Rob Reiner, um dos maiores diretores de Hollywood, é encontrado morto em casa

Como publicado na Revista Bravo!

O ano de 2025 não foi caridoso com as lendas de Hollywood. A morte trágica de Gene Hackman, os adeus inesperados a Diane Keaton e Robert Redford, entre outros, já haviam imposto ao cinema americano um sentimento de encerramento de ciclo. Mas a morte de Rob Reiner, cercada por mistério e investigação criminal, foi o golpe final de um ano particularmente duro. Filho de astros, ator de formação, mas sobretudo diretor de alguns dos filmes mais amados das últimas quatro décadas, Reiner deixa um legado inconfundível: Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro, Conte Comigo, A Princesa Prometida, Questão de Honra. Sua assinatura estava ali e com ela, cenas, diálogos e emoções que atravessaram gerações.

A investigação e o silêncio das autoridades

A polícia de Los Angeles foi acionada no domingo, 14 de dezembro, para uma residência em Brentwood, onde encontrou dois corpos esfaqueados: o do diretor de 78 anos, e o de sua segunda esposa, Michele Singer Reiner, de 68. O caso está sendo investigado como homicídio, e, até o momento, as autoridades não divulgaram detalhes sobre as circunstâncias do crime.

No entanto, segundo fontes da revista Peopleo casal teria sido encontrado pela filha deles, Romy, com suas gargantas cortadas. O suspeito principal é um de seus filhos, Nick Reiner, que está detido pela polícia, embora ainda não tenha sido formalmente acusado. Sua participação no crime ainda não foi confirmada oficialmente pelas autoridades..

É público o fato de que Nick luta há anos contra a dependência química, iniciada ainda na adolescência. Em entrevistas e no filme Being Charlie (2015), que seu pai dirigiu e o ajudou no roteiro, ele relatou como foi entrar e sar de clínicas de reabilitação desde os 15 anos e viver longos períodos afastado da família, inclusive em situação de rua.

Até o momento, a polícia de Los Angeles não se pronunciou oficialmente sobre a autoria do crime. A investigação segue em andamento.

Uma trajetória rara, guiada por pessoas

A morte de Reiner encerra uma trajetória rara em Hollywood: a de alguém que transitou com naturalidade entre televisão, cinema, comédia, drama e romance sem jamais perder de vista o que realmente lhe interessava: pessoas. A notícia chocou a indústria não apenas pela violência do ocorrido, mas porque Reiner sempre foi visto como uma presença estável, generosa e profundamente civilizada em um meio historicamente marcado por egos e excessos.

Da TV ao cinema: a formação de um diretor

Nascido no Bronx, em 1947, ele cresceu literalmente dentro do entretenimento americano. Filho do lendário Carl Reiner e da atriz e cantora Estelle Lebost, mudou-se ainda jovem para Beverly Hills, onde logo se tornou independente da fama dos pais. Essa vontade de trilhar o próprio caminho — sem negar a herança, mas sem se apoiar nela — definiria toda a sua carreira.

Antes de se firmar como diretor, Reiner tornou-se um dos rostos mais emblemáticos da revolução televisiva dos anos 1970. Como Mike “Meathead” Stivic em All in the Family, ajudou a transformar a sitcom em arena de debate político, social e moral. Progressista, combativo e frequentemente arrogante, seu personagem funcionava como contraponto direto ao conservador Archie Bunker, e a tensão entre os dois virou um espelho incômodo — e necessário — da América da época. A série liderou a audiência por cinco temporadas consecutivas, e Reiner venceu dois Emmys entre cinco indicações.

Mesmo no auge desse sucesso, ele já pensava adiante. Deixou a série antes do fim para se dedicar à escrita e à direção, num movimento arriscado à época. Sua estreia atrás das câmeras, This Is Spinal Tap (1984), fracassou nos cinemas, mas encontrou vida própria como cult e acabou se tornando um dos filmes mais influentes da história da comédia, redefinindo o mockumentary e garantindo lugar no National Film Registry.

