Quem foi a verdadeira Lady de Winter?

Nas páginas escritas por Alexander Dumas, Lady de Winter é uma das personagens mais misteriosas. Não sabemos ao certo seu nome ou intenções, e seguimos fascinados por sua maldade e ambição até seu fim violento (e merecido). Considerando que Dumas gostava de mesclar personagens reais com outros inspirados em pessoas verdadeiras, fica a dúvida: quem foi a verdadeira Lady de Winter? E temos a resposta. Vamos então ver sua trajetória na História.

A Condessa envolvida em tramas políticas

A favorita de todos pesquisadores para preencher a lacuna de quem poderia ter inspirado a antagonista de Os Três Mosqueteiros é uma nobre inglesa, Lucy Hay, a Condessa de Carlisle.

Lady Lucy nasceu em Percy, em 1599, filha de Henry, Conde de Northumberland e Lady Dorothy Devereux, que era ligada à famíla do Conde de Essex. Com apenas 18 anos, Lucy se casou com o viúvo James Hay, primeiro conde de Carlisle, passando a circular na Corte, onde sua beleza inspirou poetas e pintores e sua simpatia conquistou a confiança da Rainha, participando de suas festas e atuando como principal Dama de Companhia.

Extremamente inteligente e sedutora, Lucy acabou se envolvendo em escândalos, manobras perigosas e intrigas políticas durante a Guerra Civil Inglesa. Por exemplo, foi amante simultânea dos dois inimigos – Thomas Wentworth, primeiro conde de Strafford, e de John Pym, seu oponente parlamentar – sendo que todos sabiam. Quando o Conde de Strafford morreu, ela passou a se dedeicar apenas à John Pym, o ajudando em suas ações uma vez que tinha acesso privilegiado aos soberanos. A astúcia de Lucy foi quem providencial, por exemplo, na fuga de seu primo, Robert Devereux, 3º Conde de Essex, uma vez que ela o alertou que o Rei iria prendê-lo, em 1642. A essa altura, a Condessa de Carlisle era agente dupla que interfiria diretamente nas decisões políticas de um momento tumultuado na História britânica, inflamando todos os lados com crescente animosidade política.

Sempre agindo como intermediária, Lady Carlisle ganhou protagonismo em muitas ações perigosas até ser presa na Torre de Londres, onde ainda assim manteve uma correspondência com o rei Charles através de cartas codificadas, mantendo seu silêncio mesmo sob ameaças de tortura. Quando finalmente foi libertada sob fiança, não conseguiu mais recuperar sua antiga influência nos conselhos monarquistas.

Sua morte repentina logo depois de ter sido libertada é extremamente suspeita: teria passado mal após o almoço e em três horas estava sem vida. Apenas nesse resumo rápido dá para perceber como foi uma mulher diferente das outras.

As lendas alimentadas nos livros

O nome da Condessa de Carlisle circulava entre os nobres e antes de chegar aos ouvidos de Dumas, apareceu nas páginas do livro de François de La Rochefoucauld, que a mencionou em suas Memórias numa passagem na qual ele reproduz o que ouviu de Marie de Rohan, duquesa de Luynes.

Segundo consta, Lucy Hay roubou os brincos de diamante da Rainha da França, Ana da Áustria, que tinham sido dados de presente para George Villiers, primeiro duque de Buckingham. Nessa versão, a motivação da Condessa teria sido ressentimento porque o Duque teria preferido a rainha francesa à ela, assim ela criou um embarasso para a rival. Na verdade sabemos hoje que Buckingham era amante do Rei Charles, não de Ana, mas, nos livros, ele era um mulherengo.


Enfim, como Dumas repetiu em Os Três Mosqueteiros, de uma hora para outra o Rei Louis XIII pediu à esposa que usasse os brincos que ele a tinha presenteado, criando um problema uma vez que ela tinha dado eles para o nobre inglês. Rochefoucauld não explica em detalhes, mas a rainha conseguiu recuperá-los e atender ao pedido do marido. Aqui está a principal dica de que sim, Lucy Hay é a verdadeira Milady de Winter.

Quem mais poderia ter inspirado Dumas?

