A entrada da princesa Diana na trama de The Crown, como previsto, domina a temporada. Desde que o mundo a descobriu, em 1980, a paixão por ela nunca retrocedeu. E é a sua versão para o que viveu no seu fracassado casamento com príncipe Charles que dita a narrativa, o que não é bom para ele, Camilla ou qualquer um da Família Real.
Para entender a versão que The Crown mostra, é bom ver na Netflix o documentário Diana em suas próprias palavras, que tem o áudio de Diana para Andrew Morton escrever a famosa e importante biografia dela, relatando os fatos que aparecem na série. Uma das coisas que ela menciona, mas fica mais explícito na série, é como a vemos sendo isolada de suas amigas, jogada no meio da arena como o animal ferido a ser abatido. Por tudo isso, a música selecionada para cada cena é essencial para acompanhar a mensagem sobre a princesa.

As bandas dos anos 1980s que aparecem na trilha sonora são mais do que o que realmente tocava na época. Cada canção tem um significado. Por exemplo, quando Diana recebe o 1º telefonema de Charles, ela está ouvindo – convenientemente – Call Me, de Blondie. “Call me (call me), call me for your lover’s lover’s alibi, Call me (call me) on the line, Call me, call me any, anytime”
(Me chame, me chame como álibi da amante de sua amante, Me chame no telefone, Me chame em qualquer qualquer qualquer momento). É claríssima a referência de que Diana – sem saber – está entrando na novela como álibi para Camilla.
Em seguida, Charles a leva para ver La Traviatta. Não é sutil que o trecho da ária é justamente o que Violetta chora que seu sonho era “amar sendo amada”. Na época, o sonho da jovem de 19 anos era justamente esse. O episódio termina com o tema de amor da ópera, sem letras, mas dando mais o sinal da tragédia que está se desenhando. Mais ainda, Diana entendeu La Traviatta como uma obra de amor, porém Charles via apenas a trajetória do compositor, Giuseppe Verdi, e sua influência na política italiana. De novo, nada sutil: Diana buscava amor, queria romance e Charles só via o lado prático e realista das coisas.
Quando Diana aceita o pedido de casamento de Charles, ela volta para casa cantando Diana Ross, Upside Down. “Upside down, Boy, you turn me,
Inside out and round and round” (De cabeça para baixo, Rapaz, você me deixa do avesso e dando voltas e voltas), diz a letra. Mais uma vez, a escolha da canção não foi aleatória. Foi justamente o que aconteceu com ela, sua vida virada de ponta-cabeça. É cortado antes, mas ela cantaria (“Instinctively you give to me, The love that I need, I cherish the moments with you, Respectfully I say to thee, I’m aware that you’re cheating, When no one makes me feel like you do” (Instintivamente você me dá o amor que eu preciso
Eu aprecio os momentos com você, respeitosamente, te digo estou ciente de que você está trapaceando quando ninguém me faz sentir como você). É, como sempre, a alusão de que Diana vê amor, mas está com alguém que não retribui seus sentimentos.
No mesmo episódio, Diana é vista aproveitando a última noite de normalidade com as amigas, com Stevie Nicks cantando o clássico Edge of Seventeen. Escolher Stevie Nicks, que volta nos créditos finais do episódio, é muito revelador. O título – No limite dos dezessete – reforça a juventude de Diana, com apenas 19 anos na época. Na abertura ouvimos apenas os primeiros versos. “Just like the white winged dove sings a song sounds like she’s singing Whoo whoo whoo” (Assim como a pomba de asas brancas canta uma canção Soa como se ela estivesse cantando Whoo whoo whoo). Perfeitamente inocente. Muda bastante quando se chega ao final. Mas antes, no seu isolamento, Diana patina no palácio de Buckingham ouvindo sua banda favorita, Duran Duran, cantando Girls on Film.
A canção é um dos maiores sucessos da banda e diz “There’s a camera rolling on her back, On her back” (Há uma câmera filmando atrás dela, nas suas costas), mais uma vez aludindo o futuro da princesa perseguida pelos paparazzi, observada e controlada pela mídia e pelo staff da “Firma”, com cada passo sendo reportado e registrado.

