A complexidade de Anakin Skywalker como Darth Vader

A longevidade da franquia Star Wars coloca o conflito de gerações em outra perspectiva, uma na qual todos os arquétipos se confundem. O maior exemplo foi a celebração da volta do ator Hayden Christensen como Darth Vader/Anakin Skywalker na série Obi-Wan Kenobi. Sua participação de coadjuvante ganhou status de protagonismo porque a relação de sua personagem com o mestre Jedi é a de maior impacto em toda jornada, seja na trilogia original, na prequel, sequel ou spin-offs. É a velha canção, que diferença um dia faz. No caso, algumas décadas…

O ator canadense, que começou a trabalhar com 13 anos e fez sucesso em filmes independentes e séries dramáticas, como Higher Ground (um título irônico que os geeks vão captar), tinha apenas 19 anos quando assumiu o papel de Anakin Skywalker na sequel dirigida e escrita pelo próprio George Lucas. Foi escolhido dentre 1500 candidatos e com isso só cresceu a pressão.



Estrelou Star Wars – Ataque dos Clones, substituindo Jake Lloyd que interpretou Anakin como criança em Star Wars – A Ameaça Fantasma, e foi massacrado pelos fãs e críticos. Injusto? Sempre houve a corrente que defendia essa teoria, pois Hayden tinha mais obstáculos do que material para aprofundar a personagem, desde a maneira robótica e empostada que James Earl Jones dublou Darth Vader nos filmes originais aos diálogos infantis – hoje clássicos – como o que diz dramaticamente “eu odeio areia”.

O ator tinha o desafio de criar o processo de um jovem ambicioso que iria sucumbir ao lado obscuro da Força e ao mesmo tempo falar e agir da maneira que todos os fãs já conheciam a personagem. Em Star Wars – A Vingança dos Sith, Hayden conseguiu reduzir as críticas (dentro das limitações de texto) e estava tão dedicado que pediu para ser mantido no papel mesmo quando Darth Vader assume sua armadura clássica (e a voz de James Earl Jones) em vez de usar um dublê. Isso é comprometimento.

Para a geração impactada pelos originais, do qual faço parte, a prequel nunca foi satisfatória. A essa altura, por mais que fãs apontem detalhes da narrativa, já me acostumei que ela será adaptada com o tempo. Coisas como “Darth Vader matou seu pai” que virou “de um ponto de vista foi verdade”, apenas o começo de muitos desafinos. Como R2-D2 e C3PO serem robôs de Anakin, por isso ter que “apagar a memória deles” para que depois pudessem estar com a Princesa Leia. Aliás, Darth nem reagiu ao reencontrá-los, em Uma Nova Esperança.  Com a série Obi-Wan Kenobi surgiu novo problema. Agora temos uma Princesa Leia apegada à Obi-Wan, mas nem vai reagir quando testemunhar sua morte, mandando Luke (esse sim chocado e sofrendo) andar logo para fugirem. Falando neles, e o beijo incestuoso entre Leia e Luke? E a crush que Luke tinha na irmã sem saber que ela era sua gêmea? E claro, como Darth Vader não desconfiou imediatamente quando um piloto vindo do seu planeta de nascença, com o sobrenome Skywalker e na idade exata do bebê que teria com Padmé, poderia ser seu filho? Cobrar coerência em Star Wars sempre foi bem complicado.

Voltando a Hayden, ele fez o melhor que pôde, mas por muitos anos ficou “queimado” pelo papel que ficou conhecido mundialmente. Nada como a passagem do tempo para mudar as análises. Para os milenials, que puderam assistir a franquia na ordem certa, Hayden e Ewan McGregor passaram a ser as maiores referências. Luke Skywalker (Mark Hammill) deixou de ser visto como o grande herói da saga, como George Lucas imaginou originalmente.

Aliás, a genialidade esteve na decisão do diretor de usar a tese do filósofo Joseph Campbell, que decifrou os passos do que hoje sabemos de ser o “arco do herói” ou sua “jornada”, contados em 3 atos. A história era a de Luke Skywalker, salvando a galáxia e aos poucos foi ganhando complexidade.

E nada mais complexo do que a jornada de Anakin Skywalker. George Lucas fez história ao, em 1980, radicalizar a narrativa e chocar o mundo ao decidir que Darth Vader não era apenas o aprendiz de Obi-Wan Kenobi que traiu a todos e assassinou o pai de Luke. Ele era o próprio Anakin, que metaforicamente matou sua persona para se transformar em algo maligno. Essa premissa deu à Anakin, não mais Luke, o arco dramático mais profundo do cinema. Luke, assim como sua mãe que nunca conheceu, sentia que Anakin jamais desapareceu por completo e consegue redimir o pai, salvando sua alma no último minuto. (Não que tenha adiantado muito quando seu sobrinho, anos depois, repetiu o erro do avô, mas isso é outra história).

Os millenials perderam o que foi a revelação do segredo de Darth Vader e sua importância, mas abraçaram sua trajetória e sempre aprovaram Hayden Christensen. Tanto que seu retorno na série Obi-Wan Kenobi foi celebrado. E sim, ele conseguiu – finalmente – trazer a dimensão trágica da personagem como merecia. Foi perfeito.

