Repetto: As sapatilhas que nasceram do amor da mamma italiana pelo filho bailarino

Artigo original publicado em março de 2021

Quando escrevi no Miscelana, em 2021, sobre a história da Repetto, o que mais me interessou não foi apenas a cronologia de uma maison histórica, mas a lógica íntima que sustenta sua existência. A Repetto não nasce de uma tendência, de um plano de negócios ou de um gesto calculado de moda. Ela nasce do corpo — e da dor — de um bailarino, observados com atenção por uma mãe que compreendia, antes de qualquer teoria estética, que o conforto também é uma forma de linguagem.

Fundada em 1947 por Rosa Repetto Petit, a marca surge de um gesto doméstico que se tornaria revolucionário: redesenhar a sapatilha de balé para que ela respeitasse o movimento, a flexibilidade e o silêncio do passo. Ao criar um calçado mais adequado para o filho, Roland Petit, Rosa acabou transformando não apenas a experiência dos bailarinos sobre o palco, mas também a história do calçado feminino ao longo do século 20. Uma referência absoluta no universo do balé e um símbolo duradouro da moda francesa.

Quase oito décadas depois, essa história continua surpreendentemente atual. Hoje, a marca produz cerca de 500 mil pares por ano e mantém seu vínculo estrutural com a dança, ao mesmo tempo em que dialoga com o street style, o cinema e novas gerações de consumidoras. Revisitar a história da Repetto, portanto, não é um exercício de nostalgia, mas uma forma de entender por que certos objetos atravessam o tempo, e continuam fazendo sentido.

Rosa Repetto Petit nasceu em Milão, onde aprendeu a técnica de fazer sapatos.

Casada com um francês, Edmond Petit, dono de uma brasserie em Paris, ela e o marido apoiaram o filho, Roland, que desde muito cedo descobriu a dança. Ele ingressou na prestigiada escola da Ópera de Paris aos nove anos e, aos dezesseis, estreava oficialmente na companhia.

Aos vinte, já demonstrava sua genialidade ao criar o balé Le Jeune Homme et la Mort.
Virou uma estrela.

A ligação de Rosa com o filho acabaria transformando a moda e os negócios da família.

Roland sentia muitas dores após os ensaios por causa de sapatilhas inadequadas para seus pés. Como boa mamma, Rosa decidiu ajudar. Criou especialmente para ele sapatos moldados sob medida, leves e confortáveis, que ele passou a usar nos ensaios e apresentações. O sucesso foi imediato.

Em pouco tempo, o ateliê — que até hoje fica próximo ao teatro, na Rue de la Paix — passou a receber uma grande demanda de bailarinos interessados em sapatilhas iguais às de Roland. Nasciam assim as Repetto, as mais belas e leves sapatilhas, que até hoje figuram entre as preferidas de muitas estrelas e que rapidamente ultrapassaram os limites dos palcos.

Batizadas de ballerines, Madame Rosa logo entendeu onde estava a origem do desconforto: na sola.

Para resolver o problema, ela inverteu o processo tradicional, costurando a sola pelo avesso antes de virá-la. Esse método artesanal garantiu uma flexibilidade inédita até então.

Em pouquíssimo tempo, o ateliê da Rue de la Paix passou a se dedicar exclusivamente às sapatilhas. Para as mulheres, Madame Rosa desenvolveu uma técnica — hoje patenteada — que resolvia dois problemas de uma só vez: conforto e ruído.

O processo de medição das pontas é exclusivo da marca e, mais uma vez, as sapatilhas se destacavam por serem confortáveis, flexíveis e quase silenciosas. O gesso da ponta produzia um som mínimo, eliminando o irritante “toc-toc” que costumava atrapalhar as apresentações.

Como bônus, o apuro estético das Repetto é incomparável. São simplesmente lindas.

O mundo da moda e do cinema aderiu às sapatilhas quando uma ex-bailarina, então transformada em atriz, pediu a Madame Rosa uma adaptação de suas sapatilhas de palco para o uso nas ruas. Havia apenas um detalhe: elas poderiam ser vermelhas?

Repetto aceitou e criou as Cendrillon (Cinderelas), clássicos da moda que transformaram a “mãe de Roland Petit” em uma estrela por mérito próprio.

De quebra, o mundo descobriu Brigitte Bardot, e as sapatilhas vermelhas se tornaram um ícone indissociável de sua imagem.

O ateliê evoluiu, então, para uma loja comercial, passando a atender demandas vindas de todas as partes do mundo e de grandes estrelas internacionais.

E, como se Bardot não bastasse, Serge Gainsbourg deu novo fôlego à marca nos anos 1970. O poeta e cantor se apaixonou pelos sapatos que Madame Rosa criou para sua nora, a bailarina Renée “Zizi” Jeanmaire. Os modelos — brancos — no estilo Oxford diferiam das sapatilhas criadas para Roland ao incorporarem salto, uma sola grossa de couro flexível e cadarços.

A cor? Branca (embora existam outras variações). Uma peça atemporal e unissex, cuja difusão Gainsbourg ajudou a consolidar.

Rosa Repetto Petit faleceu em 1984, aos 77 anos.

Em 1999, a marca Repetto foi vendida, mas mesmo sob nova administração manteve sua profunda ligação com o balé. Madame Rosa é considerada uma das maiores designers de sapatos de todos os tempos, com suas sapatilhas incluídas na lista dos calçados que mudaram a História.

E tudo nasceu do talento e do amor de uma mãe por seu filho…


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