No final de 2022, na primeira Conferência dos Fãs de Game of Thrones, Kit Harington foi uma das principais atrações do evento, sendo generoso e franco na sessão de perguntas e respostas sobre a série, embora misterioso com o futuro de Snow. Divertido, simpático e direto, ele compartilhou sua opinião sobre muitas coisas, desde o final ao seu julgamento pessoal sobre Jon Snow. Esperei alguns meses – por falta de tempo e para sedimentar – para recuperar alguns dos assuntos que me fizeram voltar à série. Aproveitando o hiato forçado de House of the Dragon, vale olhar para trás.
Em um momento, um fã pede à Kit que cite uma trama da qual Jon não fazia parte e que ele gostava. O ator nem gaguejou: “Eu gosto muito de Jamie Lannister. Eu acho que ele é um cínico e um anarquista e eu realmente gosto disso, dessa história”, resumiu. Como nós concordamos, vamos falar dos dois homens que “salvaram Westeros”, apenas para se tornarem os homens mais odiados e criticados no universo de Game of Thrones.

Starks e Lannisters: Lobos e Leões, com Dragões entre eles
Para os iniciados, sabemos que o antagonismo entre as Casas Stark e Lannister era como oxigênio para os membros de cada uma delas. Os Lannisters, ricos, políticos e sempre próximos do Poder. Os Starks isolados, soturnos, mas leais. A distância física de seus domínios nunca colaborou para que a desconfiança mútua terminasse, ao contrário, só cresceu com o tempo.
No caso da série GOT, “A Revolta de Robert Baratheon” é citada, mas não a vimos acontecer. Em resumo simplista, Robert se rebelou contra o rei Aerys II (pai de Daenerys) depois que o filho mais velho do monarca, Rhaegar Targaryen, ‘sequestrou’ Lyanna Stark, prometida a Robert. Para piorar, Aerys II matou cruelmente o pai e irmão mais velhos de Ned Stark, que foram tomar satisfação sobre o tal “sequestro”. Em uma batalha, Robert matou Rhaegar, mas ainda precisava tomar King’s Landing o que só foi possível porque Jamie Lannister, que protegia pessoalmente Aerys II, traiu o rei, o esfaqueando pelas costas. Lyanna foi encontrada morta e a Casa Baratheon tomou a Coroa.
Embora Jamie tenha ‘ajudado’ Robert, Ned sempre olhou para o Comandante da Guarda Real com desprezo pois quebrou seu voto de lealdade ao matar Aerys. Nem mesmo quando Jamie aludiu que o fez porque se revoltou com o que testemunhou quando o pai e o irmão de Ned foram mortos, o Guardião do Norte mudou sua opinião. Para ele, Jamie era um Kingslayer, um homem sem honra. Voltaremos a isso pois Jamie e Jon são os dois lados da moeda na história.
Twyin Lannister era o Mão do Rei Aerys II, uma posição semellhante ao que vimos Otto Hightower em House of the Dragon. Assim como Alicent antes dela, Cersei era o trunfo dos Lannisters para que eles eventualmente estivessem no Iron Throne e quando Robert Baratheon virou Rei, Cersei (gêmea de Jamie) se casou com ele, colocando os Lannisters onde sempre quiseram estar.
Nesse breve resumo identificamos mais de um ponto que une os dois heróis, ambos trágicos, falhos e com uma base de fãs apaixonadas. E mais interessante, com caminhos opostos.

As coisas que fazemos por amor
De todas as frases icônicas de Game of Thrones, o conflito entre Amor e Dever está no coração de todas as decisões, erradas ou certas. Os Starks são por Dever antes de tudo. Os Lannisters relativizam as obrigações de acordo com seus desejos e assim vamos acompanhando cada Casa em decisões difíceis.
Confirmamos na 5ª temporada que Ned não era tão honrado como dizia, ou melhor, era ainda mais honrado do que se passava. É que por amor mentiu para todos pois Jon é o filho de Lyanna Stark e Rhaegar Targaryen, fruto de uma união de amor e legítima. Sabendo que a informação causaria a morte do sobrinho, Ned Stark jamais revelou a verdade, nem mesmo antes de ser executado. Jon foi criado como seu filho bastardo. Poderíamos achar que Ned estava sendo injusto com Jamie e não estaríamos errados. Jamie colocou o Dever antes do Amor ao matar Aerys II. O Rei ia matar Twyin Lannister, mas Jamie se manteve firme sem interferir para salvar seu pai. Apenas quando o Rei Louco se movimentou para matar toda população de King’s Landing que Jamie, para salvar milhões, jogou sua reputação no lixo e matou o Rei. O que Ned teria feito em seu lugar? Não saberemos porque Jamie, que se ofendia em ter que se explicar a um Stark, jamais falou o que realmente aconteceu. Talvez Ned não acreditasse nele de qualquer forma…