E com isso, entendemos que a saga passou a ser sobre a relação de um representante da Geração X (Obi-Wan) e sua “falha” com seu aprendiz Millenial (Anakin Skywalker). Ao criticá-lo pela impetuosidade, até ocasional crueldade para alcançar o bem, Obi-Wan contribui para alimentar suas fraquezas até que sucumbiu ao poder e liberdade opressora do Império, o lado obscuro da Força.

Lembremos que quando vemos Anakin pela primeira vez, era órfão de pai e escravo. Um grande mestre Jedi o identifica como “o escolhido”, desafia a toda bancada de jedis que discordam, e educa o menino pessoalmente. Porém, com sua morte trágica e repentina, cabe ao outro aluno, Obi-Wan, a ser promovido a Mestre e mentor da criança.

O impacto de toda essa expectativa na cabeça de uma pessoa que em pouco tempo saiu da escravidão para um papel de maior relevância na Galáxia, foi subestimado pelos Jedis. Ao ver Obi-Wan rapidamente subir na Ordem, Anakin naturalmente esperava a mesma velocidade. Ao ser “segurado” por Obi-Wan, que dava feedbacks negativos, Anakin sempre encarou as críticas como “inveja” e “insegurança” . Pelo que sabemos, mesmo como Darth Vader ele nunca mudou de opinião.

Em A Ameaça Fantasma, Mestre Yoda dá a dica ao explicar que “O medo é o caminho para o Lado Negro. O medo leva à raiva, a raiva leva ao ódio, o ódio leva ao sofrimento.” Anakin temia por sua mãe, que foi forçado a abandonar para assumir um grande papel. Ao perdê-la, se sentiu frustrado. Ao não poder se relacionar abertamente com Padmé, também se sentiu injustiçado. Ele faz uma sequência de más escolhas, que reforçam a análise de Obi-Wan de que ele não estava pronto. Sem priorizar a saúde mental, Anakin nunca teve controle emocional. Tudo que faz é por ímpeto e paixão. Mesmo que ainda no Ataque dos Clones, Obi-Wan ainda o influencie, em A Vingança dos Sith Anakin revela seu ressentimento. Sucumbe à influência de Palpatine, alcança o Poder, mas perde tudo e todos que amava no processo.

Em vez de entender as consequências de suas escolhas, Anakin coloca a culpa de tudo nos ombros do protetor Obi-Wan. Ele não aguenta o fato de que, como o Jedi sempre o lembra, Obi-Wan está em um patamar acima (“higher ground”).

Mas vamos tentar entender Anakin. Ele é apontado como “o escolhido”. Tem talento, tem conflitos e traumas, mas suas visões políticas refeletem um desejo genuíno de fazer a coisa certa. Só que tem pressa. Ao só perceber a ordem Jedi como algo restritivo, quase elitista, abraça os Sith, que sempre oferecem ajuda, liderança e a ideia de uma “ditadura benigna”. (Se Anakin encontrasse Daeneryen Targaryen de Game of Thrones seria o casamento feito no paraíso. Mas ambos perderam.)

Obi-Wan, fiel aos princípios da geração X, “fez o que precisava fazer”, sofrendo as consequências com resilência e reflexão. Sabe que falhou, múltiplas vezes, e que não soube ajudar Anakin. Com diálogos melhores, a série Obi-Wan Kenobi bate nessa tecla quando os dois se reencontram pela primeira vez em 10 anos, com o Jedi chocado em ver o ex-aprendiz como Darth Vader. “Eu sou o que você me fez”, diz Anakin. A frase que vai direto ao coração do sofrido Obi-Wan.


Obi-Wan volta a pedir perdão. Em A Vingança dos Sith, ele disse “eu falhei com você, Anakin”. Agora simplesmente diz “me perdoa”. No entanto o que ele diz não tem a mesma tradução para Darth Vader, que ouve o pedido apenas como uma admição de culpa que justifica as ações violentas e criminosas do Império.

Uma das vantagens da maturidade de Hayden Christensen como ator, e o avanço da narrativa da saga, não mais assinada por George Lucas, é que foi possível humanizar o inexpressivo Darth Vader, restrito por uma armadura que altera sua voz, sua respiração e movimentos. Agora vemos seu ódio e igualmente sua ansiedade diante de fracassos, quando sua respiração pesada acelera e parece mais vulnerável. Ele vive para superar e provar que seu Mestre está errado, mas a cada passo só entende que Obi-Wan está certo. Vê-lo com a máscara partida, uma imagem sensacional vinda da animação e transporatada para TV, foi de arrepiar.

A falha de Obi-Wan com Anakin desencadeou o período de repressão e violência que apenas Luke Skywalker pôde reverter. Mas, como um carma familiar, o mesmo conflito voltará a fazer os Skywalkers sofrerem em futuras gerações.

George Lucas jamais poderia antecipar sua precisão narrativa ao desenvolver a franquia. O segredo de sua longevidade são as relações humanas. Falhas, mas sempre com a redenção no horizonte.

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