John Singer Sargent: o retratista da elegância inquieta na Gilded Age

Estamos a dois meses da estreia da terceira temporada de The Gilded Age e vale mencionar um dos personagens novos, o pintor John Singer Sargent, que será interpretado pelo ator Bobby Steggert. Sargent é um dos nomes que não apenas “inspirados” em figuras reais, mas efetivamente um nome real da época dourada. E claro, sua passagem pela série será para retratar alguém importante

John Singer Sargent foi o retratista mais célebre de sua geração — e talvez o mais completo cronista visual da chamada Gilded Age, período de esplendor, desigualdade e transformação nos Estados Unidos entre o final do século 19 e o início do 20. Nascido em Florença, de pais americanos expatriados, Sargent cresceu entre capitais europeias e foi educado em Paris, na École des Beaux-Arts, onde recebeu uma formação técnica impecável. Mas seu talento extrapolava os limites acadêmicos: desenvolveu uma pincelada solta, vibrante, profundamente sensível à luz e ao movimento, capaz de registrar tanto o luxo dos trajes quanto as emoções fugidias de quem os vestia.

Esse equilíbrio entre rigor formal e liberdade expressiva fez de Sargent o pintor ideal para retratar a elite da Gilded Age — uma classe obcecada por prestígio, tradição europeia e a consagração de sua imagem pública. Através dos retratos, esses novos ricos buscavam a aura de nobreza que seus sobrenomes ainda não carregavam. Ser pintado por Sargent, um artista que transitava nos salões de Paris, Londres e Veneza e tinha amigos como Henry James, era mais do que um símbolo de status: era um rito de passagem para a alta sociedade transatlântica.

Sargent viajou com frequência aos Estados Unidos, especialmente entre 1887 e 1917, realizando retratos sob encomenda para famílias como os Vanderbilts, Astors, Whitneys, Gardners e outros expoentes da elite americana. Seus retratos, sobretudo femininos, são uma aula de observação psicológica. O brilho dos vestidos, o veludo, as joias, os rendados minuciosos, tudo está lá — mas também os olhares evasivos, os sorrisos controlados, os gestos ligeiramente fora de pose. Ele registrava a performance do poder com uma ironia discreta, quase imperceptível, mas inegavelmente presente.

O retrato de Caroline Astor

Um dos retratos mais emblemáticos desse período é o de Caroline Webster Schermerhorn Astor, pintado por Sargent por volta de 1890.

A matriarca indiscutível da sociedade nova-iorquina e a guardiã do seleto grupo dos “Four Hundred”, aparece no retrato envolta em preto, com um ar de solenidade e domínio. A composição é austera, mas impactante: seu corpo ocupa o espaço como uma figura monárquica, com colar de pérolas duplas e punhos bordados, ao lado de um imponente vaso de flores. Há nela algo de sacerdotal — uma espécie de rainha da moral social, tanto venerada quanto temida.

A escolha do preto no vestido pode ser lida como símbolo de luto (pela morte do marido) ou de autoridade sóbria. Mas o olhar da retratada, fixo e firme, transmite uma espécie de desafio silencioso: a certeza do lugar conquistado. Sargent, com maestria, suaviza ligeiramente as feições da socialite sem desumanizá-la, criando uma imagem que mistura reverência e crítica. Ele parece dizer: “Aqui está o poder — mas vejam bem como ele se sustenta.”

Esse retrato ainda hoje é considerado uma das imagens definitivas da Gilded Age e está em exibição no Metropolitan Museum of Art, em Nova York.

Na série, Donna Murphy tem sido uma Sra. Astor magnífica, desafiando a recém-chegada Bertha Russell (Carrie Coon) em tudo. Sua grande derrota na Guerra das Óperas terá consequências para a frágil “amizade” das duas mulheres e claramente Sargent estará no meio de mais uma disputa entre as duas.


Alva Vanderbilt: a ausência significativa

Aqui está um detalhe que pode ficar diferente na série da MAX. Bertha é inspirada na história de Alva Vanderbilt (mais tarde Alva Belmont) — talvez a figura mais audaciosa e teatral da Gilded Age, mas ela não foi retratada por John Singer Sargent. E essa ausência diz muito.

Alva foi casada com William K. Vanderbilt e se destacou por arquitetar a ascensão meteórica dos Vanderbilt ao topo da sociedade nova-iorquina, rompendo barreiras que a velha guarda, liderada por Mrs. Astor, tentava manter firmes. Era uma mulher de visão, determinada, progressista — e mais do que tudo, controladora de sua própria narrativa. Patrocinadora de arquitetos, feminista declarada, estrategista social, Alva preferia manipular sua imagem por meio de eventos grandiosos, residências palacianas e fotografias cuidadosamente coreografadas, em vez de se submeter ao olhar interpretativo de um pintor como Sargent.

É plausível que Alva tenha simplesmente escolhido não ser pintada por ele — ou que, caso tenha havido alguma tentativa, tenha declinado diante do controle que o artista exigia sobre o resultado final. Sargent não era um pintor de vaidades fáceis. Seu pincel via mais do que os olhos desejavam mostrar, e é possível que Alva, sempre atenta à construção de sua imagem, preferisse evitar esse tipo de exposição.

Essa ausência, por si só, é reveladora: enquanto muitas figuras da Gilded Age buscavam em Sargent a validação de seu prestígio, Alva construiu o próprio palco — e foi a atriz principal da sua história. Sua rejeição à estética do retrato pintado ecoa sua rejeição às convenções sociais que limitavam o papel da mulher.

Bertha certamente vai querer ter um Sargent em sua parece, concorda? A ver como será sua negociação. Afinal, John Singer Sargent foi mais do que um pintor da elite — foi seu espelho mais sofisticado, revelando tanto o brilho quanto as rachaduras da Gilded Age. Seus retratos são testamentos visuais de um tempo em que a aparência significava poder, e o retrato, eternidade. Mas figuras como Alva Vanderbilt — que recusaram essa imortalização — nos mostram que, às vezes, o silêncio de um retrato ausente fala ainda mais alto do que o próprio óleo sobre tela.


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