A despedida dos palcos de Cyndi Lauper

Desde adolescente sou fã de Cyndi Lauper. Sua voz diferente, seu visual eternamente inesperado, seu alcance vocal inconfundível e suas canções pop marcantes como Time After Time já fazem dela uma lenda do pop. Tive o privilégio de vê-la ao vivo mais de uma vez, todas inesquecíveis. Ia pular a chance no Rock In Rio, mas, o anúncio de sua aposentadoria dos palcos me faz reconsiderar dispensar esse “último” encontro. Aos 70 anos, Cyndi não perdeu a voz, não perdeu energia e segue sendo do tipo ‘sincerona’. Apenas já sabe que não precisa provar mais nada de seu talento e que já é hora de tirar o pé do acelerador.

A notícia pegou o mundo meio que de surpresa pois é muito raro um músico “parar”. Mas Cyndi sempre foi como anunciou em seu 1º álbum: incomum. Ao avisar que a turnê, Girls Just Wanna Have Fun Farewell Tour será sua última detonou uma onda de nostalgia entre seus fãs. Acompanhado pelo documentário Let the Canary Sing, sobre sua vida e carreira, na Paramount +, é uma chance imperdível de curti-la.

Há mais de dez anos sem uma grande turnê, a cantora-compositora-ativista quer parar no auge. Segundo conversou com o New York Times, em alguns anos poderia não mais ter a mesma entrega que a fez lendária. Afinal, antes de virar uma estrela, a cantora danificou as cordas vocais e parou de cantar por um ano, com os médicos afirmando que ela nunca mais cantaria. Isso foi em 1977, mas ela não apenas recuperou a voz (com a ajuda da treinadora vocal Katie Agresta), como explodiu como uma das cantoras mais rentáveis e representativas dos anos 1980s, com seu álbum solo de 1983 – She’s so Unusual – ganhando prêmios e vendendo milhões.

Esse tipo de transparência sempre reforçou a autenticidade de Cyndi Lauper. Se no palco era quase histriônica, na vida pessoal sempre primou pela discrição e poucos e duradouros relacionamentos. Sua biografia, de 2012, ela insiste em reconhecer que lamenta que os fãs confundam sua música com sua pessoa, nos alertando que nem sempre é simpática. O próprio alerta sugere o oposto, mas ela efetivamente sempre avisou. Eu amo ela ainda mais por isso.

Se ela demorou tantos anos para assinar um livro, precisou de ainda mais tempo para aceitar a história de sua vida em filme. Segundo ela, documentários feitos em vida são estranhos e ela não se sentia particularmente incompreendida: sempre comunicou exatamente o que queria dizer. Porém, topou o desafio.

Mesmo se você não viveu em Nova York vai identificar que Cyndi tem um sotaque forte e ele é do Queens, outra característica que ela abraçou sem problemas. Em casa passou por problemas com a separação dos pais, abusos de padrastos e a perseguição que sua irmã, Ellen, sofreu por ser gay. Saiu de casa aos 17 e sobreviveu como pintora, vendedora de sapatos, garçonete, e cantora em uma banda cover. Ela só veio a ter sucesso aos 32 anos, sua capacidade de não se abater é uma inspiração.

O mundo meio que parou quando ouviu a primeira vez a voz aguda daquela americana de roupas ciganas e uma cor de cabelo diferente a cada semana cantando Girls Just Wanna Have Fun. Escrita originalmente para um homem cantar sobre as garotas com quem queria se divertir, Cyndi mudou a letra, reivindicou a libertação do local de trabalho, do lar e do patriarcado. E nos divertíamos cantando com ela. Seu ativismo não a fez mais popular, mas criou um elo com seus fãs inquebrável.

A rivalidade com Madonna, que explodiu mais ou menos ao mesmo tempo que ela, colocou Cyndi em várias situações dolorosas (como ter a rival citada como a “bonita” e ela a “talentosa”, um eufemismo para não elogiá-la fisicamente) e nem Madonna gostava de ser menos considerada artisticamente, ou seja, desagradavam a todos. E efetivamente as duas nunca se bicaram ou colaboraram, uma perda inestimável das duas maiores estrelas de uma geração e que tinham tanto em comum.

Ao total. ao longo de 4 décadas, Cyndi Lauper gravou mais 11 álbuns, um musical premiado na Broadway, entre tantos sucessos. É nostálgico pensar que suas apresentações passarão a ser reduzidas, por isso estou considerando minha agenda em 2024. Ao completar 71 anos em 22 de junho de 2024 (em apenas algumas semanas!) ela mais uma vez nos confirma ser dona de si. Como não amá-la?



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