No livro Fogo e Sangue, a motivação dos Hightowers é puramente Poder. Já em House of the Dragon há maior complexidade nas decisões dos Verdes, mas, ainda assim, mais do que escolher quem “tem direito ao Iron Throne” a luta mais dura nos bastidores é pela posição de “quem manda no Rei”, também conhecido como Mão do Rei. Essa mudança traz um nuance à história pois há divisões nos dois lados.
No episódio 9 da 1ª temporada, não há muitos representantes do lado de Rhaenyra Targaryen. Ela acabou de deixar King’s Landing depois de um jantar tenso, com o compromisso de voltar e conversar com Alicent, sua madrasta e ex-melhor amiga. As duas deram sinais de que finalmente voltariam a se entender, como Viserys pedia há 20 anos, mas justamente a morte do Rei vai reavivar a animosidade dentre elas. Especialmente porque Otto Hightower deixou de lado qualquer fingimento de suas intenções ou ações. Ele quer o neto Aegon II como Rei (se enganando que poderá mandar no rapaz) e quer Rhaenyra e seus aliados mortos. Alicent nunca entendeu que ele sempre defendeu a aniquilação de Daemon e Rhaenyra, e agora voltou a se opor à estratégia paterna.


Para variar, o sentimento de “fazer a coisa certa” de Alicent é um ônus para os dois lados. Ela não quer usurpar o Poder, mas graças à Otto já plantou a semente da discórdia em seus filhos, acaba sendo mais perigosa ao tentar convencer Rhaenyra de aceitar a derrota do que sendo simplesmente cruel. Esta trajetória será incrível para Olivia Cooke pois Alicent Hightower é uma mulher cheia de complexos e rancores, é mais forte do que deixava parecer, mas indecisa sobre o papel que deve assumir.
Como ela deixou claro no episódio 7, o que alimentou contra Rhaenyra foi uma inveja/rancor/irritação/indignação quanto ao comportamento da Princesa que é oposto ao seu de resignação. Ver que sua obediência a impede de conhecer as boas coisas da vida é uma dor constante na presença de Rhaenyra, mas também é o que ela admira(va) na amiga. O maior erro de Alicent não é se fazer de cega à natureza diabólica de seu pai, mas achar ainda que pode transformar Rhaenyra em uma versão dela mesma. Rhaenyra é puro fogo, caótica e inconsequente, embora a proximidade a ascensão a tenha finalmente transformado em uma mulher mais atenta e pacífica. Como mencionei, é tarde demais pois Otto está sempre à frente de todos em suas jogadas. Mesmo que Alicent tente convencer a enteada que Aegon II deve ser rei, o ódio entre tios, sobrinhos e irmãos é irreversível.


Na série, Otto Hightower parece subestimar Alicent que foi rápida na corrida de “ter a posse” de Aegon II. A preocupação dela é a de tentar mostrar a todos que a tradição (homens à frente das mulheres) não precisa incluir guerra. Me lembra ela ainda nova falando para Rhaenyra que “as coisas não precisam ser assim”. Como sabemos, Aemond e Aegon II odeiam a meia-irmã, seus filhos e seu tio, não precisam de muito para concordar com o avô e vão acelerar o início da guerra civil no episódio 10. Os Verdes ainda não estão unidos 100%, mas isso vai mudar depois de Blood e Cheese fizerem uma “visita” à Haelena e seus filhos…
Na Internet – e nas redes sociais brasileiras – a “castidade” de Alicent já virou piada e fonte de memes, e ela é muito complicada. Não é errado considerar que ao obedecer ao pai, “consolando” Viserys, que Alicent se prostituiu pelo Poder. Ela sempre quer forçar uma narrativa de conformidade, mas é mais complexo do que isso. As relações sexuais com o marido eram parte de sua “obrigação”, não havia carinho ou prazer. Sua ligação com Ser Criston Cole é “casta”, mas intensa e apaixonada. E com Ser Larys Strong é uma relação sexual pervertida, sem contato físico mas com a mesma submissão que tinha ao marido. Com os dois (amantes platônicos?), Alicent mantém uma importante rede de informação e de força, que equilibra a desvantagem estratégica que tem em relação ao seu pai.


Foi interessante ver que nem seus filhos, em especial Aegon, se iludem que Alicent os ama verdadeiramente. Enquanto Rhaenyra é puro carinho e amor com os seus, Alicent trata Aegon aos tapas, Haelena com uma impaciência quase indisfarçada e com Aemond também é fria. O que a enfraquece tremendamente no jogo pelos tronos. Se colocar à frente do filho entre a dragão Meleys foi o primeiro gesto genuinamente materno de Alicent em toda temporada.
É difícil alcançar a “inocência” de Alicent nesse jogo, como Otto mesmo a confrontou quando foi expulso anos atrás, mas ela insiste. Como sabemos agora, Otto ia agir independentemente da decisão dela de entender o murmuro do marido à beira da morte como a escolha de mudar a sucessão. Aegon também a ridiculariza, duvidando do que ela ouviu pois na véspera da morte Viserys se arrastou até ao trono mais uma vez para defender Rhaenyra como Rainha. Papo de doido!


Mas agora a coroa está publicamente na cabeça de Aegon, que rapidamente gostou do que sentiu quando passou a ser Rei. Não demorou dois segundos, aliás!
Vou discutir Rhaenys rapidamente. A mais injustiçada de todos, a neutra em toda disputa, se definiu completamente ao ver que uma mulher estava tirando de outra mulher o que era dela por direito. Alicent foi quase cruel em jogar a ausência de 6 anos de Ser Corlys – na guerra defendendo a Coroa – como uma rejeição à mulher. Foi baixo. E estúpido. O que ofereceu à Rhaenys – “fique com Driftmark”- é menos do que ela já teria se não houvesse o golpe. Sua neta seria Rainha de Westeros quando Lucaerys seguisse Rhaenyra e Driftmark já era da outra neta que ia se casar com Lucaerys. Ao resgatar Meleys para poder fugir de King’s Landing, Rhaenys teve a oportunidade de tirar os principais articuladores do conflito – Otto, Aegon, Aemond, Criston Cole, para citar poucos, mas se penalizou do gesto materno de Alicent. Um erro fatal – para ela – que veremos, infelizmente, na 2ª temporada.


