Étoile: A Nova Perspectiva do Ballet na TV

Passada a primeira rejeição de Étoile, cujo diálogos em allegro mesmo quando a cena seria um adagio, volto no Dia Mundial da Dança para celebrar uma série que navega no universo de ballet sem transformar a Arte em terror.

Os acertos

A série aproveita uma série de pessoas e fatos reais para atualizar o ballet, com precisão nas cenas de dança, no vocabulário preciso de passos e demandas, nas personalidades, nas dificuldades e, acima de tudo, nos momentos de mágica.

Jack McMillan (Luke Kirby) e Geneviève Lavigne (Charlotte Gainsbourg) são os diretores das companhias – ele em Nova York e ela em Paris – que além de serem ex-sempre-ficantes enfrentam dilemas comuns para manter o ballet vivo.

Enquanto Jack é de origem rica, culto e bem-relacionado, Geneviève tem origem proletária, é administrativa e não artista, mas extremamente perpiscaz. A princípio estranhei Charlotte Gainsbourg em um papel cômico, mas retiro minhas críticas. Ter uma mulher que é o oposto de uma bailarina liderando a companhia é sensacional porque sem as restrições clássicas, a praticidade de Geneviève é coerente e interessante, um contraponto perfeito para Jack que nasceu em berço esplêndido.

Aliás, é bem curioso: também Cheyenne (Lou De Laâge) não é rica e ao contrário de Geneviève tudo que sabe fazer é dançar – e causar problemas. Seria como se na França a dança fosse mais democrática e nos EUA mais elitista? Está subentendido, mas nunca explorado.

A proposta para trocar seus principais artistas por um ano para reverter o exôdo do público e criar atrativos para novas gerações na verdade esconde o verdadeiro problema de Geneviève: no passado ela dispensou a jovem Mishi Duplessis (Taïs Vinolo), que hoje está brilhando em NYC. O problema é que Mishi é filha da Ministra da Cultura e para amenizar a crise pessoal que tem com o governo, Geneviève investe no plano mirabolante (que funciona) para levar Mishi de volta. Com visão de Arte, ela també leva o coreógrafo (autista) de talento, Tobias Bell (Gideon Glick) para dar nova energia em Paris.

O intercâmbio faz com que Cheyenne Toussant volte para Manhattan, onde acaba criando uma revolução pessoal e profissional. Vou poupar todos dos SPOILERS, mas fica a dica: tudo vira de cabeça pra baixo nos dois últimos episódios, nos deixando curiosos sobre o que poderia vir por aí. A Prime Video ainda não confirmou uma segunda temporada, por isso pode ser que fique uma pergunta no ar…

Participações Especiais e inspirações

Dentre as histórias desenvolvidas, uma das melhores e mais empolgantes é mesmo a de Tobias e do conturbado Gilan (Ivan du Pontavice). Tobias é uma mistura de Nijinsky (cujo fracasso de A Sagração de Primavera, em 1913, lembra a estreia do coreógrafo na mesma Paris de Étoile) e ele representa a genialidade de muitos artistas como o próprio Christopher Wheeldon, que faz uma ponta como ele mesmo.

Gilan é totalmente inspirado no bad boy russo, Sergei Polunin, cujo temperamento briguento era tão conhecido como seus saltos e Cheyenne é uma versão de Sylvie Gillem (super citada para nos confirmar o fato). No mais, é divertido ver estrelas atuais como Tiler Peck fazendo a bailarina que se recupera de um momento de paralisia no palco com um terapeuta colado em seu ouvido; o grande Robbie Fairchild sendo desprezado por Cheyenne; Unity Phelan, Joy Womack e Irina Dvorovenko com aparições pontuais.

Além disso, assim como Momento de Decisão mostrou os bastidores do American Ballet Theatre em 1977 e A Companhia, de Robert Altman, se apoiou no Joffrey Ballet de Chicago, em 2003, Étoile conseguiu gravar nas salas do New York City Ballet e no Opera de Paris, o que tira um pouco da força dos dois mas cria um paralelo também. Pena que mal seja possível respirar, menos ainda apreciar tudo isso ao mesmo tempo.

Os erros

Há grandes desafios para mudar uma abordagem interessante ao Ballet. Ele nasceu para o Drama, cresceu no suspense/terror, mas comédia não era algo que se associasse às sapatilhas de ponta. Mantenho minha rejeição ao ritmo neurótico que impede que qualquer diálogo seja compreendido em uma primeira vez, especialmente para quem não é iniciado na Dança. Eu que sou, também custei a acompanhar.

A trama que não chega a ser intricada, não fácil tampouco. Há relacionamentos escondidos, há desencontros profissionais e pessoais, há algo que não entendemos completamente e que está influenciando cada personagem, sobretudo Jack.

Luke Kirby está (lindo) maravilhoso no papel, está convincente, mas está com um material um tanto superficial para que realmente nos conectemos à Jack. Ele é um riquinho sem talento que comprou sua posição ou é um homem rico e com grande visão de negócios e Arte? Quem é sua ex-mulher? Onde está sua filha? O que houve com Cheyenne? O que há com Geneviève?

São muitas questões que teriam tempo para desenvolver caso a pressa do roteiro não fosse tão angustiante que nos impede de apreciar os momentos reais de dança. Dito isso, quero uma nova chance para Étoile e aguardo com ansiedade que a Prime Video nos dê o sinal verde. Aí, no segundo ato, os solos podem nos encantar mais. A série tem potencial, só precisa dos ajustes.


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