O contador no Oscar: um erro de cálculo?

Há centenas de gafes do Oscar que ficaram lendárias. Um homem nu atravessando o palco deixando David Niven numa furada, uma representante indígena subindo para receber a estatueta em nome de Marlon Brando (não é gafe no meu livro, mas é sempre citada como uma), o protesto político de Jane Fonda, o tapa na cara de Will Smith em Chris Rock, o tombo de Jenniffer Lawrence antes de subir ao palco… são várias, mas nenhuma bate o anúncio errado de La La Land como o melhor filme de 2017. Eu assisti ao vivo porque me torturo todo ano para aguentar as 3h e meia de festa da Academia, sempre apostando – e raramente saindo desapontada – com alguma coisa que vá nos surpreender. Mas que um lindo filme como La La Land tenha uma história como essa? Injusto.

Não quero dizer que a escolha de Moonlight seja errada, não é isso. Mas falar de um momento “la la land” é hoje contar com algo que parecia ser certo, mas pode te deixar “embaraçosamente” enganada. E como anconteceu? Bem típico dos tempos atuais. Mas voltemos no tempo um pouco mais.

A participação de auditores na votação do Oscar surgiu justamente porque em 1935 houve um problema sério, protagonizado pela brilhante Bette Davis (aliás, uma atriz que mudou muita coisa em Hollywood). Ela teve uma atuação elogiadíssima em Escravos do Desejo (Of Human Bondage) e foi uma “Andrea Risebrough” do ano. Andrea está entre as 5 indicadas como Melhor Atriz em 2023 depois que amigos influentes fizeram uma campanha por ela e sua grande atuação em Para Leslie. Em 1935, apenas três atrizes eram indicadas e Bette ainda era uma recém-chegada. A votação era diferente também: os 10 nomes mais votados eram submetidos a um conselho de 5 “juízes” que então determinavam os três finalistas. Bette, longe ainda da fama que ganharia a seguir, estaria entre as 5, mas não entre 3. O mundo ainda não conhecia mesmo Bette Davis e ainda menos uma Bette Davis enfurecida.

A atriz, ainda não a lenda, queria papéis desafiadores e brigou com seu estúdio, a Warner, para poder fazer o papel sem glamour na adaptação do romance de W. Somerset Maugham para o cinema pela RKO. Sua atuação foi considerada inovadora e magistral na época, daí o choque por não ter sido indicada. Até o autor a tinha elogiado, logo a exclusão virou drama. A Academia foi assediada por telegramas de outros atores demandando a inclusão de Bette em uma cédula por escrito para que ela tivesse uma chance justa. Desde então, passaram a incluir cinco indicadas mais votadas, não mais pré-selecionadas por nenhum comitê. Todo esforço foi em vão, Bette perdeu, mas como foi Claudette Colbert que levou por Aconteceu Naquela Noite (It Happened One Night), e Bette a respeitava, aceitou com tranquilidade. Posso falar? Vi os dois filmes. Bette foi roubada. Anos depois ela levou o seu e lembrem, foi ELA quem deu o nome da estatueta de OSCAR. Pois é.

Avançando quase 88 anos, depois desse incidente de 1935, para garantir a transparência e veracidade da contagem dos votos, a Academia contratou para a festa seguinte a firma de contabilidade Price Waterhouse, que tinha sede em Londres e que faria a contagem dos votos mantendo o sigilo dos resultados até a abertura dos envelopes. Isso mesmo, o suspense era para evitar críticas antecipadas do resultado.

De 1936 até 2017, tudo correu (quase) sem problemas. Há a lenda maldosa de que em 1991 a vitória de Marisa Tomei foi um anúncio errado do apresentador, mas apenas em 2017 veio o momento la la land.

O problema começou com a tecnologia, as redes sociais e o deslumbre que qualquer cidadão tem ou teria quando exposto a tanta gente famosa ao mesmo tempo.

Como funciona? Bom, dois contadores da PwC ficam à postos, um de cada lado da coxia. Quando o apresentador entra pelo seu lado, um deles entrega o envelope e o que está do lado oposto se desfaz do dele, para – ha! – não entregar o errado para o apresentador seguinte. É preciso atenção e coordenação, mas também não é tão desafiador assim. Mas, como resistir a fazer uma selfie ou tuitar dos bastidores quando entregar um envelope é tudo o que tem a fazer?

Em 2017, justamente o contador que chefiava a equipe há quatro anos, Brian Cullinan, do auge de 32 anos de carreira, foi visto fazendo fotos e compartilhando sua presença no Twitter. Em especial quando a vitória de Melhor Atriz, Emma Stone por La La Land foi anunciada. O envelope dessa categoria foi entregue por sua colega, Martha Ruiz, mas Brian ESQUECEU de se desfazer do seu porque estava escrevendo (ou fazendo foto, depende da fonte). Daí, os coitados do Warren Beaty e da Faye Dunaway, entraram no palco para protagonizarem a pior de suas histórias.

Seria Ga Ga Land? Sim, tentaram emplacar a culpa do erro na idade avançada dos atores. Assim que aconteceu, o engano foi reparado por Brian porque apenas ele e sua companheira, Martha, sabiam o resultado de cada envelope ANTES dele ser aberto. Ao ouvir o anúncio errado, o contador foi obrigado a entrar no palco e intervir, mas isso não aconteceu antes que todo o elenco de La La Land já estivesse lá celebrando uma vitória enganosa. Foi tão constrangedor que provoca risada de nervoso, sabe? Até hoje rio da cena, me condenem!

Voltando à Warren Beaty, o ator-diretor ficou indignado por HORAS de ter sido apontado como o que tinha cometido o erro. Mesmo sendo visto discutindo no fundo, segurando os envelopes em suas mãos, ficou por tempo mais do que suficiente como se tivesse sido um ga ga land num obvio etarismo ganhando fôlego. Ele exigiu que a Academia esclarecesse publicamente o ocorrido e apenas quando não foi mais possível negar que a PwC assumiu o “erro humano”, pediu “sinceras desculpas” a todos e afastou os dois contadores. Não sei como a pobre Martha poderia ter sido punida, mas pagou o pato igualmente enquanto a parceria entre Price Waterhouse Cooper e a Academy of Films and Science continua firme e forte.

Bater essa história do Oscar será difícil, mas nada que um tapa não possa tentar, concorda?



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