A “verdadeira” Lady Chatterley

Como publicado em CLAUDIA.

Houve muito comentário na alta sociedade britânica quando, no final dos anos 1920s, o escritor D.H. Lawrence lançou clandestinamente o romance cujo título deixava pouca dúvida sobre o tema escandaloso: O Amante de Lady Chatterley. Sua heroína, a jovem nobre Constance Reid, vivia um casamento de fachada com o marido cadeirante, e descobre os prazeres do sexo com outro homem. O problema nem é o adultério, mas porque ele acontece com o guarda-caça de sua propriedade, um homem de origem simples e que jamais poderia ser aceito nas rodas onde ela circulava. Com linguagem considerada chula e descrições detalhadas dos encontros sexuais dos dois, havia algo a mais que gerava um tititi. É que para os ingleses ficou muito claro quem poderia ter inspirado o autor para escrever o livro, ninguém menos do que sua protetora, Lady Ottoline Morrell. Mas quem estava na Inglaterra não teve acesso ao livro, que foi banido “por indecência” até os anos 1960s. Pois é, isso é verdade.

Ottoline era filha de um general escocês e uma Baronesa inglesa, com parentesco ligado diretamente à Casa de Windsor. Era prima-irmã da Rainha Mãe, e de segundo grau de Elizabeth II. Estudou economia política e história romana em Oxford e era patrona de muitos artistas renomados. Infelizmente, para sua decepção, muitos dos seus protegidos mais tarde viriam a fazer retratos negativos e caricaturais de sua vida, como veremos a seguir.

Com um metro e oitenta de altura, cabelos ruivos e uma queda por figurinos extravagantes, Ottoline teve vários amantes mesmo antes do casamento com Philip Morrell, em 1902. Assim como ela, Philip amava Arte e tinha pensamentos liberais (um paralalelo claro com Constance e Clifford Chatterley, do livro de D.H. Lawrence) e firmou com a esposa que teriam um casamento aberto. Assim, ela seguiu com seus romances com homens e mulheres, que incluíram desde o filósofo Bertrand Russell à pintora Dora Carrington. Mas foi o fato que teve abertamente um caso com um funcionário, Lionel Gomme, que chocou os amigos. O preconceito e o esnobismo inglês eram ainda mais fortes naqueles tempos e como Lionel trabalhava na propriedade dos Morrells, em Garsington, levou a muitos a acreditar que ele fosse a inspiração para o amante de Lady Chatterley, Oliver Mellors. Difícil não concordar.

Embora oficialmente não tenha feito sexo no bosque, o affair com o jovem pedreiro que vinha esculpir pedestais para suas estátuas de jardim foi pauta para os fofoqueiros de plantão, que aproveitaram da imaginação do escritor. Dizem que Ottoline ficou profundamente magoada com a representação de D.H. Lawrence em outro livro inspirado nela, Mulheres Apaixonadas porque achou que ele zombou dela dizendo que tratava os convidados “como prisioneiros comandados para exercícios”. E ele não foi o único.

Isso mesmo, o estilo de vida de Lady Morrell inspirou alguns dos maiores clássicos da literatura do século 20. Além de O Amante de Lady Chatterley ela foi retratada em Contraponto, de Aldous HuxleyMulheres Apaixonadas também de D. H. LawrenceCampo de Batalha, de Graham Greene e na peça teatral Forty Years On, de Alan Bennett, apenas para citar alguns dos mais famosos. Quadros e fotos dela estão na National Portrait Gallery, em Londres. E apareceu como personagem secundária em filmes biográficos de artistas que protegia, com os filmes WittgesnteinCarrington , Benediction e Tom & Viv.

No fim, o destino foi um tanto cruel com os Morrells. Apesar da aparência luxuosa, o casal enfrentou problemas financeiros que os forçaram a vender propriedades e viver com menos pompa. Ottoline foi diagnosticada com câncer, o que demandou a remoção de seus dentes inferiores e parte de sua mandíbula e veio a falecer dez anos depois, em 1938, como consequência de uma droga experimental administrada por um médico. Embora a literatura tenha sido dura com ela, outra amiga, crítica e protegida, Virginia Woolf, se redimiu pelo julgamento e fez a mais bela definição de quem foi Lady Ottoline Morrell: “um espírito corajoso, ininterrupto, deliciando-se com a beleza e a bondade, e com o amor de seus amigos”. E uma musa inigualável.

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