As histórias de amor que Hollywood vende errado

O anúncio de que a biopic que Martin Scorcese quer fazer sobre Frank Sinatra, obviamente citando seu casamento com Ava Gardner, ter sido bloqueada pela família do cantor não deveria causar tanto espanto. O casamento dos dois foi breve, mal completou seis anos, mas não há como o público afastar a ideia de que foram “o amor da vida de um e do outro”. Sim eu mesma comprei essa ideia romântica, mas deveríamos ter cuidado com as histórias de amor que Hollywood nos vende errado.

A lista de casais que os fãs “chipam”, indiferentemente se a relação deles foi tóxica ou traumática ou simplesmente, passageira, é longa. A culpa, às vezes, vem dos próprios artistas, mas muitas vezes é apenas a imaginação coletiva. Os romances foram arrebatadores? Sim, claro! Mas, em muitos casos, uma das partes seguiu em frente, criou outra família e ainda estamos falando de uma passagem na biografia deles. Por que fazemos isso?

Sexteto de Ouro do “amor errado”

Frank Sinatra e Ava Gardner, Lawrence Olivier e Vivien Leigh, e Richard Burton e Liz Taylor formam o sexteto de ouro dessa versão de romance hollywoodiano, cuja realidade é bem distinta. Ou seja, podemos ir antes, mas considerando que Viv e Larry (como eram chamados por amigos e fãs tomaram a mesma intimidade), eram nos anos 1930s, temos aí nos três casais mais de 85 anos de construção de um ideal romântico ultrapassado.

Vejamos o que as três histórias têm em comum:

1- São lindos, talentosos, famosos e se apaixonaram mesmo estando casados com outras pessoas, deixando tudo e encarando a crítica moralista da época deles para viver esse grande amor.

2- Com exceção de Sinatra e Ava, porque ele estava em baixa e ninguém apostava nele como ator, os casais viraram uma marca nas telas e nos palcos, fazendo filmes e peças teatrais juntos

3- Os três casamentos terminaram em divórcio e as vidas deles seguiram sem os parceiros formando famílias com outros

4- A história de amor deles ainda inspira livros, documentários e filmes

Não tiro um segundo sequer da paixão que sentiram mutuamente. Li todas as biografias sobre cada um deles, não há uma página que não ressalte a intensidade, o romance e a felicidade que tiveram juntos, mas igualmente há lágrimas, abusos, traições e separação. Então por que escolhemos, como diz a canção, só lembrar dos bons momentos?

A realidade e a imagem que vendem: distorção romântica

Vivien Leigh e Laurence Olivier ficaram juntos 20 anos, formando o casal de ouro do Reino Unido em anos difíceis de guerra, portanto há um elemento fantasioso e de escapismo nessa imagem dos dois juntos. Eles era imbatíveis em peças de Shakespeare e autores teatrais de prestígio, ela era a Scarlett O’Hara e Blanche Dubois do cinema, como não idealizá-los?

Na verdade, pelo menos uns 10 anos da relação (alguns argumentam que mais do que isso), o casamento enfrentou os problemas de saúde mental de Vivien, que sofria de bipolaridade quando a doença ainda não tinha sido devidamente identificada e o tratamento eram choques elétricos. O casal teve romances com outras pessoas, houve agressão física mútua (bom ele alega ter sofrido ataques, mas apenas Vivien apareceu em público com ferimentos).

Nos dois últimos anos, estavam juntos por fachada. Larry a deixou pela atriz Joan Plowright, quase 30 anos mais nova e com quem ficou casado até sua morte, três décadas depois. Tiveram filhos e foram felizes, mas Joan vive até hoje sob a sombra da ex-mulher dele, citada como o amor da vida de Olivier. Vocês acham isso justo ou até mesmo certo?

A culpa não está apenas em nós, fãs. Ele mesmo, em sua autobiografia, dedica mais da metade do livro falando do casamento e de Vivien, “protegendo” a intimidade de seu casamento com Joan evitando muitos detalhes. Porém ele diz com todas as letras que, embora tenha amado Vivien, foi com Joan que encontrou a plenitude. Mas esse amor não parece despertar interesse geral.

