Esse foi o meu primeiro álbum e o primeiro de rock. Tecnicamente, era do meu pai porque ele que comprou, mas sempre disse que “pra mim”, e se gritei pela posse dele, me foi concedida. Fruto Proibido era o disco que ficava fixo na sala da minha casa em Brasília, quando eu ainda era uma criança de cinco anos, e que viraria — sem que eu soubesse — uma obsessão amorosa para a vida toda. A conexão naquela época era puramente melódica: eu não tinha como entender as letras, os contextos, os recados cifrados. Mas ouvia sem parar. Colocava o vinil, sentava no chão, e embarcava num universo que só mais tarde entendi ser de liberdade, ironia e invenção. Quando cresci, fui entendendo as letras. Aos 55, o que mais me comove é Rita, a mulher — complexa, debochada, feminista, sempre à frente. E em 2025, se celebram os 50 anos do lançamento do álbum.

Em 2023, pouco antes de sua partida, visitei a exposição dela no MIS de São Paulo e me emocieonei ao ver de perto o vestido original da capa e a reprodução do cenário que povoou minha imaginação de infância. Ali, como adulta, ficou claro que Fruto Proibido era mais do que um disco: era um portal para um Brasil que quase ninguém ousava mostrar — muito menos uma mulher. Anos antes, já tinha voltado a ser criança quando celebrei encontrar o CD em uma feira de antiquário em Sampa, era difícil encontrá-lo nas lojas e como fiquei feliz de ter esbarrado com ele. Sim, Rita Lee sempre me fez mais feliz.
E em tudo que eu faço
Existe um porquê
Eu sei que eu nasci
Sei que eu nasci pra saber
Rita Lee, “Agora Só Falta Você”
Lançado em 30 de junho de 1975, Fruto Proibido foi o segundo álbum de Rita Lee com a banda Tutti Frutti, formada por Luiz Carlini (guitarra), Lee Marcucci (baixo), Franklin Paolillo (bateria), Guilherme Bueno (teclados), Rubens e Gilberto Nardo (vocais). Com produção de Andy Mills, namorado de Rita na época e ex-roadie de Alice Cooper, o disco foi gravado no estúdio Eldorado, em São Paulo, e representa o momento exato em que ela deixou de ser ex-Mutante e virou rainha do rock nacional.



Rita já havia tentado recomeçar com Atrás do Porto Tem Uma Cidade (1974), ainda com muitas interferências da gravadora e sem a liberdade criativa que ela tanto desejava. Mas foi com Fruto Proibido, já na Som Livre, que as portas se abriram. Livre para compor, tocar e cantar do seu jeito, Rita produziu um álbum que não apenas refletia o espírito do rock, mas subvertia todos os clichês masculinos do gênero.
O disco é curto, tem pouco mais de 30 minutos no total, e traz nove faixas — todas compostas por ela, sozinha ou em parceria — e versa sobre temas como liberdade individual, ironia social, feminismo, rebeldia e prazer. “Agora Só Falta Você”, feita com Carlini, virou hino de autonomia feminina e trilha de novela (Bravo!, da Globo). “Esse Tal de Roque Enrow”, feita com Paulo Coelho, foi um deboche certeiro da classe média careta que não entendia a linguagem da juventude. “Cartão Postal”, “O Toque” e “Dançar pra Não Dançar” carregam ecos de blues, psicodelia e até uma certa exaltação mística — Rita sempre foi bruxa, e isso está no disco também.
É um menino tão sabido, doutor
Ele quer modificar o mundo
Esse tal de Roque Enrow, Roque EnrowRita Lee, “Esse Tal de Roque Enrow”



Mas nada se compara à força de “Ovelha Negra”, que fecha Fruto Proibido. A balada folk que encerra o lado B virou não apenas o maior sucesso do álbum, mas um símbolo geracional. Com seu solo de guitarra imortalizado por Carlini — sim, ele sonhou com o riff —, a canção falava com todas as pessoas que se sentiram à margem. A mulher que não cabia no papel, o jovem que fugia do destino esperado, o artista que não se encaixava em moldes.
É preciso lembrar o contexto: 1975, plena ditadura militar, o rock ainda era uma resistência. No Brasil, apenas Rita e Raul Seixas ocupavam o mainstream com esse som. E se os homens já eram tratados com suspeita, o que dizer de uma mulher? Uma mulher de batom vermelho, que falava em dançar como Isadora Duncan, que resgatava Luz del Fuego, que ria dos moralistas com a graça de quem já venceu? Rita Lee ousava mais do que qualquer um.


Não à toa, Fruto Proibido foi um sucesso de crítica e de público. Vendeu 200 mil cópias até 1976, foi celebrado como clássico e permanece, cinquenta anos depois, como um dos maiores álbuns da história da música brasileira. Um disco que não envelhece porque não está preso a um tempo — está preso a uma ideia: a de que ser livre é o maior de todos os escândalos
Baby, baby
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrarRita Lee, “Ovelha Negra”
Ainda tenho o LP original, mas a capa meio que se destruiu com o tempo e mudanças de cidade. É o som da minha infância, o chão da minha adolescência, a alma da minha vida adulta. Fruto Proibido é Rita Lee inteira — selvagem, doce, provocadora, livre. E por isso nunca vai sair da minha sala, nem do meu coração.
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