A aversão entre os dois homens foi colocada novamente à prova quando Ned Stark passou a ser a Mão do Rei. Isso aconteceu logo depois que Bran Stark foi encontrado desacordado ao pé de uma Torre depois de uma queda. O que houve? Bom, a verdade é que Jamie e Cersei eram amantes incestuosos e todos os filhos de Robert Baratheon eram seus apenas em nome, pois o verdadeiro pai era Jamie Lannister. Bran testemunhou um encontro dos dois e para salvar Cersei, Jamie o empurrou da torre alegando “as coisas que fazemos por amor”. “Alguém” usou a queda de Bran como gancho para alimentar o conflito entre Starks e Lannisters (alô Littlefinger!) e assim vimos em Game of Thrones como a história se desenrolou a partir daí.


Durante a curta estadia da Corte em Winterfell, Jamie e Jon se esbarram uma única vez, com Jamie ironizando a escolha de Jon de ir servir na Muralha. Nas primeiras temporadas, Jamie era mesmo um lixo, o antagonista cruel e cínico, um “típico” Lannister. Sua única diferença era gostar de seu irmão rejeitado, Tyrion. Aos poucos vamos vendo outro lado dele e mudando de opinião… isso mesmo, vamos nos apaixonando por Jamie Lannister, cada dia mais alinhado com os princípios dos Starks do que sua própria família. O que sempre o faz mudar de lado é seu amor incondicional por Cersei, que só alimenta o pior no irmão-amante. Quem realmente muda sua posição é, que ironia, Catelyn Stark.
Ao ser capturado pelos Starks, Jamie vê as semelhanças entre Catelyn e Cersei, e de alguma forma deixa aflorar uma humanidade que nem Twyin ou Cersei encorajavam. Seu convívio com Brienne de Tarth, que o acompanha a pedido de Catelyn, vai mudando o curso de Jamie, cujas boas ações nunca são vistas por causa. de sua fama como Kingslayer. Todos outros traidores se entendiam, mas ele ficou com o pior dos fardos. Sua transformação é lenta, cheia de drama e tragédias, mas ele consegue ser honrado para sua Casa e amoroso com as pessoas. Nunca 100% respeitado ou compreendido.
Enquanto isso, Jon Snow vem crescendo como o herdeiro mais fiel à Ned Stark, um homem de coragem e honrado… até quando?


Jon Snow: o bastardo que era príncipe
Jon Snow sonhava em servir na Muralha, mas apenas os Lannisters o alertaram que não era o que pensava. Tanto Tyrion como Jamie ridicularizaram seus sonhos. Chegou em Castle Black um menino, saiu de lá uma lenda.
Jon, que cresceu sem saber de sua origem, tinha em Ned toda sua razão de viver e compasso moral. Sua lealdade e senso de Dever geram mais problemas para ele do que o ajudam, mas é além da Muralha, quando conhece os Freefolks e Igritte, por quem se apaixona, que Jon vai se transformando em um homem. É morto e trazido de volta à vida, recupera Winterfell de seus inimigos (ajudado por e ajudando Sansa), é nomeado o Rei do Norte e tenta preparar não apenas seu povo para lidar com a ameaça dos Night Walkers como todo o Reino.


A chegada de Daenerys em Westeros não poderia ter sido em pior momento. Cersei parecia estar fragilizada tendo perdido todos os filhos e tomado a Coroa para si. Eliminou seus inimigos, mas tem um Jamie mais humano ao seu lado, o que a atrapalha mais do que a ajuda. E Jon só se preocupava com o que estava vindo além da Muralha. Alheios da verdade que são tia e sobrinho, Jon e Daenerys se apaixonam e o que seria uma combinação imbatível sucumbe às artimanhas políticas e à crescente sede de Daenerys pelo Poder absoluto. Em um carma trágico, as posições se invertem. Jamie rompe com Cersei pelo Dever de salvar Westeros e Jon é colocado na mesma posição que o Cavaleiro tantos anos antes.