Algo semelhante foi vivido por Elizabeth Taylor e Richard Burton, nos anos 1960s. Quando um casal se apaixona interpretando Marco Antônio e Cleópatra é impossível que o público não projete a lenda desse amor histórico (também vendido com muita força no idealismo romântico), concordam? E foi avassalador.

Liz e Dickie – sim, assim como Viv e Larry os fãs têm intimidade – se apaixonaram e se divorciaram praticamente na frente das câmeras. Viajaram o mundo, bebiam até cair juntos, compravam jóias raras e caras, estrelavam filmes e peças na Broadway, eram “Os Burtons” e todos excessos eram esperados deles. Se casaram não apenas uma, mas duas vezes.

Mesmo quando separados e casados com outros, se mantiveram amigos e apaixonados, segundo Liz sempre falou. Para mim, representam os perigos de co-dependência, de um amor tóxico que deveríamos usar como alerta, não inspiração. No entanto há peças e livros sobre eles, assim como vários projetos de filmes e séries a mais do que já foram feitos. Eles nos viciaram numa história que claro que é fascinante. Uma história de amor, como chamamos, “típica de Hollywood”.

O mesmo se aplica para o casamento de Frank Sinatra e Ava Gardner, que está no coração da polêmica do filme de Martin Scorcese. O diretor elegeu uma dupla de peso para interpretá-los: Jennifer Lawrence e Leonardo DiCaprio, que obviamente farão (eventualmente) um ótimo trabalho. Mas, a família Sinatra não está feliz com a história.

Ninguém pode julgar Nancy Sinatra de ficar um tanto desconfiada de que o papel da mulher que foi a gota final para o casamento do pai e da mãe dela seja destinado a uma das mais adoradas, simpáticas e talentosas atrizes do momento. Obviamente ela trará simpatizantes para essa grande história de amor.

Normalmente, as pessoas diriam Nancy está assim porque Ava Gardner “destruiu” a vida de Nancy Barbato, sua mãe, mas, até ela entrar na vida do cantor ele já tinha andado com todas as atrizes famosas de Hollywood. Abertamente. A diferença é quando encontrou Ava, se apaixonou e quis casar com ela, desafiando a Igreja para pedir o divórcio e ficar com a amante. Sim, Frank Sinatra, uma homem típico de seu tempo, era o modelo para todos os homens: mulherengo, mandão, bonito e adorado.

Sinatra nunca escreveu uma biografia ou deu entrevistas sobre sua vida pessoal, o que nunca impediu que outros fizessem isso por ele. Ava, mais velha, escreveu um livro que recomendo a leitura diante de total sinceridade e humor com que olhava para si e para os outros. Ela mesma diz que “na cama, nunca havia brigas”. Fora dela, os dois gostavam de beber e se provocar em grandes discussões, cujas reconciliações eram tão memoráveis como as salas que quebravam e os xingamentos que trocavam. Falar de um amor tão doentio (ele ameaçou tirar a vida por ela mais de uma vez) como se fosse romântico é uma inversão total de valores morais e de saúde mental, me desculpem.

O casamento “acabou”, segundo ela, depois que ela deliberadamente o traiu. O fato de que Frank nunca compôs uma música, mas fez uma canção para ela – I’m a Fool To Want You – dá a essa paixão uma trilha sonora imbatível, um golpe baixo com nossos corações. Mas não se enganem: mais uma vez é Hollywood nos vendendo o amor errado.

Não aprendemos a nossa lição, ainda queremos mais

Seria fácil dizer que cair nessa armadilha é uma questão de geração, mas nem mesmo os millenials parecem ter aprendido. Toda mítica atrás do relacionamento entre Stevie Nicks e Lindsey Buckingham, Madonna e Sean Penn ou até mesmo quem ainda curta pensar em Johnny Depp com Kate Moss, ou, ainda pior, Brad Pitt e Jenniffer Aniston comprova que ainda idealizamos um amor atormentado e doentio. Amor não deveria ser sofrimento!

