezes em uma única cena. Ela e Tony tem uma relação diferente com Meadow, a primogênita. Eles têm orgulho e sonhos para ela, mas em particular, mãe e filha se indispõem por ciúmes e competição. Carmela vê nela tanto a independência e o sucesso que sempre desejou e não se viu com ‘direito’. E com AJ, como uma boa mamma italiana, sempre o mima e trata como bebê.
Se Carmela tem conhecimento do lado assassino de Tony, é incerto, mas lida com sua “profissão” como se fosse apenas um “vigarista”, nada diferente dos homens que fazem parte de seu círculo. No entanto, tem ressentimento profundo da infidelidade do marido. Acompanhamos como sua frustração vai crescendo e alguns relacionamentos ‘quase’ acontecem, como com o padre Phil Intintola, com o pintor e decorador Vic Musto, e com Furio Giunta, um amigo de Tony. Mas sua repressão sexual é clara em cada relacionamento. Depois de uma tentativa rápida de separação, que a levou de volta para o casamento infeliz, vibramos quando finalmente Carmela dá um basta no final da temporada 4.

Ela começa a namorar o orientador de A.J., Robert Wegler e até dá início no processo de divórcio, mas os problemas do filho, além de desafios financeiros , contribuem para o rompimento com Wegler, e uma reconciliação com Tony (isso já na temporada 5). Quando Tony passa a temporada toda em coma (sim, que tal? uma temporada inteira com seu protagonista entre a vida e a morte!), Carmela não sai do seu lado e quando ele supera, o vínculo entre eles é mais forte.
O problema, em tempos atuais, é entender como Carmela não se revolta com a cultura machista ao seu redor, por mais que ela tenha dado seus passos para autonomia no final da história. Tragicamente, ela está com Tony na cena final, na qual ele é assassinado e ficamos sem saber qual seria seu futuro. Viúva, estará livre. Será que poderíamos celebrar? Tá vendo como Família Soprano nos deixa em arapucas? Torcer e celebrar morte de personagens!

Enfim, de todas as mulheres Soprano – e há muitas a citar – Carmela mantém a posição de mais relevante. E Edie Falco certamente colocou o patamar mais alto para outras atrizes. Mais um presente que hoje completa 25 anos.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
