A falta que um Jon Snow faz em House of the Dragon

Em um universo de pessoas vulneráveis ao efeito do Poder de Game of Thrones, a casa Stark se destacou por colocar Honra e Dever antes de tudo, em especial, o indiscutível herói da série, Jon Snow (Kit Harington). A teimosia e inocência do personagem irritava alguns, era idolatrada por outros e mesmo com sua reta final claramente sofrida e reduzida, foi quem teve que fazer o trabalho sujo e matar Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) para salvar todo resto, sendo exilado e marcado pela História como traidor de sua Rainha.

Seja você time-Jon ou não (eu sou), há algo que “falta” em House of the Dragon: não temos um Jon Snow. TODOS parecem ser movidos de alguma forma por orgulho, ambição ou vingança, e é um tanto complicado pensar em um ‘herói’ da história. Cregan Stark (Tom Taylor) fez uma rápida aparição, mas só voltará no final da série. Por hora, estão alterando a Rhaenyra Targaryen (Emma D’Arcy) para preencher esse espaço, será mesmo que ela está apta para o desafio?

Em Game of Thrones, por amor, Ned Stark comprometeu silenciosamente sua honra

Ao longo da saga, os Starks são o sinônimo de integridade em um universo de pessoas falhas. Dentre elas, Ned Stark (Sean Bean) foi além. Ele manteve até sua morte o segredo que poderia destruir seus inimigos Lannisters e restaurar os Targaryens no Poder: ele criou o herdeiro legítimo do Trono de Ferro como seu filho bastardo para protegê-lo dos que queriam todos os Targaryens mortos.

Mas como ele pode ser chamado de íntegro quando ele MENTIU para todos descaradamente? Cada um tem sua resposta. Por amor, ele manteve a promessa que fez à sua irmã de proteger a criança ignorando o que por dever e fidelidade ao novo rei, Robert Baratheon (Mark Addy). E Jon Snow, na verdade, Aegon Targaryen, tampouco foi jamais educado sobre a verdade. Apaixonado pelo “pai” (tio), Jon era mais parecido com Ned do que seus filhos. De novo, mesmo Rhaenyra sendo justa e merecedora do trono, ainda não esbarramos com ninguém com o mesmo dilema ou disposição na história.

Como Game of Thrones nos comprovou, a insistência em seguir um código moral rígido é tanto a força quanto a fraqueza de Ned Stark, assim como sua generosidade. Ao descobrir a verdadeira paternidade dos filhos de Cersei Lannister, o que o coloca em grave perigo, ele ainda dá a ela a oportunidade de fugir para não ser morta por Robert. E quem acaba morto? Pois é.

A morte de Ned Stark é um ponto de virada crucial na série porque subverte as expectativas dos leitores e espectadores, mostrando que a honra não garante a sobrevivência em um mundo tão brutal e politicamente complexo. Sua execução também desencadeia uma série de eventos que levam à Guerra dos Cinco Reis e quase extermínio da Casa Stark.

Identidade e Origem de Jon Snow

Jon Snow é inicialmente apresentado como o filho bastardo de Eddard Stark, o Senhor de Winterfell, criado junto com os filhos legítimos, mas sempre sentindo o peso de sua condição de bastardo. Essa rejeição, além do fato de Ned se recusar a falar o nome de sua mãe, molda grande parte de sua personalidade e decisões. A prova final da integridade inabalável de Jon é que mesmo quando é revelado que ele é na verdade o filho de Lyanna Stark e Rhaegar Targaryen, o que lhe dá um direito legítimo ao Trono de Ferro, ele não age a respeito.

Nem com mais de uma vez o Poder e Títulos serem oferecidos a ele, a bússola moral forte de Jon permaneceu firme em meio ao caos. Para bem e para o mal, ela o guiou em muitas de suas decisões, mesmo quando elas são impopulares ou perigosas.

Por ser considerado menor, Jon foi crescendo em coragem e liderança por mérito próprio, lutando por rebeldes e pobres com ainda maior afinco do que os Nobres, não por despeito, mas por compaixão.

Aqui há a diferença que não ficou clara em House of the Dragon: quando exposta pela primeira vez aos súditos, uma jovem Rhaenyra comentou que não importava o que queriam, teriam que obedecê-la e adorá-la quando fosse Rainha. Daemon (Matt Smith) a alerta que não é tão fácil assim. Na passagem do tempo, de alguma forma, parece que Rhaenyra mudou radicalmente e hoje é toda preocupada com a estabilidade do Reino ainda mais do que a agilidade que a violência contra os Verdes garantiria sua ascensão ao Trono, que é a frustração de Daemon. Jon Snow pensaria assim. Daenerys dizia que pensava assim (até decidir queimar King’s Landing). Rhaenyra será mais Daenerys ou Jon Snow?

A sombra da polêmica do final de Game of Thrones

Na conclusão da série de TV, tanto Daenerys como Jon, até então paralelo de pessoas descentes e empáticas, derrapam nas armadilhas do Trono. Ela, por estar isolada, sem reconhecimento esperado de sua grandeza e herança como Targaryen.

Depois de perdas irreparáveis e se sentir ameaçada a perder sua luta para as regras do patriarcado, ela destroi King’s Landing, matando culpados e inocentes sob a mesma fúria de fogo. Mais ainda, promete “liberar” Westeros de seus Senhores, uma metáfora de submissão e conquista. Vou novamente explicar que esssa transição foi construída ao longo da série, ainda mais claramente nas temporadas finais, mesmo que há quem questione. Para esses é que eu volto a questionar a mudança de Rhaenyra jovem e da adulta. Foi em menos tempo e muito mais radical. Dito isso, não restou outra alternativa para Jon Snow: ele também teria que escolher um lado.

O dilema de lealdade entre sua família e sua tia e amante não foi fácil, mas Jon acaba matando Daenerys para impedir que ela se torne uma tirana, um ato que reflete sua disposição de sacrificar suas próprias emoções e desejos pelo bem maior. Algo que já tinha feito antes mais de uma vez. Não temos em Westeros de House of the Dragon ninguém com o mesmo desafio. E faz falta!

Como resultado da rejeição popular e acalorada da conclusão de Game of Thrones algumas armadilhas estejam sendo criadas apesar o esforço dos roteiristas. Um exemplo é a já citada mudança da personalidade de Rhaenyra que até o momento é a única que tem provado ser merecedora do título por tentar restringir sua ira de ter tido sua posição usurpada descaradamente.

Claro que Fogo&Sangue é um conjunto de relatos de narradores que não testemunharam o conflito e que por conta do machismo descreveram a Rainha dos Pretos como uma mulher fraca, insegura, vingativa e quase irresponsável. Acima de tudo, uma mulher orgulhosa que não abriu mão do Trono. Era esperado que tivéssemos uma versão mais equilibrada de sua personalidade e ações mas se formos honestos, a Rhaenyra que vemos na tela jamais poderia ter inspirado as descrições que entraram para a História. Ela não lamentava – justificadamente – a derrota dos Verdes ou tentava poupá-los. É a tentativa de fazê-la parecida com Daenerys e Jon que tem atrapalhado.

Colocar apenas nos ombros de Rhaenyra a preocupação genuína do bem estar geral antes do próprio demanda que todo conflito seja sempre fruto de mal entendidos. A ver se muda algo ao longo da temporada. Se ela fosse como Jon, abriria mão da Coroa sem pestanejar. O que me faz sentir ainda mais a falta do grande herói da saga. Será que Cregan Stark pode mudar o jogo?

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