De surpresa à polêmica, o Oscar e suas incongruências

Quem acompanha o Oscar sabe que uma boa atuação é apenas a metade do trabalho para garantir sua estatueta. Há anos ficou ainda mais claro o peso das campanhas de marketing que conduzem a trajetória até a indicação e, depois dela, à vitória. Harvey Weinstein era tão agressivo que quando a Miramax surgiu e era “pequena”, mas barulhenta. Sua maneira de trabalhar (os bastidores de sua postura predadora só veio à tona anos depois) era tida como efetiva. Ele “fez” de Gwyneth Paltrow, Matt Damon e Ben Affleck estrelas premiadas antes dos 30 anos, com produções fora do circuito dos grandes estúdios. Que fique claro que eles não devem nada à ele, seriam estrelas por seu mérito, mas ele esteve por traz das campanhas que os colocaram em evidência. Isso mesmo, campanhas.

A política para estar entre os indicados ao Oscar depende de bom trabalho, conexão e influência. Só quem já foi indicado pode votar, portanto cada membro da Academia conta muito. E esse ano a surpresa, com toda pinta que será a ‘zebra’ na categoria de Melhor Atriz, é Andrea Riseborough por um filme que ninguém viu ainda, To Leslie, mas com alguns dos lobistas mais influentes do mercado. Porém a discussão se Andrea teria ‘burlado as regras’ está manchando uma performance unanimamente elogiada. Uma vergonha!

To Leslie é uma produção independente que traz Andrea em uma atuação com todas as tintas que pintam os quadros do Oscar: sem glamour, sem maquiagem, uma mulher lidando com o alcoolismo e o drama da destruição da bebida em sua vida. Definido como o Despedida em Las Vegas do ano (filme que rendeu Oscar a Nicolas Cage), é uma produção tão pequena que não tem budget para divulgação. Bem relacionada, encontrou em seus amigos influentes uma campanha independente por sua indicação, que funcionou e tirou a vaga de outras atrizes consideradas favoritas, como Viola Davis, por exemplo. Em outros tempos, seria um escândalo, mas inconsequente. Em tempos atuais? Está sendo investigado e a indicação pode ser cancelada.

Que fique claro que Andrea Riseborough é uma grande atriz. Trabalha há anos na Indústria e é adorada por todos. Sua indicação não é injusta, mas está sendo símbolo de como as campanhas em tempos digitais estão sendo acompanhadas de perto. E digo mais, se não for excluída, tinha tudo para ser a zebra do ano e se ficar, pode ser a grande favorita de 2023, mais do que Michele Yeoh.

“É objetivo da Academia garantir que a competição do Prêmio seja conduzida de maneira justa e ética, e estamos comprometidos em garantir um processo de premiação inclusivo”, diz o comunicado oficial da Academia. “Estamos revisando os procedimentos de campanha em torno dos indicados deste ano, para garantir que nenhuma diretriz foi violada e para nos informar se mudanças nas diretrizes podem ser necessárias em uma nova era de mídia social e comunicação digital. Temos confiança na integridade de nossos procedimentos de nomeação e votação e apoiamos campanhas de base genuínas para desempenhos excepcionais.” Dia 31, terça-feira, confirmam a decisão.

Não houve denúncia formal contra Andrea Riseborough, mas as redes sociais citam duas infrações na campanha: o agente da atriz teria mandado e-mails para membros pedindo voto por ela e a atriz Francis Fisher fez um post citando as concorrentes por nome ressaltando o trabalho da estrela de To Leslie em comparação à elas. Ambas iniciativas são expressamente proibidas.

O que mais lamento de tudo é que a provável vitória de Andrea tenha ganhado uma proporção lendária por motivos errados, como a de Marisa Tomei nos anos 1990s. Marisa era a única americana indicada na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante, estava entre as maiores estrelas britânicas do teatro e quando seu nome foi anunciado como o da escolhida, a versão que rolou foi que Jack Palance teria “errado” o nome e falado o dela. Décadas depois La La Land efetivamente foi anunciado erradamente como Melhor Filme do ano e vimos como foi consertado na hora. Mesmo com todos desmentidos, até hoje Marisa é lembrada pelo fato. Andrea será também e não merece.

Temos pouco mais de um mês até a cerimônia do Oscar e se os votantes ainda não tinham visto To Leslie, agora certamente tentarão ver. Que o mérito vença e que Andrea se recupere dessa triste campanha difamatória contra ela. E estávamos falando que não haveria dramas no Oscar de 2023. Um tapa antes da festa? Será?

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