Quem ama um bom filme de amor certamente tem Nosso Amor de Ontem (The Way We Were) entre os seus 10 favoritos. Houve até um lindo e marcante episódio de Sex and The City no qual Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) compara sua história com Mr. Big com o filme. Ela seria Kate e ele Hubbell. “Sua garota é adorável”, ela diz citando a fala final de Barbra Streisand no filme. “Não entendo”, diz Big, sem saber que também está usando a mesma frase de Robert Redford. Na série, Carrie encerra a conversa com “Você nunca entendeu”, mas, no original, eles se abraçam sem dizer uma palavra, se afastando e cada um seguindo o seu caminho. Os créditos rolam e a canção – The Way We Were – traduz o que eles pensavam:
Memories
May be beautiful and yet
What’s too painful to remember
We simply to choose to forget
So it’s the laughter
We will remember
Whenever we remember
The way we were
Recordações
Podem ser bonitas e ainda
O que é doloroso demais para lembrar
Nós simplesmente escolhemos esquecer
Então é o riso
Que nós vamos lembrar
Sempre que nos lembrarmos
Do jeito que éramos


Já deu para perceber que faço parte do (enorme) grupo de fãs desse pequeno clássico que em novembro de 2023 completa 50 anos, né? E não estou sozinha. Nosso Amor de Ontem (The Way We Were) não apenas foi incluido na lista “100 maiores histórias de amor do cinema” pelo American Film Institute, ao lado de Casablanca e Tarde Demais Para Esquecer (An Affair do Remember), como está na sexta posição, à frente de Doutor Zhivago. Tá mal de companhia não!
O filme, que foi um veículo criado especialmente para Barbra, gerou documentários e até um livro sobre seus bastidores, The Way They Were: How Epic Battles and Bruised Egos Brought a Classic Hollywood Love Story to the Screen ( Do jeito que eles eram: como batalhas épicas e egos machucados trouxeram uma clássica história de amor de Hollywood para a tela), escrito pelo jornalista Robert Hofler, que revela os dramas, as discussões e problemas de um filme que mal esperavam fazer sucesso, ainda mais ter a repercussão que tem ainda hoje. A história improvável de amor entre uma radical judia da classe trabalhadora, Kate Morosky (Barbra Streisand) e o menino de ouro americano e WASPy, Hubbell Gardiner (Robert Redford). Quando juntos os dois se entendem e despertam o melhor de cada um, mas na sociedade são colocados à prova e impossibilitados de ficarem juntos. No fundo há as questões políticas e sociais que definiram os Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial até os tempos de Macartismo.
Em 1973, Barbra já era uma estrela e vencedora do Oscar, mas reconhecida por sua veia cômica e musicais e Nosso Amor de Ontem (The Way We Were) era um drama “tradicional” e precisava de um astro à altura. O primeiro nome cogitado foi o de Ryan O’Neal, que queria voltar a trabalhar com Barbra (eles fizeram juntos Essa Pequena é uma Parada (What’s Up Doc), no ano anterior), mas o diretor Sydney Pollack queria – e conseguiu – seu amigo, Robert Redford. Redford já era uma das estrelas mais respeitadas de Hollywood, politicamente engajado e lindíssimo, mas que tinha muito receio de trabalhar com uma atriz com fama de difícil e que ele temia que iria sair cantando em cena aberta. Mas aceitou o desafio (hoje diz que teve a melhor experiência trabalhando com Barbra).
The Way We Were é uma adaptação do livro escrito por Arthur Laurents, que era respeitado e conhecido pelos roteiros tão distintos como Amor, Sublime Amor (West Side Story) e Festim Diabólico (Rope) e que se baseou na própria experiência dos anos terríveis da lista negra de Hollywood, onde artistas que fossem liberais eram tachados como “comunistas” e podiam ser até presos por isso. Arthur, que tinha Oscar e fama, passou a ter trabalhos de roteiro rejeitados porque um jornal esquerdista elogiou uma de suas peças. Conhecendo o drama de outros que passaram por perseguição ainda pior, ele queria que expor a hipocrisia de Hollywood naquela época.
Arthur Laurents era amigo de longa data de Barbra Streisand, tendo dado a ela uma das grandes oportunidades na Broadway antes mesmo de ser famosa. Segundo confirmou depois, Katie foi mesmo inspirada e escrita para ela, mas a história de amor de Katie e Hubbell tinha outra fonte. Como judeu e gay, Arthur também reviveu suas próprias dificuldades românticas, em especial um romance com Tom Hatcher, um aspirante a ator cujo romance inicialmente descomplicado não resistiu ao engajamento politico do roteirista. Arthur mais tarde entendeu que idealizou Tom como um Príncipe Encantado, bonito e perfeito, mas que não passava de sua visão apaixonada, não exatamente a realidade, assim como Katie conclui no final do filme.


Ironicamente, como diz a letra da canção, hoje o que ressaltam sobre as gravações são “as boas lembranças” do filme, mas na época, os estilos pessoais de Barbra e Redford – assim como suas personagens, conflitantes – colaboravam para crescer as tensões no set. Sydney Pollack também teve dor de cabeça com Barbra, que brigou por várias cenas que acabaram cortadas da versão final, algo que ela tinha o apoio de Arthur Laurents e do produtor, Ray Stark. “Do jeito que o filme é hoje, sem as duas cenas [cortadas], parece que eles [Katie e Hubbell] se separam porque ele dormiu com outra”, a atriz se queixou em uma entrevista de poucos anos atrás, lamentando que a decisão das personagens de se afastarem porque a política e a sociedade impediam que seguissem se amando tinha mais força dramática. Posso dizer? Veja as cenas cortadas que acrescentei ao final do post, Barbra Streisand tem razão.
Raso ou não, o público não se importou. A química entre os dois e uma história de amor sem grandes gestos, mas com muitos sacrifícios, foram imediatamente aprovadas. No ano de seu lançamento fez 50 milhões de dólares nas bilheterias. A canção tema do filme merecidamente ganhou o Oscar. Nascia o clássico que celebramos hoje e que claro, vale sempre celebrar.
Veja as cenas cortadas e que mudariam para melhor um filme que já é bom!