Shrinking: irresponsabilidade positiva?

A série Shrinking fechou sua primeira temporada batendo na ferida do assunto mais controverso de sua proposta, a de uma análise anti-convencional. Na verdade, uma análise irresponsável por uma personagem simpática, mas completamente criminoso e inepto para sua função.

Dr.Jimmy Laird (Jason Segel), que está passando por um delicado processo pessoal de luto, se vê frustrado com a lentidão e falta de resposta do processo legal recomendado de análise e resolve tirar seus pacientes da zona de conforto, saindo do lado profissional e se metendo na parte pessoal de cada um dizendo verdades e cobrando mudanças imediatas. O que rende risadas na ficção é previsto em lei como CRIME. É um abuso de sua posição e jamais um profissional poderia ter a iniciativa ou sequer apoio sem ter sido denunciado, mas então não teríamos uma série, não é?

Digo isso porque acompanhamos Jimmy interferir com os pacientes enquanto seu chefe, Dr. Phil Rhodes (Harrison Ford) interfere com a sua, atendendo a adolescente filha de Jimmy em clara crise de depressão fora do consultório, recebendo balas como pagamento. É um festival de absurdos e com muita razão profissionais sérios não acharam a menor graça no que tem sido sugerido e mostrado na série da Apple TV Plus.

Não fosse esse gigantesco problema, Shrinking seria uma tradicional série “romântica e positiva”, onde sabemos exatamente o arco de cada personagem vários episódios antes de se concluirem. Jimmy, claro, consegue dar o primeiro passo para se recuperar da viuvez, descobre o amor de forma improvável com a melhor amiga e seria o suficiente para ficarmos felizes. Porém os showrunners retomaram o problema do primeiro episódio para colocar sal na ferida.

Jimmy sugere à sua paciente Grace (Heidi Gardner) que ela deixe o marido agressivo e abusivo, dando um fim ao ciclo perigoso onde se encontra. Inicialmente ela topa, Jimmy se sente bem, mas ele mesmo é confrontado pelo ex-marido, apanha, vê Grace voltar para casa e o casamento e em nenhum momento é denunciado. Grace que o tinha abandonado na hora que voltou para o marido, retoma o tratamento a pedido do psicólogo (só tem louco nesse mundo!) e vai mostrando mais segurança, porém em sua última sessão – SPOILER SPOILER SPOILER – comenta que contempla assassinar seu marido o empurrando de um precipício. A lei obriga que um profissional não apenas impeça ideias como essa, mas como as denuncie, mas, Jimmy sendo Jimmy, aparenta achar que era sentido figurado e a recomenda empurrá-lo e “acabar com o cérebro dele” também. E o que acontece na última cena?

Pois é, gente, ficção não pode ter “liberdade artística” como essa. Estou ainda chocada com a conclusão da série que estava – no miolo – sendo aquela fofinha e com “positividade quase tóxica” de tão doce.

Shrinking não chega nem perto da inteligência e responsabilidade que Ted Lasso vem mostrando em situações tão complexas quanto viuvez, abuso doméstico, violência e até uso de drogas e tem a mesma equipe criativa. Um derrape inacreditável, que nem mesmo se entregasse em qualidade (não o faz) poderia ser perdoada.

Tinha falado bem da série antes, mas me arrependo. Um mundo sem responsabilidade não é divertido. Se houver segunda temporada, espero que seja com Jimmy atrás das grades, com o chefe dele junto. Aí veremos se ainda acham tão engraçado cometerem crimes como os da primeira temporada…

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