Como filha de Aerys II, Daenerys lutava com a fama da insanidade Targaryen, mas em um rompante, destrói King’s Landing, matando milhares de inocentes (e seus inimigos também). Já ciente que Jon não apenas é mais popular como tem prioridade sucessória sobre ela, o vê como ameaça e mais ainda, vê os que também sabem da verdade como inimigos. Pressionado por Tyrion e pelo Amor que tem por sua Família, Jon trai Daenerys a matando com uma facada quando ela menos espera. Jon Stark agora é um Queenslayer. Assim como aconteceu com Jamie antes dele, não há agradecimento de ninguém que ele salvou, apenas desprezo. “Salvo” pela lábia de Tyrion de ser executado, acaba seus dias onde começou: servindo à Muralha e os Night Watchers.
“Acho que houve várias coisas que todos nós poderíamos ter feito de maneira diferente ao longo do show”, disse Kit Harington no Game of Thrones Con. “Não apenas nas últimas temporadas, mas acho que a história está certa e acho que John matando Danny, desculpe, acho que é o final certo”, completou.


Arcos opostos: Jon é exilado, Jamie um herói
Mesmo com a conclusão controversa, Jon Snow foi o grande herói da série. A redenção de Jamie Lannister foi emocionante, uma trajetória de sonhos para apreciadores de boas histórias.
“Ele é alguém que [no início] está tentando negar seu coração, está tentando fingir ou reprimir suas emoções. Eu acho que Nikolaj [Coster-Waldau] está incrível, um ator brilhante e foi incrível nesse papel. E acho que havia algo sobre Jamie Lannister que me conectou”, disse Kit resumindo o que sentimos também.
Ter Jon Snow, herói, e Jamie Lannister, antagonistas, percorrem caminhos paralelos é uma das coisas mais inteligentes de Game of Thrones. Esse paralelo será igualmente importante para Snow, pois na futura série, Jon estará na mesma posição que vimos Jamie começar: um homem angustiado por suas escolhas, para sempre lembrado como traidor (mesmo que tenha salvado o mundo).
“Há sempre esse sentimento de que queríamos algum tipo de sorriso ou saber que as coisas estão bem”, diz o ator sobre a última cena da série, com Jon Snow saindo com os Freefolks para o Norte acima da Muralha. “Ele não está bem”, ele explica. “Ele pensou que saiu impunemente [de ter matado Daenerys]. No final do show, quando o encontramos naquela cela, Jon está se preparando para ser decapitado e ele quer ser. Ele está acabado. O fato ir para a Muralha é o maior presente para ele e também a maior maldição porque ele tem que voltar ao local e viver sua vida pensando em como ele matou Danny, pensando em Igritte morrendo em seus braços, e viver sua vida pensando em como enforcou Ollie. Viver sua vida pensando em todo esse trauma”, ele admite dando involuntariamente uma dica de alguns dos temas abordados em Snow. E mais, além dessas culpas, Jon vive com a vergonha quando pensa em Ned Stark.
“Ned teria desaprovado [Jon traindo Daenerys], eu acho. Acho que Ned tinha tudo a ver com dever e honra e você serve, você serve, você serve e acho que é sobre isso que Jon está confuso no final, quando está naquela cela com Tyrion e diz que ‘não sei se fizemos a coisa certa’, Kit avaliou. “O principal conflito de John é ser honesto ou fazer que é certo. Ele fica preso porque não pode mentir, não pode fazer nada que não seja honesto. E, no entanto, às vezes isso é a coisa errada a fazer”, avaliou. “Acho que ele gostaria de poder fazer a coisa errada, mas não pode. Ele simplesmente não foi construído dessa maneira”, completou. Um paradoxo que coloca Jon Snow e Jamie Lannister como dois lados de uma mesma moeda, uma história típica de Game of Thrones.

Ana, simplesmente amo seu site e análises. Essa ficou espetacular.
CurtirCurtido por 1 pessoa
Ah!!!!!!! Obrigada!!!!!!!
CurtirCurtir