Clássicos que atravessaram gerações

O que veio depois foi uma sequência quase inacreditável de clássicos, cada um em um tom distinto, mas todos atravessados pela mesma empatia. Conte Comigo (1986) capturou como poucos filmes o fim da infância e o peso silencioso da perda, tanto que Reiner dizia ser o trabalho mais pessoal de sua carreira. A Princesa Prometida (1987) provou que ironia e romantismo não apenas coexistem, como se fortalecem mutuamente. Já Harry e Sally (1989) nasceu diretamente de sua própria confusão emocional: solteiro há dez anos, ele percebeu que precisava de uma voz feminina para contar aquela história e encontrou em Nora Ephron uma parceira criativa que redefiniria a comédia romântica.

O filme quase terminou de forma amarga, com Harry e Sally seguindo caminhos separados. Reiner mudou o final depois de se apaixonar por Michele Singer durante as filmagens. A vida interferiu no cinema e talvez por isso o filme continue tão verdadeiro. Sua mãe, Estelle, eternizou-se em uma das falas mais icônicas da história do cinema (“I’ll have what she’s having”), enquanto a filha Tracy apareceu em um pequeno papel, reforçando algo recorrente em sua obra: o cinema como extensão da vida, não como espetáculo distante.

Vieram ainda Louca Obsessão, Questão de Honra, Meu Querido Presidente, A História de Nós Dois, entre outros títulos que confirmaram sua versatilidade. Reiner dirigia atores sem autoritarismo, criando sets descritos como espaços de conforto e colaboração. “Quero que todos se sintam felizes para trabalhar”, disse ao Guardian em 2018. Não era frase de efeito, era método.

Rob Reiner e Stephen King: quando o terror é humano

Esse olhar atento para personagens, emoções e silêncios ajuda a entender por que Rob Reiner também foi um dos diretores que melhor souberam traduzir o universo de Stephen King para o cinema. Em vez de se deixar levar pelo rótulo do terror, Reiner percebeu cedo que o coração da obra de King está menos no sobrenatural e mais nas fragilidades humanas: na perda, na obsessão, no medo de crescer ou de perder o controle. Ao adaptar Conte Comigo e Louca Obsessão, ele não apenas fez duas das melhores transposições do autor para as telas, como revelou uma afinidade rara entre cineasta e escritor: ambos acreditavam que o verdadeiro impacto de uma história nasce da empatia, não do choque.

Por exemplo, em Conte Comigo, que é uma adaptação do conto The Body, Reiner realçou que não é uma história sobre a descoberta de um corpo, mas sobre o fim da infância. O filme desloca o centro do drama da morte em si para o impacto emocional que ela provoca nos meninos, e para o momento em que eles percebem, talvez pela primeira vez, que o mundo adulto é irreversível. A ausência de horror explícito não enfraquece a narrativa; ao contrário, a torna mais inquietante. Reiner filma a amizade, o silêncio, a vulnerabilidade e a despedida com uma delicadeza que raramente se associa a adaptações de King, mas que está profundamente alinhada com o espírito do autor. É também considerado um dos melhores filmes de River Phoenix (e o que revelou).

Já em Louca Obsessão, o terror é íntimo, claustrofóbico e psicológico. Reiner entende que Annie Wilkes não é assustadora porque é violenta, mas porque é reconhecível. A obsessão da personagem, sua necessidade de controle e sua capacidade de mascarar brutalidade com cuidado e devoção tocam em um medo profundamente moderno: o de estar preso a alguém que se sente dono de você. Ao reduzir o espaço, concentrar a ação e confiar no embate entre James Caan e Kathy Bates (que venceu o Oscar de Melhor Atriz), Reiner transforma a adaptação em um estudo sobre poder, dependência e autoria, temas centrais tanto para King quanto para o próprio cinema.

