65 Anos de A Bela Adormecida: de fracasso a clássico da Disney

Quando criança, uma das animações que mais me marcaram das Princesas da Disney foi A Bela Adormecida. Aurora, ao lado de Cinderella e Branca De Neve formava a trinca das princesas e como os filmes eram antigos e feitos para o Cinema, raramente passavam completos na TV, criando uma mítica ainda maior para o conto de fadas. Para aumentar a fantasia, tinha a música de Tchaikovsky. Sendo assim, jamais poderia deixar 2024 chegar ao fim sem falar dos 65 anos de um clássico.

Se eu te dissesse que há 65 anos esse favorito das crianças foi considerado fracasso e problemático, apostos que não acreditaria. Mas foi.

A Bela Adormecida chegou aos cinemas quase 10 anos depois de Cinderella, levou tantos anos para ficar pronto e rendeu menos do que esperado, criando um hiato de décadas até que a Disney voltasse a apostar em princesas. Pois é, entre Aurora e Ariel, da Pequena Sereia, os estúdios ficaram nada menos do que 30 anos longe delas, quase que uma metáfora para a história de Charles Perrault.

O musical animado era um dos grandes sonhos de Walt Disney, que queria fazer esse filme desde 1938, emendando Branca de Neve e os Sete Anões porque era apaixonado pela partitura do balé e sabia que as melodias de Tchaikovsky seriam perfeitas para o conto de fadas. O compositor George Bruns foi escalado para adaptar a sinfonia em canções e fez um trabalho incrível. Mas se essa parte foi fácil, o resto, nem tanto.

As dificuldades de alcançar a meta do dono do estúdio empacaram o projeto e outros passaram a frente, incluindo Cinderella, que chegou aos cinemas em 1950. Além de levar quase uma década para ficar pronto, custou cerca de mais de 60 milhões de dólares (em valores atuais), sendo o filme de animação mais caro da Disney na época. Visualmente desafiador, o desenho leva em consideração o visual de tapeçarias pré-renascentistas e a escolha era também porque Walt Disney queria superar os dois longas anteriores.

Em termos de história, assim como o ballet, os roteiristas alteraram a versão mais popular, de 1697, onde Perrault se estende mais na história. Se seguirmos nessa comparação, a diferença está na redução do número de fadas de oito para três, mas eliminando a Fada Lilás (cujo tema melódico é o mais famoso). Temos também uma história maior sobre o príncipe, que agora passou a ser chamado de ‘Felipe’. A antagonista, Malévola, permaneceu inalterada.

A veia cômica do desenho, necessário ainda mais para torná-lo infantil, ficou centrado nos personagens secundários, como os pais de Aurora e Felipe, assim como as fadas, destacando ainda mais a maldade de Malévola (até que fosse revisada nos anos 2000, no filme com Angelina Jolie). Outra mudança significativa e que teve grande impacto é que decidiram que Aurora seria criada como uma camponesa e que só descobriria sua posição nobre quando completasse 16 anos, portanto teria a cena na qual ela passaria pela transformação do vestido que obviamente é icônico.

A mudança foi importante também para a história de amor: invés de colocar um príncipe estranho a despertando com um beijo de amor verdadeiro, Aurora e Felipe iam realmente se apaixonar, desconhecendo suas identidades, por isso, ao salvá-la, o beijo seria consensual e verdadeiro. Os roteiristas não anteciparam os problemas culturais em mais de seis décadas, só quiseram dar mais utilidade ao personagem masculino que em geral tem pouca relevância no conto. Por linhas tortas, deu certo.

A diferença entre as princesas

Os bastidores foram tão tensos que há várias histórias de como Walt Disney rasgava os papéis com as idéias que não gostava. O diretor original sofreu um ataque cardíaco e precisou se substituído. E mesmo assim, mais à frente, houve mais trocas no comando.

A demanda de ser original pesava sobre os animadores. Como Cinderela usou um estilo Rococó, A Bela Adormecida tinha que ser uma combinação de imagens de Arte Medieval e estilo Art Déco, uma sugestão inspirada nas tapeçarias de unicórnios no Cloisters no Metropolitan Museum of Art em Nova York.

Outra inovação do filme foi que A Bela Adormecida foi o primeiro filme de animação a usar o processo widescreen Super Technirama 70 e o segundo filmado em widescreen anamórfico, depois de A Dama e o Vagabundo, lançado quatro anos antes.

Nem tudo precisou ser diferente, no entanto. Para ter as imagens tão perfeitas, a equipe contou com um elenco de atores reais fazendo as cenas, para desenhá-los. As imagens de Mary Costa e da modelo Helene Stanley como Princesa Aurora, Bill Shirley como Príncipe Phillip, Eleanor Audley como Malévola, Verna Felton como a fada Flora, Barbara Luddy como Merryweather e Barbara Jo Allen como Fauna, entre outros, são hilárias para comparar o resultado final.

