“Priscilla, a Rainha do Deserto” foi um dos grandes destaques do Festival do Rio, em 1994. O filme australiano foi o segundo longa dirigido por Stephan Elliott e virou uma febre mundial. Quase 30 anos depois, o mesmo Festival faz uma sessão especial para a produção, que foi remasterizada e será exibida no sábado, 15, no Cine Odeon, com a presença do diretor.
Se hoje a pauta LGBTQ+ é mais frequente em filmes, séries e livros, no início dos anos 1990s estava ainda muito longe de ser o tema principal de um filme. E, portanto, uma produção independente australiana, com uma trilha sonora recheada de sucessos de ABBA (não mais uma banda popular nas casas noturnos fora da Austrália) virou uma febre mundial, conquistando o Oscar de Melhor Figurino em 1995 e reavivando, ao lado de outro filme australiano de sucesso, “O Casamento de Muriel”, a paixão pela música do quarteto sueco. Ninguém ficou menos surpreso com a recepção calorosa internacional do que o próprio Stephan. “Vou dizer isso: em primeiro lugar, não estávamos tentando mudar o mundo. Estávamos seriamente tentando nos divertir. O mundo estava saindo da crise da AIDS naqueles anos. Ser gay geralmente significava ‘morte ou morte’, era tão sombrio. “Priscila” nasceu da busca de comemorar um pouco e ser honesto”, avaliou.


Para quem ainda não conhece o filme, a história gira em torno de um trio de artistas (duas drags e uma trans) que atravessam a Austrália para se apresentar em um cassino de uma pequena cidade no meio do deserto. No meio do caminho, vivem uma série de aventuras – algumas mais divertidas que outras – e descobrem o valor da amizade e família. A Priscilla do título é o nome dado ao ônibus que compram para poder fazer a viagem. “Só recentemente foi apontado para mim que escrevi a primeira personagem trans como a líder em um filme. Ela era a principal, mas não fiz isso deliberadamente”, ele comentou.
Já na época do lançamento, o filme gerou surpresa ao escalar três atores héteros, Terence Stamp, Hugo Weaving (antes de Matrix e Senhor dos Anéis) e Guy Pearce para os papéis principais. Mesmo com atuações elogiadíssimas, seria algo inimaginável nos dias de hoje tê-los no elenco principal, como Stephan reconhece. “Se eu tentasse fazer esse roteiro hoje, provavelmente não deixariam. Faria outro filme, hoje me forçariam a fazer um movimento mais político”, diz ele. “Escapuli pelas rachaduras e estou feliz por ter conseguido porque a maioria das pessoas me agradecem pessoalmente dizendo que o filme ajudou a sair do armário, a famílias entenderem seus filhos gays. Fico feliz que “Priscila” tenha aberto uma porta”, Stephan avalia.
Depois de “Priscilla”, Stephan fez filmes de outros gêneros, incluindo suspense e drama, trabalhando com estrelas mundiais como Colin Firth, Ewan McGreggor, Jessica Biel e Olivia Newton-John, para citar alguns. Também recontou um pouco sua história pessoal em um dos curtas de “Rio, I Love You”, com Marcelo Serrado e Ryan Kwanten, mas nenhuma das obras alcançou o mesmo reconhecimento que o filme. Ele mesmo brinca com isso. “Quando fiz “Easy Virtue” [baseado em uma peça de Noel Coward] foi uma alegria absoluta. Colin [Firth] foi uma alegria e Jessica [Biel] também, mas, na estreia, todos queriam falar comigo sobre “Priscilla, a Rainha do Deserto””, ele lembra brincando uma irritação, mas emendando logo. “Demorei um pouco, mas percebo o quão importante o filme foi para tantas pessoas e comecei a amá-lo novamente”.


A versão remasterizada que volta aos cinemas trouxe surpresas para o diretor, algumas que brinca serem constrangedoras como poder se reconhecer em uma cena com a peruca fazendo uma tomada de costas, no lugar de Terence Stamp. “Eu sei que estou olhando para mim mesmo dizendo “Oh meu Deus, sou eu”, ele brinca.
Atualmente Stephan se sente mais aberto a considerar trabalhar em uma continuação da história, embora tenha receio que com o momento atual não possa repetir muito do que fez em 1994. Uma das razões pela qual repensou sua inicial rejeição à ideia foi o trabalho feito para transformar “Priscila, A Rainha do Deserto” em um extremamente bem sucedido musical no teatro (tendo ficado em cartaz no Brasil também). “O musical estreou em 28 países e ainda temos mais 15 pela frente”, avisa. “Quando chegamos ao musical no palco, pude evoluir a história com algumas cenas não tinha pensado antes e que consegui incluir. Mas, “Se” (reforçando a incerteza) houver continuação, teria que levar em conta as mudanças atuais e trabalhar nelas, porque de fato muita coisa aconteceu de 1994 até hoje. É bom pensar que algo que pode continuar vivendo em vez da maioria dos filmes que fica travada no tempo. Acho “Priscila” é um veículo onde poderíamos continuar crescendo”, comenta.
Uma coisa temos certeza: qualquer continuação terá uma trilha sonora tão espetacular como a primeira. O filme “Priscilla, A Rainha do Deserto” vai ser o destaque da Sessão Midnight do Festival do Rio, no sábado, dia 15, no cinema Odeon, às 22h45.