O que une essas duas adaptações, tão distintas em tom e gênero, é a confiança de Reiner na inteligência emocional do espectador. Ele não sublinha o medo, não explica excessivamente, não busca o choque fácil. Prefere o desconforto lento, o silêncio carregado, o olhar que diz mais do que o diálogo. Em vez de tentar “cinematizar” Stephen King no sentido mais literal, Reiner traduziu sua essência: personagens feridos, afetos interrompidos, o peso da memória e a violência que nasce da frustração. Ele não impôs sua assinatura às histórias, mas a serviço delas.

Um cineasta que nunca saiu de cena

Talvez, no futuro, o legado de Rob Reiner seja cada vez mais associado a duas das melhores adaptações de Stephen King já levadas ao cinema, mas isso não apaga o fato de que outros três clássicos dirigidos por ele entraram definitivamente para a história da cultura pop, seja por citações cult, seja por impacto popular imediato.

A Princesa Prometida se tornou um fenômeno geracional ao eternizar frases como “As you wish”, hoje sinônimo de amor absoluto no imaginário do cinema. Harry e Sally permanece como uma das comédias românticas mais perfeitas já feitas, não apenas pela estrutura ou pelos personagens, mas pela quantidade quase infinita de diálogos que continuam sendo citados, revisitados e reinterpretados décadas depois. Já Questão de Honra — o maior sucesso de bilheteira da carreira de Reiner, impulsionado por um elenco estelar com Tom Cruise, Demi Moore e Jack Nicholson — gravou para sempre na memória coletiva a frase “You can’t handle the truth”, uma daquelas linhas que ultrapassaram o filme e viraram linguagem cotidiana.

Um filme pequeno e pouco visto é o mais pessoal do seu legado

Mesmo citando tudo isso, é curioso como um dos filmes mais significativos de sua trajetória pode ser justamente um dos menos vistos: Being Charlie (2015). Dirigido por Reiner e escrito em parceria com o filho Nick Reiner, o longa é um retrato direto e doloroso da dependência química, inspirado na própria história de Nick.

No filme, Reiner levou para a tela não apenas o drama do vício, mas também a relação conturbada entre pai e filho, marcada por amor, impotência e limites difíceis de aceitar. Exibido no Festival de Toronto, Being Charlie teve recepção crítica dividida, mas após o assassinato de 2025, certamente passará a ser visto, com o tempo, como uma das obras mais pessoais e reveladoras da filmografia do diretor.

Rob Reiner permaneceu ativo e atento ao presente até sua morte. Ele deixou um filme concluído, Spinal Tap II, continuação tardia e aguardada de This Is Spinal Tap, reafirmando seu vínculo com um dos projetos mais influentes de sua carreira. Paralelamente, voltou a chamar atenção de uma nova geração ao aparecer na mais recente temporada de O Urso, em um papel pequeno, mas marcante — daqueles que funcionam quase como um aceno entre gerações, confirmando sua capacidade de circular entre épocas sem perder relevância.

Contar histórias como ato de cuidado

Fora das telas, foi um ativista político consistente, cofundador da American Foundation for Equal Rights, crítico vocal de Donald Trump e defensor de causas progressistas. Nunca separou completamente arte e cidadania, mas também nunca transformou uma em propaganda da outra.

Ao falar do pai após a morte de Carl Reiner, em 2020, resumiu — talvez sem perceber — a própria filosofia de vida: ele nunca lhe deu conselhos, dizia Rob, “apenas viveu de um jeito que serviu como exemplo”. É difícil pensar em definição melhor para o próprio Rob Reiner.

Seu legado não está apenas nos filmes que continuam sendo vistos, citados e amados, mas na confiança que sempre teve no público, na ideia de que histórias podem ser inteligentes sem serem cruéis, emocionais sem serem manipuladoras, políticas sem perder humanidade. Em um cinema cada vez mais ruidoso, Rob Reiner permanece como lembrança de algo essencial: contar histórias também é um ato de cuidado.


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2 comentários Adicione o seu

  1. Avatar de João oliveira João oliveira disse:

    Uau. Belo texto

    Curtido por 1 pessoa

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