O Fascínio Ancestral das Profecias

As profecias sempre habitaram a fronteira entre fé e paranoia. Na História, foram armas políticas. Faraós egípcios viam em sonhos mensagens divinas. Em Delfos, sacerdotisas deliravam em transe e decidiam guerras com enigmas. Alexandre, o Grande, só avançava após ouvir oráculos. Reis medievais coroavam-se escolhidos de Deus. Nostradamus se eternizou ao escrever versos vagos que cabem em qualquer desastre.

A Psicologia batizou esse fenômeno: profecia autorrealizável. Acreditamos tanto em algo que moldamos nossas escolhas para confirmar a crença. O destino parecia inevitável, mas foi fabricado pela fé.

Na Ficção, o recurso é irresistível. Shakespeare ergueu Macbeth sobre uma má interpretação. As bruxas não mentem; Macbeth entende errado e cai na armadilha. Tolkien deu a Aragorn a espada quebrada e a linhagem de rei para cumprir uma promessa quase reconfortante. J.K. Rowling fez de sua profecia um enigma que tanto podia se aplicar a Harry quanto a Neville — mas foi a obsessão de Voldemort que a tornou real. Frank Herbert foi mais cruel em Duna: profecia, ali, é um programa político das Bene Gesserit para manipular povos inteiros.

E George R. R. Martin? Ele é o mais irônico. Em As Crônicas de Gelo e Fogo, a profecia não revela o futuro, mas sim as falhas de quem acredita nela. Personagens tropeçam em fragmentos, distorcem sentidos, e arruínam suas vidas tentando cumpri-la. Como ele mesmo disse: “Profecias são feitas para enganar personagens, não leitores.”

O Cometa Vermelho: Cada Um Vê o Que Quer

Um dos melhores exemplos é o cometa vermelho em A Clash of Kings. Para Melisandre, era a prova de que Stannis era o escolhido. Para os seguidores de Daenerys, era o sinal da Mãe dos Dragões. Para maestres, apenas astronomia. O mesmo cometa serviu a destinos opostos.

Martin mostra: a profecia não está no céu, mas no olhar de quem interpreta. O signo é neutro; a crença, não.

Daenerys: A Visão Que Ninguém Quis Acreditar

Nenhuma personagem encarna melhor o perigo das profecias do que Daenerys Targaryen. Na Casa dos Imortais, na segunda temporada de Game of Thrones, ela vê King’s Landing destruída, o Trono de Ferro coberto por neve ou cinzas. Estende a mão, mas um som do Norte a interrompe. Em seguida, reencontra Drogo e o filho morto.

Era o mapa de seu fim: destruiria a cidade, jamais se sentaria no trono, morreria após a vitória. Mas o público não quis acreditar.

Dany foi apresentada como heroína clássica: abusada, resiliente, libertadora. Mas sua lenda cresceu até engolir a mulher. Tyrion resumiu: “Por onde ela passou, homens maus morreram e aplaudimos. Mas inocentes morreram também.” O aplauso virou combustível.

Quando incendiou King’s Landing, os fãs gritaram “traição do roteiro”. Mas, no universo de Martin, foi apenas a consumação da profecia que já conhecíamos.

Esse desconforto contaminou House of the Dragon. Todas as Targaryen femininas passaram a ser comparadas a ela. A Rhaenyra da série é justa, paciente, quase diplomática. Mas nos livros, é orgulhosa, ferida, paranóica, capaz de justificar violência. Ao suavizá-la, os roteiristas a tornaram sombra de Daenerys. É a “Síndrome Daenerys”: mulheres Targaryen não podem ser complexas, precisam repetir a rainha que idealizamos.

Jon Snow: O Herdeiro Que Recusou a Lenda

Jon Snow foi o contrário. Apontado como o Príncipe Que Foi Prometido, nunca se importou. Lutava porque era o que devia ser feito, não porque uma lenda o anunciava.