No entanto, seria improvável que a ardilosa Milady de Winter, com tantos nomes e golpes ao longo das aventuras de Alexandre Dumas, fosse o espelho de apenas uma única mulher. A possibilidade de que DUAS mulheres o tenham inspirado não é descartada, afinal, a Milady conseguia se passar como inglesa e francesa sem levantar suspeitas de nenhum dos lados, algo que apenas a bilíngue Eva Green conseguiu captar no filme de 2024.

Além de Lucy Hay a mais provável possibilidade de ter sido fonte para o escritor é mesmo a mulher que contou para François de La Rochefoucauld sobre os brincos da Rainha, ninguém menos que a própria Marie de Rohan, a duquesa de Luynes.

Marie Aimée de Rohan foi uma cortesã famosa por estar no coração de muitas das intrigas políticas da época. Tem até um codinome: para muitos, ela é simplesmente a Madame de Chevreuse, ou a cabelereira.Filha do Duque de Montbazon, governador de Paris e Île-de-France, e parte do círculo de confiança do Rei Henrique IV, Marie de Rohan cresceu sem sua mãe, que faleceu quando ela tinha apenas 2 anos, e circulava tanto na capital como nas propriedades de sua família na Bretanha e em Anjou.

Na promíscua Corte francesa, Marie de Rohan sempre teve acesso privilegiado aos monarcas, inclusive via seu primeiro casamento, com apenas 17 anos, com o favorito do Rei Louis XIII, Charles d’Albert, seigneur de Luynes. Dali ela tomou gosto das intrigas políticas e notoriamente sem escrúpulos, passou a participar delas.

Na conturbada relação de Louis XIII com Ana da Áustria, Marie de Rohan foi ao mesmo tempo útil ao Rei e à Rainha. Ana não confiava nela porque o Louis dava muita atenção a ela, mas aos poucos a situação mudou e logo poucos influenciavam a Rainha com tanta força como Marie de Rohan.

O favoritismo do casal Luynes ficou ainda mais claro quando ganharam o título de Duque e de Duquesa. Eles tiveram quatro filhos, com o Rei sendo o padrinho de um deles. Quando Marie de Rohan ficou viúva, ela herdou a fortuna de seu marido e se casou com Claude de Lorraine, duque de Chevreuse, com quem teve mais três filhas.

O fato de ser a melhor amiga e confidente da rainha colocou Marie de Rohan em algumas situações delicadas: foi acusada de ter encorajado a rainha grávida em jogos que provocaram um aborto espontâneo e por isso, foi banida da Corte. Foi aí que se envolveu no drama do “Caso Buckingham”.

Como vemos em Os Três Mosqueteiros, o duque inglês era próximo da rainha francesa e foi usado como subterfúgio por uma ala da nobreza que queria enfraquecer o Cardeal Richelieu e substituir o fraco Louis XIII por seu irmão, Gaston D’Orléans. Na conspiração que envolveu o roubo dos brincos, que provaria um caso da rainha com Buckingham. Descobertos, uns foram executados mas a duquesa Chevreuse fugiu, usando da influência de um de seus amantes para retornar à França mais tarde.

De uma maneira ou de outra, a Marie de Rohan esteve no centro de todas as intrigas que envolviam potências estrangeiras contra a França, trocando informações privilegiadas, planejando assassinatos e conspirações políticas. Várias vezes foi exilada ou fugiu, mas sempre voltava. Com a morte de Richelieu ela pôde mais uma vez voltar à França, mas seguiu em sua atividade favorita: armar golpes. Se aproximou do Cardeal Mazarin, mas depois se opôs a ele, nunca estava quieta. Até sua morte, em 1679, com quase 80 anos, ainda era uma mulher perigosa.

Citada em Os Três Mosqueteiros

Enquanto a nobre inglesa não era tão conhecida para o público francês, o mesmo Alexandre Dumas não poderia esperar sobre Marie de Rohan, por isso há uma confusão de que ela não seria a Milady de Winter porque no livro Os Três Mosqueteiros ela participa da história, como uma das amantes do mosqueteiro Aramis. Ela volta a aparecer na continuação, o livro Vinte Anos Depois, no qual Raoul, o herói do terceiro romance da trilogia de Dumas, é o filho secreto dela com o mosqueteiro Athos. Ou seja, comprova a minha tese.

Com tantas biografias, quadros e óperas compostos sobre Marie de Rohan, é impossível descartá-la como uma das fontes para Milady.

Na sua opinião, qual das duas mulheres teria mais chance?


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