Faye Dunaway: A Diva e seus Desafios Documentados

A imagem mais marcante de Faye Dunaway para novas gerações, infelizmente, estará sempre ligada ao maior vexame do Oscar. Pois é, foi a voz dela, depois que Warren Beaty entregou a ela o envelope do vencedor, que anunciou La La Land como o vencedor do Oscar em 2017, quando na verdade era outro filme. Na época, muitos diziam que a confusão também seu deu não por conta do erro do auditor, mas porque Warren e Faye se detestam tanto que não se falam, por isso ele queria mostrar o erro e ela entendeu que era para anunciar o vencedor. Lendas de Hollywood nascem assim, mas, por conta da lendária fama de difícil de Fay, muita gente levou em consideração.

Dito isso, antes de falar do “documentário” Faye, que chegou à MAX agora em julho de 2024, preciso fazer um adendo, quase como disclaimer. Quem lê MiscelAnas sabe o quanto critico à onda de “documentários” que vem ocupando as plataformas, muitos deles beirando o perigo de serem puramente propaganda formatada como jornalismo. A Netflix é a campeã deles, com um acervo de séries e títulos que têm a mão pesada do biografado na condução do roteiro, sem a menor preocupação com a verdade factual, apenas citando a verdade sentimental. É fácil identificar quando começam com “minha verdade” ou a “minha voz”. Diria que hoje, é como se documentários se dividissem entre os verdadeiros e mais raros, que são os que mostram todos os lados de um mesma questão, e os gaslightings documentados, ou os Gaslitdocs, que são obras manipuladoras e até maliciosas de, como disse antes, pura propaganda. Esses, infelizmente, estão a cada dia em maior volume.

Nesse cenário, o “documentário” Faye, é outro exemplo e demanda maturidade e cultura para ser apreciado. O filme, que teve destaque em Cannes em 2024, é uma oportunidade, ou seria, para efetivamente conhecer quem é (verdadeiramente), Faye Dunaway, uma das melhores atrizes americanas das décadas de 70 e 80, cuja fama unânime de difícil a fez ser igualmente lendária nos bastidores (pelas razões erradas).

Vamos contextualizar: em tempos em que assédio moral era aplicado sem vergonha em ambientes de trabalho, Faye Dunaway era famosa por ser uma pessoa tóxica e agressiva com todos nos sets de filmagem ou fora, ganhando fama de insuportável. Sem surpresa, mesmo talentosa, foi perdendo papéis até acabar em quase ostracismo. E Faye veio com a intensão de mudar essa perspectiva.

Com essa abertura positiva seria fácil imaginar que eu não sou fã da atriz, mas é ao contrário. Como sou da década de 1970s, cresci no auge de todo estrelado de Faye Dunaway e ela é mais do que Bonnie Parker ou Joan Crawford, para mim, é a minha Milady de Winter favorita! Intensa, elegante e sempre surpreendente, era a maior, até que não.

Quando fui sabendo de sua personalidade complexa nos bastidores, inicialmente fui cética quanto aos relatos, mas depois tive que acreditar neles e aceitá-los. Fama de difícil em geral era um termo misógino aplicado à “mulheres de personalidade forte”, inteligentes e corajosas, mas nesse caso não, era mesmo um aparente problema de paciência curta e muita vaidade. Estava louca para que Faye fosse validar ao contrário.

Se você é muito nova e nunca ouviu falar em Faye Dunaway, o filme faz um resumo rápido e vou pegar carona na versão mais curta: uma moça nascida de uma família pobre no sul dos Estados Unidos e que sempre sonhou em ser atriz. Filha de um pai alcóolatra que por ser do exército viajou o mudo e o país sempre com a família à reboque, Dorothy Faye se destacou por sua beleza inegável e assim que pôde, foi estudar Teatro em Nova York, entrando para o grupo de protegidos de Elia Kazan e brilhar na Broadway antes de ser levada para Hollywood.

Estrelou sucessos, ficou famosa rapidamente, virou ícone fashion e ganhou o Oscar pelo espetacular Rede de Intrigas (Network), em 1977. Mas até a complexa Bette Davis reclamava abertamente de seu comportamento como pessoa: irritada, grosseira e seca com as pessoas. Apenas outras estrelas também problemáticas, como Sharon Stone, a defendem abertamente. Em outras palavras, a fama veio da verdade. E ela não nega, nem Faye tenta esconder. Na verdade é para endereçar essa questão que foi feito o documentário, um caso de um pouco tarde demais, ela mesma reconhece.