Embora os atores tenham suas feições eternizadas, Aurora foi parcialmente espelhada em Audrey Hepburn enquanto Felipe, sim, ganhou esse nome e rostos semelhantes ao marido da Rainha Elizabeth II da Inglaterra, o Duque de Edimburgh.

As vozes: mesmo com poucas falas, escolhas detalhistas

Nada escapava a atenção do detalhista Walt Disney. Para a voz de Aurora, que tem 18 falas em TODO filme, levaram três anos até chegar à Mary Costa, que precisou treinar para esconder seu sotaque sulista. Ela foi contratada em 1952 e por sete anos, gravou várias versões do roteiro, sendo que ela e Bill Shirley gravaram duetos até que o dono do estúdio tenha considerado que as vozes “combinavam”.

Sempre damos destaque à incrível e assustadora Malévola de Eleanor Audley, que imortalizou não apenas a bruxa, como já tinha nos daria também a assustadora madrasta de Cinderella. Quando convidada para o projeto, a atriz iniciamente recusou porque por ter tuberculose duvidada que teria fôlego para as gravações, mas voltou atrás quando melhorou. Seu talento é inestimável porque consegue ter uma pedância ameaçadora e até doce, o que é incrível. Seus gestuais foram todos aproveitados no filme.

A música de Tchaikovsky como fio condutor

A decisão de usar a música perfeita do balé para o desenho foi uma das mais acertadas de A Bela Adormecida, mesmo quase tendo sido descartada por ser considerada complexa. Tchaikovsky mesmo considerava esse trabalho como seus melhores, porque “o assunto é tão poético, é tão adequado para música, que ao compô-lo eu estava completamente absorvido, e escrevi com um fervor e paixão que sempre resultam em trabalho de mérito”, escreveu.

A trilha sonora de Jack Lawrence e Sammy Fain chegou a ser gravada, com sete canções originais, mas rapidamente a equipe mudou de idéia e voltou ao balé porque o estilo Broadway da dupla não combinava com o visual medieval do filme.

A valsa do 1º ato virou o tema de amor, Once Upon a Dream e o tema de malévola, jamais cantado, ficou perfeito para a vilã. A marcha do 3º ato virou Hail to the Princess Aurora, e cantado pelos súditos reais que iam ao castelo para o batizado, o tema do pássaro azul, também do 3º ato, virou I Wonder, cantado pela princesa. O Tema do Gato de Botas (também do 3º ato) virou a música hipnótica de Malévola para levar Aurora a furar o dedo e o tema da Fada de Prata (preciso dizer que é do 3º ato do balé?), viraria Riddle, Diddle, One, Two, Three, para ser cantada pelas fadas Flora, Fauna e Merryweather enquanto preparam presentes de aniversário para Aurora, mas foi descartada e apenas a melodia permaneceu na versão final.

O desapontamento do público

Enquanto fazia questão de decidir tudo, Walt Disney acompanhou A Bela Adormecida enquanto se dedicava à criação e inauguração de seu parque temático: Disneyland. Isso contribuiu também para o atraso do lançamento.

A idéia original era que chegasse aos cinemas em 1955, mas só conseguiu mesmo estrear em 1959. Walt Disney estava sempre insatisfeito com o que via e pedia que melhorassem. Com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, a produção do filme chegou a ser suspensa, embora o castelo na Disneyland (em Los Angeles) tenha sido nomeado Castelo da Bela Adormecida.

A produção do filme foi retomada em dezembro de 1956, mas ainda assim passou por muitas turbulências até estrear nos cinemas em 29 de janeiro de 1959. Críticos foram mornos, elogiando a música (que era do balé) e direção de arte, reclamando muito do roteiro.

Arrecadando inicialmente apenas 5,3 milhões de dólares na largada, A Bela Adormecida passou a ser oficialmente um fracasso. Apenas décadas depois, quando relançado, passou a ser um dos filmes mais aclamados artisticamente da Disney.

Malévola revisada

Com a passagem do tempo, os temas de A Bela Adormecida, assim como das outras princesas, passou a ser revisado para se ajustar com as mudanças de valores da sociedade, principalmente no que se refere ao feminismo. Por sorte, há elementos da época que aliviam a passividade comum das princesas, mas ainda há elementos que a releitura de live-action de 2014, Malévola, fez tanto. da história como da antagonista.

Colocando a bruxa como protagonista, há 10 anos foi inovador dar à narrativa a perspectiva de Malévola sobre o conto de fadas, com Angelina Jolie no papel título e Elle Fanning como Aurora. O sucesso foi tão grande que teve uma sequência, Malévola: Dona do Mal, em 2019.

Os três filmes são hoje considerados clássicos, sendo que o A Bela Adormecida de 1959 foi selecionado para preservação no Registro Nacional de Filmes da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos como “culturalmente, historicamente ou esteticamente significativa”. Um final feliz para príncipes, bruxos, fadas e princesas.


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