“Por favor, não me faça parecer uma piada”.


O pedido de Marilyn Monroe em uma de suas últimas entrevistas é um desejo que raramente é entendido ou respeitado. Seja por amor, curiosidade ou pura exploração, sua curta trajetória em vida (morreu aos 36 anos), foi documentada atormentada por dúvidas existenciais, psicológicas, reais e imaginárias. Para a lenda que nos fez rir e chorar no cinema, mesmo 60 anos depois de sua morte ela segue sendo minimamente mal-compreendida. Como em Blonde, o filme que nasceu polêmico e que finalmente chegou à Netflix.


Blonde não é bom, não é respeitoso com Norma Jeane ou Marilyn. Uma decepção para mim, que sou fã de Andrew Dominick. Tecnicamente, é excelente. Fotografia, interpretação e trilha sonora. O problema está na origem, no controverso livro de 2000, vendido como ficção biográfica e assinado por Joyce Carol Oates. A autora explorou fatos dolorosos para nos apresentar a dor constante da atriz, criou personagens fictícios e nos faz ver que a sobrevivência de Marilyn por pouco mais de 30 anos podem ter sido sentidos como 90. O drama é tão intenso que parece uma piada. Não há sequer um frame sem lágrimas, suspiros ou dor. Nos incomoda não apenas pela pena que a atriz não queria que tivéssemos, mas também de colocá-la no cenário de “quase loucura” que ela também temia e se recusava aceitar.
Mas vamos aos positivos, pois também estão lá.


A recriação de cenários, figurinos e personagens está perfeita. Até mórbida. A parte final é gravada na casa da atriz, no mesmo quarto onde foi encontrada. Coisas que apenas fã aficcionados reconheceriam, mas que colabora para trazer o realismo. A entrega e a transformação de Ana de Armas é algo impressionante. Ela é Marilyn como nenhuma outra conseguiu ser antes. Pena que seja justamente com uma narrativa tão questionável.
Joyce Carol foi eficaz em trazer para o centro do palco – 22 anos antes de #metoo – a questão da exploração e abusos sexuais aos quais a atriz foi submetida (pena que Ana também tenha que encená-los com tanto realismo), assim como o abuso psicológico que os filmes criaram para Marilyn (a frase de Quanto Mais Quente Melhor que ela diz que não é inteligente é passiva agressiva dos roteiristas irritados com ela, uma ótima sacada de destacar), mas é nas acusações sérias como a de que JFK, por exemplo, tenha sido um predador sexual responsável pelo assassinato de Marilyn que o derrape é pior. Claro que há a versão do envolvimento dele e do irmão dele com a morte dela, mas mostrar em um filme como fato não pode ter o manto de ficção como proteção. É errado.
A trilha sonora de Warren Ellis e Nick Cave merece um post à parte porque aproveita temas adaptados para o filme, não tem espaço aqui.


Blonde vai render uma indicação ao Oscar para Ana de Armas e ela merece. São quase 3h de lágrimas ininterruptas, algo que chega ser cansativo, mas ela entregou uma atuação sem falhas. O filme é claustrofóbico e arrastado, quase repetitivo com Marilyn sem um momento de respiro, em constante espiral destrutivo e choroso. Choroso em exagero. Uma pena, Marilyn Monroe merecia mais.
