Estava extremamente curiosa para ver Firebrand há anos, desde que a notícia que Alicia Vikander seria a única rainha sobrevivente do psicopata Henrique VIII (Jude Law), Katherine Parr. Fiquei ainda mais ansiosa quando tive a oportunidade de conversar com a autora do livro de 2013, The Queen’s Gambit, que é a base do filme, Elizabeth Fremantle. Mas tivemos que aguardar mais de um ano até que, finalmente, o título entrasse na plataforma Amazon Prime Video, um presente de Natal, talvez?
Há muita polêmica em torno da história da sexta e última esposa de Henrique VIII e a decisão de Karim Ainouz de transformar uma curta passagem de tempo em um thriller medieval era promissora. O resultado? Incerto. Não se pode dizer que é um filme ruim, mas bem confuso, com a unanimidade esperada de um Jude Law estupendo na pele do gordo e nojento rei assassino.

Relembre sua História sobre os Tudors
De tantos Reis complexos na história britânica, certamente o período dos Tudors é o mais coberto, seja nos cinemas, na literatura ou na TV. Ainda assim, a Rainha mais retratada é a trágica Ana Bolena, seguida de perto por sua filha Elizabeth I. As demais consortes de Henrique passam mais desapercebidas, mas Katherine Parr, sem dúvida, merecia ter tido maior destaque. Ela não apenas sobreviveu ao Rei, como foi uma madrastra presente na vida de Elizabeth e diretamente envolvida nos maiores traumas da vida da enteada, o que Becoming Elizabeth mostrou com maestria.
A vida completa de Katherine é absolutamente fascinante: sua madrinha foi ninguém menos do que Catarina de Aragão, a primeira esposa de Henrique, e há um karma inquestionável que a jovem que recebeu seu nome como homenagem tenha sido a última mulher na vida dele. Mas Firebrand não entra em nada disso, preferindo ficar nos últimos meses do casamento de Henrique e Katherine e a grande angústia que ela viveu quando ele, aparentemente, estava decidido a matá-la como fez com duas das anteriores.
Portanto, ou você está ultra atualizado com seu conhecimento da história prévia ou vai passar muito tempo sem entender exatamente o que está acontecendo, só experimentando o pânico dos súditos do rei instável, sem entender exatamente os riscos ou ameaças.
Em poucas linhas quanto possível, Katherine Parr teve uma vida notável. Nascida em uma família nobre influente, os Parrs, ela era bem-educada, com grande interesse por línguas e teologia. Foi casada duas vezes antes de Henrique: primeiro com Edward Burgh, um nobre discreto, e depois com John Neville, 3º Barão Latimer, que a deixou viúva em 1543. Durante seu segundo casamento, Katherine viveu turbulências políticas, especialmente durante a Revolta dos Peregrinos da Graça, na qual seu marido foi pressionado a apoiar os rebeldes. Após a morte de Neville, Katherine se tornou uma figura respeitada na corte Tudor, conhecida por sua inteligência, diplomacia e devoção religiosa, características que chamaram a atenção do rei.

Katherine se casou com Henrique VIII em 1543, quando tinha 31 anos, enquanto o rei já estava com 52, sofrendo de problemas de saúde, incluindo uma perna ulcerada. A essa altura, sua fama de ser temperamental e perigoso para suas esposas e assessoras deixavam a vida na Corte uma esgrima emocional e política diária, mas Katherine foi habilidosa em navegar todos os desafios.
Como rainha consorte, foi uma figura maternal para os filhos de Henrique, ajudando a reconciliá-lo com as filhas Mary e Elizabeth, que haviam sido afastadas da linha de sucessão. Ela também exerceu papel de regente enquanto o rei estava em campanha na França em 1544, mostrando liderança e competência administrativa. É aqui que Firebrand começa.
Um Rei assassino e volúvel, a Religião como arma
Embora a cisão da Inglaterra com a Igreja Católica tenha levado a guerra religiosa para o continente, com o protetantismo sendo oficialmente a nova religião, a instabilidade emocional de Henrique VIII só deixava tudo mais cinzento.
Como simpatizante da Reforma Protestante, as ideias religiosas de Katherine Parr atraíram a desconfiança de conservadores na corte, que sabiam que não seria difícil convencer ao rei de eliminá-la. Há muitas liberdades artísticas e históricas que incomoda os puristas, como a amizade com a mártir protestante Anne Askew, todo o complô do colar, a gravidez não registrada na História e, acima de tudo, a conclusão inesperada. Só acerta com unanimidade ao eliminar qualquer pretensão de humanizar ou suavizar a vilania de Henrique Tudor.

Em um filme de época com claramente pouco orçamento, Firebrand é de close ups e cenas sufocantes de ambientes apertados, tudo que nos coloca ainda mais ansiando por oxigênio, assim como as personagens. A fotografia de é divina e a trilha sonora linda, sem esquecer de um figurino fiel aos quadros. Há uma modernidade nos gestos e relacionamentos de Katherine em sua vida doméstica, mas é passável.
Alicia Vikander não nos dá uma atuação distinta de suas anteriores, o que é em parte um problema pois simpatizamos com a Rainha e torcemos por ela, mas nos despedimos dela sem grandes saudades. Já Jude Law, gigantesco literalmente, nos faz ter o estômago embrulhado quando está em cena ou fora, numa torcida por vingança à altura. E sim, como esperado Erin Doherty (a Princesa Anne de The Crown) está espetacular em sua rápida passagem na tela como Anne Askew e Simon Russell Beale (mais recentemente em House of the Dragon), rouba a cena como o antagonista da Rainha, Stephen Gardiner.
O problema é que é muito importante entender o risco que Katherine teria tomado: Gardiner, representando os católicos, é contra qualquer protestante, mas tem influência sobre o Rei. Sendo a sexta de uma lista de mulheres que não tinham voz na Corte patriarcal, a oposição da Rainha frente à Gardiner era algo a ser evitado porque um Henrique VIII paranóico era fácil de se deixar levar pelos ouvidos.
A aversão de todos à um fedorento rei é perfeitamente retratada e as cenas que detalham sua podridão incomodam, mas são importantes. Katherine tenta ajudar Anne e assim se coloca em posição de traidora da Coroa. Mesmo com o Rei cada dia mais próximo da Morte, será que ela consegue sobreviver à ele?
Infelizmente, como mencionei, é uma luta acompanhar a ordem dos fatos na história real, mesmo que a proposta seja reescrevê-la. As conspirações parecem tão secretas que nem para nós são 100% reveladas. Com isso, a surpreendente opção que sugerem para a conclusão da história fica muito acelerada para a transição do futuro do reino. Se você conhece a História (como eu), tem um resultado morno, mas, considerando que a maior parte do público não é tão geek, foi uma oportunidade perdida…
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