Em 1985, quando Hounds of Love foi lançado, Kate Bush já era uma figura única na música britânica — um prodígio excêntrico, misterioso e inclassificável. Seu retorno após três anos de silêncio criativo foi recebido com surpresa, admiração e, acima de tudo, reverência. Hoje, quatro décadas depois, o álbum não apenas permanece relevante como é cada vez mais compreendido como uma obra-prima atemporal — um testamento da liberdade artística, do poder feminino e da invenção sonora.
Quem era Kate Bush?
Kate Bush surgiu como um cometa em 1978, quando, aos 19 anos, estourou nas paradas com Wuthering Heights, um single inspirado no romance de Emily Brontë. Com sua voz aguda, teatralidade e letras literárias, ela rapidamente se destacou como uma artista singular. Mas, diferente de outros astros da época, Bush evitava os holofotes, preferindo trabalhar em seus próprios termos, com controle total sobre sua música e imagem — algo quase impensável para uma mulher no cenário musical da época.
Após o lançamento de The Dreaming (1982) — um álbum complexo, experimental e desafiador que recebeu críticas mistas e dividiu seu público — Kate recuou do centro das atenções. Longe de estar “sumida”, ela estava incubando o projeto mais ambicioso de sua carreira: Hounds of Love.
O impacto de Hounds of Love
Lançado em setembro de 1985, Hounds of Love foi um renascimento artístico e comercial. O álbum alcançou o topo das paradas no Reino Unido, desbancando Brothers in Arms do Dire Straits, e apresentou ao público uma “nova” Kate Bush — ainda excêntrica, mas mais acessível, sem abrir mão de sua integridade artística.

O impacto foi imediato. Críticos o aclamaram como seu melhor trabalho até então, e o público embarcou na viagem sonora proposta por ela. A primeira metade do álbum, com faixas como Running Up That Hill (A Deal With God), Hounds of Love e Cloudbusting, oferecia canções pop arrebatadoras, mas repletas de tensão emocional e camadas texturais complexas. A segunda metade, intitulada The Ninth Wave, era praticamente uma ópera conceitual: uma jornada onírica e quase mitológica de uma mulher à deriva no mar — metáfora para depressão, isolamento, transformação e renascimento.
Por que o álbum é tão significativo?
Hounds of Love é uma obra que reúne tecnologia de ponta, narrativa mitopoética e uma sensibilidade feminina radical. Kate foi uma das primeiras artistas a dominar o Fairlight CMI, um sintetizador digital que permitia manipular sons como nunca antes. Ela o usou não apenas como instrumento musical, mas como ferramenta de escultura sonora — inserindo batidas de martelo, latidos de cachorro e respirações como parte da narrativa das músicas.
Além disso, Bush escreveu, produziu e gravou grande parte do álbum em seu próprio estúdio, construído em sua casa no interior da Inglaterra. Esse controle absoluto sobre sua criação era raro (quase inédito) para uma mulher em 1985. O álbum tornou-se, assim, um marco de autonomia criativa — e um manifesto sobre o poder da imaginação.


Os vídeos: teatro e cinema em forma pop
Os videoclipes de Hounds of Love também foram revolucionários. O mais icônico deles, Cloudbusting, estrelado por Donald Sutherland como Wilhelm Reich, é praticamente um curta-metragem sci-fi emocional sobre ciência, censura e perda. Em Running Up That Hill, Kate e o dançarino Michael Hervieu exploram, com coreografia expressionista, a troca de papéis entre homem e mulher. Cada clipe era mais do que uma ilustração da música — era uma extensão dramática, visual, quase cinematográfica da canção.
Quarenta anos depois
Em 2022, com a inclusão de Running Up That Hill na série Stranger Things, uma nova geração redescobriu Kate Bush — levando a música novamente ao topo das paradas globais. Mas mais do que um revival nostálgico, o retorno do interesse por Hounds of Love revelou a potência contínua da obra.
Hoje, o álbum é estudado por músicos, revisitado por críticos e adorado por fãs de todas as idades. Artistas como Björk, Tori Amos, Florence Welch, St. Vincent, Bat For Lashes e FKA twigs citam Hounds of Love como influência direta — tanto por sua inventividade musical quanto por sua coragem em abraçar a estranheza, a emoção bruta e a subjetividade feminina sem pedir desculpas.

Hounds of Love é mais do que um grande disco pop: é uma declaração de princípios. É a prova de que a imaginação, quando livre e respeitada, pode produzir arte de relevância eterna. Kate Bush não apenas fez um álbum sobre o medo e o poder do amor — ela demonstrou, com precisão visionária, como a arte pode ser uma forma de resistência, redenção e reinvenção. Quarenta anos depois, ainda ouvimos seus ecos — e ainda corremos ao seu encontro, como cães seguindo um chamado invisível, mas inesquecível.
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