Na conta geral desses quatro casais (há mais, peguei os mais obvios), nenhum ficou junto muito mais do que 5 ou seis anos, o que sugere que eram relacionamentos marcantes, porém passageiros. Depp e Moss são sempre citados como “a cara dos anos 1990s”, mas mesmo que ela tenha deixado oficial que o fim não foi por conta de violência doméstica, muitos quartos de hotéis destruídos não deixam de sinalizar personalidades instáveis.

A amizade dois é fofa, sem dúvida, mas foi com Vanessa Paradis que ele viveu mais tempo e teve seus filhos. Essa história de amor não parece encantar tanto os fãs que se encantaram de ver o reencontro do ex-casal no julgamento dele contra sua ex-mulher, Amber Heard. E nem considero eles o pior exemplo.

Madonna e Sean Penn, quando casados, eram os “tóxicos Penns”, brigando entre si e com os paparazzi com a mesma frequência e violência. O amor dos dois durou o tempo de lançamento de um álbum, True Blue, mas quando a cantora começou a turnê mundial e ele foi preso, o divórcio veio rápido.

Ele se casou com Robin Wright, teve dois filhos, ganhou Oscar, separou, namorou várias atrizes famosas, se casou, se separou e ainda os fãs vibram quando ele e Madonna se encontram para bater papo (sim ficaram amigos) e ele está na platéia quando ela canta True Blue (escrita para ele), em versão acústica. E por isso temos que esquecer que (segundo consta) ele a deixou amarrada com cabeça dentro do forno da cozinha, ou, como o irmão dela descreve em seu livro, estava tão violento que ela correu para outro quarto no hotel para se esconder dele? Passado é passado, Madonna perdoou e superou o que viveram, nada disso é problema. O que não deixa de ser estranho é idealizar esse amor dos dois.

Assim como os jornais e redes sociais torcerem por Jennifer Aniston reatando com Brad Pitt depois que ele se separou de Angelina Jolie. Não sei se tudo ou nada do que Angelina alega ter passado nos 14 anos que ficou com ele, nos seis que esteve com Jen ele a traiu abertamente e quando ela ainda estava lidando com o chifre estava rodando o mundo com a nova namorada, posando para revistas com uma família feliz e ter nada menos do que seis filhos com a outra. Não gente, Brad não foi legal com Jen. Em nada. Assim como Madonna, ela prova ser uma mulher incrível de perdoá-lo e ainda ser amigável. Mas, se gostam de Jennifer Aniston torçam por um homem decente e bacana, não um como o Sr. Pitt.

Mas claro que não poderia deixar de mencionar O casal que a série Daisy Jones and The Six apresentou para novas gerações: Stevie Nicks e Lindsay Buckingham. Sim, eles têm uma história minimamente “densa”. Se conheceram ainda adolescentes, se reencontraram adultos, se apaixonaram e fizeram música juntos. Mas quando entraram para a banda que os faria lendários, a Fleetwood Mac, já estavam separados. A relação dos dois é bizarra, dizer que é tóxica seria eufemismo.

E por que compramos e amamos tanto? Pela música. As canções que declaradamente escreveram um para o outro são clássicas do rock – You can Go Your Own Way e Dreams são apenas duas delas – e eu mesma sou fã e devoro esse romance. Mas ele não é saudável, gente. Jamais poderia ser a base do que devemos esperar de uma história de amor. O fato de que Stevie e Lidnsay falam um do outro abertamente e mais, cantam se encarando e chorando com frequência, alimenta essa mítica. Até onde está o marketing e onde acabou a realidade?

E é isso que chamo a atenção. Podemos chipar, podemos imaginar, esperar e até fantasiar, mas em tempos nos quais finalmente a saúde mental tem prioridade, é importante saber escolher “a verdadeira história de amor”. Algumas dão certo, muitas dão errado. Mas nunca, NUNCA, devem incluir falta de respeito, abuso ou manipulação. Revendo as poucas que citei, percebem que Hollywood não mudou? Cuidado!


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