A hora de conhecer Nicole Brown Simpson

Em 2024 completam inacreditáveis 30 anos de um feminicídio dos mais violentos e escandalosos: o de Nicole Brown Simpson. A mulher de apenas 35 anos foi assassinada brutalmente pelo ex-marido O.J. Simpson, praticamente decapitada, depois de anos de abuso físico e psicológico. Porém, se perguntar a qualquer um, ainda sabemos pouco sobre ela. Sua imagem mais “popular” é a ensaguentada nos degraus da sua casa em Los Angeles, onde foi atacada, morta e encontrada por um vizinho. Com o documentário The Life & Murder of Nicole Brown Simpson, a família dela pretende, finalmente, mudar a narrativa.

Uma triste história universal

Tem sido comum – para mim – reagir aos tantos docs de true crime porque em geral eles são sobre os assassinos. As vítimas? Mencionadas brevemente, frequentemente em destaque apenas para revelar a brutalidade do crime, e sua personalidade ou vida são citados também para contextualizar o acaso infeliz que os colocou na reta de um crime. Quando revi o excelente documentário da Star Plus sobre OJ, terminei perguntando: “Mas e a Nicole?” porque ela foi virtualmente calada e mencionada apenas para dimensionar a obsessão do ex-jogador, que faleceu de câncer em 2024. Esse documentário é assustadoramente o 1º a falar DELA.

Tudo isso me sugere a universalidade e atemporalidade assustadoras do feminicídio. No documentário sobre o criminoso, ouvimos os telefonemas desesperados da vítimas em vários ataques prévios ao assassinato, sabemos e vemos as fotos das surras que levou nos ataques de ciúmes dele, mas Nicole é um fato a mais na história DELE, quase que uma vírgula. A mulher não tem o respeito ou protagonismo nem quando ela perde a vida.

Nicole Brown Simpson não foi exceção de um hábito que há 30 anos se revelou crucial e que ainda hoje existe: culpar a vítima. A loira californiana de 18 anos é sempre apresentada como a “garçonete que OJ se apaixonou”, em outras palavras, uma loira que se casou com ele por fama e fortuna. Como se mesmo que isso fosse perto da verdade não importaria. Ela apanhou inúmeras vezes, foi humilhada pelo marido outras tantas e quando tentou dar um basta, foi brutalmente assassinada. Não há nada no mundo que justifique culpá-la.

Se perguntarem “por que não se separou?” é só ver as fotos do seu corpo para entender o pesadelo que viveu. Nicole Brown Simpson foi a vítima, não podemos inverter os fatos como a defesa de OJ Simpson fez no “julgamento do século”.

Nas séries e filmes de TV, mais negatividade

A história de Nicole foi tão cruelmente esmagada pela defesa jurídica de OJ que houve um filme de TV no qual a colocam sexy, sedutora e envolvida com um serial killer que seria o verdadeiro autor dos assassinatos, não o ex-jogador. Um crime que apenas Hollywood em sua insensibilidade poderia produzir.

Porém, nem na excelente American Crime Story da Star Plus rende mais do que poucos segundos para falar de Nicole. A série mostra os bastidores do julgamento, um que foi relevante por vários aspectos, menos respeitar as vítimas.

É delicado olhar para a oportunidade criada pela defesa de OJ Simpson para inverter o racismo brutal que os negros ainda vivem nos Estados Unidos. Antes da morte de Nicole e Ron Goldman, a mesma equipe policial protagonizou crimes horríveis e saiu sem punição. Nicole e Ron, brancos, foram símbolos da inversão da dor, duplicando de alguma forma como injustiça é intolerável. É um aspecto hediondo do que faz desse julgamento ser devidamente conhecido como “o do século”. O que estava em pauta não eram indivíduos, mas o sistema.

Por isso, mais do que nunca, está na hora de descobrir quem foi Nicole Brown Simpson e como, independente de sua cor, ela representa tantas mulheres que ainda sofrem o mesmo abuso e destino. Estava na hora.

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