Quando termina o episódio, Diana já ciente da armadilha em que caiu, voltamos a ouvir Stevie Nicks, acapella, sem instrumentos, para não distrair da importância da letra de The Edge of Seventeen. “He was no more than a baby then, Well he seemed broken hearted, something within him but the moment that I first laid eyes on him all alone. On the edge of seventeen” (Ele não era mais do que um bebê naquela época, bem, ele parecia estar com o coração partido Algo dentro dele, mas no momento que eu o encarei pela primeira vez, completamente sozinho no limite dos dezessete (anos)). Ou seja, como Diana achava que Charles estava, com o coração partido e buscando alguém para emendá-lo. Tem mais.
Stevie canta, “Well then suddenly there was no one left standing
In the hall, in a flood of tears that no one really ever heard fall at all.
Oh I went searchin’ for an answer up the stairs and down the hall
Not to find an answer just to hear the call of a nightbird singing
Come away, come away” (Então de repente não sobrou ninguém em pé
Na sala, em uma enxurrada de lágrimas onde ninguém jamais percebeu as quedas. Oh, eu fui procurar uma resposta no andar de cima e embaixo na sala, não para encontrar a resposta apenas para ouvir o chamado de um pássaro noturno cantando, Venha, venha). Ou seja, Diana verá a solidão, o isolamento ao qual será submetida.
Ainda no episódio, ela dança a instrumental Song for a Guy (Canção para um rapaz), de seu amigo, Elton John. É Diana, a dias do casamento, mas há seis semanas longe do noivo que mal conhece.
As canções sobre o estado de espírito de Diana seguem pela temporada.
A (única) cena romântica do casal é justamente com o clássico Can’t Take My Eyes Off of You, onde eles rodopiam ao som do refrão “I love you, baby and if it’s quite all right I need you, baby to warm the lonely nights, I love you, baby
Trust in me when I say” (Eu amo você, querida e se estiver tudo bem
Eu preciso de você, querida para aquecer as noites solitárias
Eu te amo, querida acredite em mim quando eu digo). Os dois estavam, por frações de segundos, apaixonados, felizes, inebriados com romance.

Mas dura pouco, como sabemos.
A famosa cena onde Diana selecionou Uptown Girl, de Billy Joel, para dançar para Charles, também tem mensagem implícita. “I’m in love with an uptown girl, You know I’ve seen her in her uptown world, She’s getting tired of her high class toys and all the presents from her uptown boys
She’s got a choice” (Estou apaixonado por uma garota de classe alta , Você sabe eu a vi em seu universo de luxo, Ela está ficando cansada de seus brinquedos de luxo, E todos os presentes ganhados de seus garotos de luxo
Ela tem uma escolha). Diana não tinha “escolha”, mas já demonstra que não será passiva.

Na tentativa (final) de Diana salvar seu casamento com Charles, a vemos animada, com William e Harry, cantando Crazy Little Thing Called Love, do Queen. “This thing called love, I just can’t handle it. This thing called love
I must get round to it, I ain’t ready, Crazy little thing called love” (Essa coisa chamada amor, Eu simplesmente não consigo lidar com ela
Essa coisa chamada amor, Eu tenho que estar um passo à frente dela
Eu não estou pronto, Coisinha doida chamada amor). Nitidamente não havia como lidar com a falta de amor por ela. A cena antecipa a principal mensagem de Diana para Charles, e o abismo entre eles.
Depois do fiasco de Uptown Girl, era de se imaginar que Diana teria aprendido a lição, mas ela decide “presenteá-lo” com uma apresentação gravada de All I Ask of You (Tudo que peço à você), do musical O Fantasma da Ópera. “É como sei me expressar”, ela argumenta, surda à reação do marido. Ali ela cimenta para sempre qualquer mínima vontade de Charles dar alguma chance para o casamento, algo que ele claramente nunca quis. “Say you love me every waking moment, turn my head with talk of summertime, say you need me with you now and always, Promise me that all you say is true, that’s all I ask of you” (Diga que me ama a cada momento, Vire minha cabeça com conversas sobre o verão. Diga que precisa de mim com você, agora e sempre. Prometa que isso tudo que você diz é verdade. Isso é tudo o que te peço), ela canta. Ele quase morre de vergonha alheia.
Portanto, quando a cena a seguir tem Diana dançando Love is a Stranger, de Eurythmics, é mais uma mensagem. “And I want you, And I want you so
It’s an obsession” (E eu te quero, E eu te quero tanto, É uma obsessão). Porque sim, Diana é obcecada em fazer do casamento – que para Charles sempre foi uma farsa – funcionar. E o amor é algo “estrangeiro” ou “estranho” para os dois.
Na derrocada final, entra Ella Fitzgerald cantando Baby, It’s Cold Outside.
“I ought to say no, no, no – Mind if I move in closer?
At least I’m gonna say that I tried – What’s the sense in hurting my pride?
I really can’t stay – Baby don’t hold out
Ah, but it’s cold outside” (Eu devia dizer não, não senhor! (Se importa se eu chegar mais perto?) Pelo menos vou dizer que tentei… (Por que ferir meus sentimentos assim?) Eu realmente não posso ficar (Baby, não tente resistir) Oh, Mas está frio lá fora!)
A tradução diz tudo. Diana tenta fazer parte da família, do universo de Charles, mas só encontra frieza e distanciamento de todos. Mesmo que – à parte de Charles – a Família esteja torcendo por ela. É de longe, sem sentimentos, sem confidências.
Nos despedimos de Diana no último natal que ela passou com a Família Real (que será o tema de Spencer), com a tradicional Silent Night ressaltando a tristeza e vazio no qual a princesa percebe o fim do sonho, a falta de esperança e o quanto ela não pertence naquele grupo.
Lindo. Triste. Trágico. Brilhante.
Vai demorar até a temporada 5!

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