Dever ter alguma associação de Dependentes de Tetris Anônimos. Se houver, entraria, sem dúvida. Não posso chegar perto do jogo, não consigo parar. Sou tão viciada que celebrei o trailer do filme Tetris, que a Apple vai lançar no final de março. Estrelado por Taron Egerton (de quem sou fã), o filme reconta a incrível história de como o jogo foi criado e ganhou o mundo. O jogo perfeito, como chamam. E é.
Tetris tem uma base simples de formar um quebra-cabeça. As peças vão caindo do topo até o chão, e o que você precisa fazer é controlar o encaixe dessas peças – girando, empurrando para o lado – até que forme linhas completas ou caixas perfeitas, que desaparecem e tudo recomeça mais rápido até que a velocidade é tamanha e você… perde. Basicamente mesmo que você avance incrivelmente, a probabilidade de criar um novo trabalho inacabado aumenta. Isso desencadeia uma motivação para tentar de novo e de novo e quando você menos espera, se passaram horas.
Especialistas – incluindo psicólogos – tentaram encontrar a razão do vício rápido provocado por tetris, com muitos estudos e definiram um fenômeno que ficou conhecido como “efeito Tetris”. “Tetris cria um mundo onde a ação é mais rápida do que o pensamento – e isso é parte da chave do motivo pelo qual é tão absorvente. Ao contrário de grande parte da vida, o Tetris faz uma conexão imediata entre nossa percepção de como podemos resolver um problema e os meios para começar a agir sobre ele”, escreveu Tom Stafford em um artigo de 2012 que investiga a Psicologia do Tetris.
O jogo – considerado um dos primeiros videogames – foi criado em 1984 por Alexey Pajitnov, um engenheiro de software da antiga União Soviética. Ele estava trabalhando em um teste em um programa que estava desenvolvendo e usou o conceito do jogo pentomino, um quebra-cabeça onde todas podem ser organizadas combinando cinco quadrados até que consiga organizar as 12 peças sem espaços dentro da caixa. No caso do programa de Alexey, ele reduziu para quatro quadrados em sete formas em vez de 12. Como gostava de tênis, o engenheiro batizou o software de Tetris, uma combinação do número 4 em grego (tetra) com tênis. Incrível, não? Claro, já com o protótipo ele mesmo ficou viciado.
Pois é, o filme vai mostrar como – em plena Guerra Fria – o Tetris saiu do bloco soviético para o mundo capitalista. A história é genuinamente incrível.

Depois de criar o programa, os engenheiros russos com acesso a um Electronika 60 também curtiram o jogo, que ficou popular entre eles mesmo sem recursos gráficos e pouca memória. A chance do upgrade veio quando Alexey ganhou uma missão de adaptar seu jogo para um computador mais evoluído, o IBM PC, que tinha melhores gráficos. Para ajudá-lo, chamou um estudante de 16 anos, Vadim Gerasimov (hoje um dos engenheiros do Google). Foi uma febre imediata. Logo todos russos com acesso a um computador tinham Tetris rodando neles.
Em um regime comunista, sem surpresa, apesar do grande sucesso, não havia retorno financeiro para seu criador. Até porque, todas as idéias e direitos pertenciam ao Estado. Nem mesmo Alexey Pajitnov sequer tinha imaginado que ele tinha um “produto” em mãos ou existia o conceito de “pirataria”. Quem gostava do Tetris, copiava o jogo em disquetes e compartilhava, inclusive em outros países da Cortina de Ferro. Na Hungria, que era um pouco mais aberta para cultura ocidental, um vendedor da Andromeda (uma empresa de software), Robert Stein, conheceu o jogo. Isso já era em 1986. Robert percebeu o potencial imediatamente e queria os direitos para vender. Mandou um telex (na época, antes de fax, era o SMS ou whatsapp da época) para Alexey, que nem falava inglês.


A oferta por si só – que era lucrativa e garantia a Alexey um significativo adiantamento – podia significar a prisão do engenheiro se não fosse feita de forma transparente. Ele começou a ver como como poderia fazer o negócio por meio do Estado, mas Robert, empolgado, interpretou erradamente que a resposta já era positiva e começou a produzir o jogo. Quando já estava para lançar o produto foi que recebeu a reposta da organização soviética que supervisionava as exportações de software e hardware negando os direitos. Ou seja, Robert Stein um imbróglio legal e diplomático inacreditável que levou anos para ser resolvido. Em 1988, quando o Tetris foi lançado para PC tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos, o drama ainda estava no auge, chegando até a envolver o líder soviético Mikhail Gorbachev (como aparece no filme).
Com seu DNA viciante, sem surpresa o Tetris também fez sucesso no ocidente, sendo muito vendido em computadores. Mas vejam que incrível, já naqueles tempos se percebia que o maior valor do setor de jogos estava em outra área: nos consoles, não nos programas ou computadores. Quem viu o potencial milionário do jogo soviético nesse cenário foi um desenvolvedor de videogames holandês, Henk Rogers. Henk, que vivia no Japão e que conhecia o Game Boy, um console portátil de jogos da Nintendo, lançado em 1989. O sistema seria lançado nos Estados Unidos e na Europa e Tetris era perfeito para ele. Precisou convencer o fundador da empresa, Minoru Arakawa, que já tinha os direitos do Super Mario. Seu argumento? Mario era para crianças, Tetris? Para todos.
A essa altura a briga pelos direitos já era uma guerra e Henk precisou ir pessoalmente à União Soviética, com um visto de turista, para ver se conseguia elucidar como garantir os direitos definitivamente. Claro, que foi como as peças caindo do céu do Tetris, a sensação era que jamais ganharia. Hoje é difícil lembrar, mas na Guerra Fria havia uma desconfiança assustadora de qualquer contato entre soviéticos e russos, o que era pior se envolvesse o Governo. Henk foi interrogado e chegou a temer por sua vida. Sua sorte? Entre os oficiais estava ninguém menos do que o próprio Alexey Pajitnov. Alexey e Henk se entenderam imediatamente. Em uma semana, tensa, veio o final feliz. Um contrato foi assinado para Tetris no Game Boy. História começou a ser escrita.


No Game Boy sozinho estima-se que Tetris vendeu mais de 35 milhões de unidades, sendo um dos responsáveis pelo sucesso do console que virou um dos mais bem-sucedidos de todos os tempos. Só que ainda assim Alexey não estava recebendo por sua criação, graças às pendências legais e parte porque ele tinha cedido os direitos para o Centro de Computação da Academia Soviética de Ciências por 10 anos. A essa altura, a Atari entrou na disputa por conta do Game Boy e apenas em 1989 a Nintendo ganhou o processo.
Em 1991, Alexey conseguiu deixar Moscou e foi viver em Seattle, com a ajuda de Henk. Apenas em 1995 o engenheiro recuperou os direitos de sua criação e passou a receber os royalties. Juntos, eles fundaram a companhia Tetris, só conseguindo recuperar o controle total do jogo em 2005, depois da queda da União Soviética. Hoje Tetris está em mais de 65 plataformas, vendeu 202 milhões de cópias – aproximadamente 70 milhões de unidades físicas e 132 milhões de downloads pagos de jogos para celular e é um dos jogos mais populares do mundo.
O filme estreia no final de março. Já estou ansiosa!