Ou seja, Faye transita sobre a filmografia da atriz, mas se concentrando em poucos títulos: Uma Rajada de Balas (Bonnie and Clyde), claro, assim como Os Olhos de Laura Mars, Chinatown, Rede de Intrigas (Network), Barfly e Crown, o Magnífico (The Thomas Crown Affair), obviamente. Faye fez muito mais do que isso, mas ok, esses são mesmos os filmes pelos quais ela será lembrada. E sim, há um espaço especial para “justificar” o massacrado Mamãezinha Querida.

O diretor Laurent Bouzereau deixa bem claro que há mesmo uma Faye Dunaway irascível, no primeiro minuto já a mostra mal humorada antes de começar a gravar, mas depois disso é só doçura. Isso porque Faye Dunaway sempre foi excessivamente franca, nada disso é novidade, a diferença é que agora ela tem um diagnóstico de transtorno bipolar, que, como ela mesma diz não apaga o passado mas que a faz perceber que não teria controle sobre sua personalidade sem os devidos cuidados, portanto é preciso contar novamente sua história e do seu jeito para que a julguemos com outros olhos. Ou não.

Eu amo Faye Dunaway, preciso repetir, mas Faye não é nem um documentário ou uma entrevista, é um diário 90% na primeira pessoa onde tudo é recontado com sua visão: a de uma mulher perfeccionista, intensa, dedicada e ambiciosa. Hoje ciente que a bipolaridade dava ainda maior carga dramática às mudanças de humor, mas que os outros é que não a entenderam 100%. Ou seja, podemos igualmente ver gaslighting.

O que é triste no documentário é a falta de pessoas que testemunhem o lado negativo que é a semente da história, só temos dois ou três defensores, incluindo seu filho, ou um grande silêncio de colegas e amigos. Ensurdecedor, diria.

O diretor já tinha entregado o ótimo Natalie Wood: Aquilo que Persiste (Natalie Wood: What Remains Behind), também na mesma plataforma, e negou que fosse um “projeto de vaidade” de Faye Dunaway. Também argumenta que excluiu muitas das histórias (a com Bette Davis é uma delas) para não perder o foco do roteiro, que é revelar “Dorothy Faye” para o público. Sua intensão é nos mostrar que Hollywood foi injusta com a atriz. Aí ele não acerta no marco.

No final das contas temos uma hora e meia de Faye Dunaway sendo Faye Dunaway, uma diva em todo sentido da palavra, controlando sua imagem e fazendo uma carta de meia desculpa por ser quem é. Por não se arrepender de nada (e por que se arrependeria? Era brilhante!), é impossível escapar de uma sensação de vazio, ou até de superficial que o “documentário” (não posso excluir as aspas) nos entrega. Ela aborda pontos importantes de suas batalhas profissionais, mas se as pessoais interferiam, não temos como saber. Ela não liga os pontos.

Por isso Faye é um tanto agridoce. Suas grandes atuações não são exploradas, e nem mesmo sua fragilidade. O efeito é oposto: aos 83 anos, se torna ainda mais misteriosa. E sem remorsos. “Não pretendo dar uma desculpa sobre isso”, diz ela em Faye. “Ainda sou responsável pelas minhas ações.” Ninguém duvida!


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2 comentários Adicione o seu

  1. Avatar de CéliaVi CéliaVi disse:

    Existe uma questão que foi difícil para Faye Dunaway: houve um momento nos anos 70 início dos 80 que ela passou a cheirar muita cocaína (que de resto, dominava todos os ambientes do show business nesta época). Isto piorou tudo para além da bipolaridade. Estou assistindo ao documentário, mas não terminei. Pelo andar da coisa, eles não vão abordar isto. E nem precisavam. Faye é uma das grandes atrizes da história do cinema, mas, como Sharon Stone, é uma mulher culta, inteligente e articulada. O mundo é misógino demais para suportar beleza, talento, inteligência e cultura em mulheres. Faye e Sharon pagam o preço. O doc podia ser melhor. Mas é beeem superior ao doc sobre a Donna Summer, que é tão ruim que constrange.

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    1. Verdade, ela cita o problema da bebida e passa batido pelas drogas!

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