Seu pai, Rhaegar, foi o oposto: obcecado pela profecia, nomeou dois filhos Aegon, traiu Elia Martell, desencadeou a rebelião. E ironicamente, Jon — Aegon VI — acabou sendo o verdadeiro herdeiro. Mas o único que não queria promessa alguma.

Macbeth, Duna e Westeros: Destinos Diferentes

Em Macbeth, a profecia leva ao erro fatal. Em Duna, é manipulação política. Em Westeros, é tudo ao mesmo tempo: ambígua como as bruxas, manipulada como as Bene Gesserit. Mas pior: ninguém tem o mapa inteiro. Cada um acredita em fragmentos — e se perde.

A Maldição dos Aegons

Rhaenyra e Daenerys têm em comum um obstáculo: ambas perderam para um Aegon. Rhaenyra foi usurpada por Aegon II. Daenerys, derrotada por Aegon VI, Jon Snow. Homens que não conquistaram nada além do nascimento. A dinastia repete o padrão: os Aegons sobem, as mulheres sangram.

A Profecia Como Desculpa Política

Em House of the Dragon, Aegon, o Conquistador, teria tido uma visão: um inverno terrível viria do Norte, e só um Targaryen no trono poderia salvar os vivos. Chamou isso de A Canção de Gelo e Fogo.

É um belo artifício para costurar HotD e GoT. Mas é também uma justificativa tardia para invasão. Aegon não conquistou por visão: conquistou por poder. A profecia serve de desculpa.

O “telefone sem fio” continua: Viserys se perde nela, Alicent entende errado, Rhaenyra carrega como peso. E no fim, quem mata o Rei da Noite? Arya Stark. Uma jovem sem dragões, sem linhagem, sem destino. Só escolha.

Quem Era Azor Ahai?

Fãs nunca deixaram a dúvida morrer. Alguns juram que era Jon, união perfeita de gelo e fogo. Outros defendem Daenerys, com seus dragões e não a espada Lightbringer (que, na série, nunca é empunhada por Jon). Para alguns, foi Arya, prática e surpreendente. Para outros, Bran, o catalisador real. E há ainda a teoria mais elegante: Jaime Lannister, cuja trajetória se alinha aos três testes da forja de Lightbringer, e cujo destino poderia também cumprir a profecia do Valonqar, quando morre com Cersei (embora não tecnicamente, a matando).

Martin abriu espaço para todos. Ao não concluir, nos obriga a viver na mesma incerteza que seus personagens.

As Mulheres Stark e o Preço da Profecia

Lyanna Stark é peça central desse quebra-cabeça. Rhaegar acreditava no “dragão de três cabeças” e a escolheu. Da paixão nasceu Jon Snow. Mas da obsessão nasceu também a rebelião que destruiu sua dinastia. Elia Martell morreu por causa disso. Lyanna morreu no parto. E Daenerys nasceu em exílio.

De geração em geração, mulheres pagam o preço do sonho masculino. Rhaenyra, Lyanna, Daenerys: capítulos diferentes da mesma tragédia.

Profecia ou Escolha?

Essa é a chave final. Em Martin, a profecia não dita futuro, dita erros. Daenerys acreditou demais e caiu. Jon sobreviveu porque ignorou. Rhaegar destruiu sua família tentando cumpri-la. Viserys mergulhou em guerra por entendê-la errado. Arya, sem profecia, venceu.

Em O Senhor dos Anéis, a profecia consola. Em Harry Potter, é ambígua, mas se cumpre. Em Duna, é manipulação. Em Westeros, é ruído. Um espelho torto.

Talvez a maior profecia de todas seja a que assombra os fãs: a de que George R. R. Martin ainda lançará The Winds of Winter. Há mais de quinze anos esperamos. Talvez traga respostas. Talvez só mais dúvidas. Talvez seja apenas outro cometa vermelho: cada leitor verá nele o que quiser.


Descubra mais sobre

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.

3 comentários Adicione o seu

Deixe um comentário