Em 1988, David Cronenberg lançou um filme incômodo, perturbador onde Jeremy Irons teve a atuação de sua carreira. Gêmeos – Uma Mórbida Semelhança traz o ator em uma inesquecível atuação dupla como os ginecologistas gêmeos idênticos Elliot and Beverly Mantle, que operam em conjunto uma prática clínica de grande sucesso em Toronto, especializada no tratamento de problemas de fertilidade, mas nos bastidores, abusam psicologicamente e sexualmente de suas pacientes que nunca sabem exatamente com qual dos irmãos estão lidando. O filme ganhou vários prêmios (menos o Oscar para Irons, uma das clássicas injustiças da Academia). Agora, 35 anos depois, ganhou nova edição, transportando a trama para os dias atuais, com a atriz Rachel Weisz, vivendo as irmãs Ellie e Beverly Mantle.
Assim como no original, elas trabalham em uma clínica de fertilização e “compartilham tudo: drogas, amantes e um desejo desenfreado de fazer qualquer coisa, inclusive ir além dos limites da ética médica para desafiar as práticas antiquadas e pôr a saúde da mulher em primeiro plano”. Será, sem dúvida, um veículo de novos prêmios para Rachel, que já interpretou gêmeas antes (no filme Constantine) e que terá o desafio duplo.

A história é inspirada em um caso real que chocou os Estados Unidos, os irmãos gêmeos Stewart e Cyril Marcus, ginecologistas renomados em Nova York e que, em julho de 1975, foram encontrados mortos em quartos separados do apartamento de Cyril, em Manhattan. Os dois, que não eram idênticos, mas muito parecidos, tinham uma conturbada e estranha relação, sem nunca terem ficado longe um do outro, e morreram apenas dias à parte, a princípio parte de um aparente pacto de suicídio por dependência química.
Os corpos foram encontrados depois de reclamações do odor do local. Cyril estava deitado de bruços na cama em um par de shorts e Stewart no chão, em outro quarto, perto de uma cama idêntica, deitado de bruços, sem roupas. O local estava completamente desarrumado, com grandes quantias de dinheiro espalhadas pelo apartamento e sem sinais de luta. Uma das poltronas estava coberta de excremento humano.
Nascidos em 1930, Cyril e Stewart sempre tiveram mais interesse em química e ciência do que esporte, conversando mais entre si do que com terceiros. Só estiveram à parte por um único ano, quando Stewart foi transferido brevemente para Stanford, mas voltou em um ano, iniciando um consultório particular com Cyril. Nos anos 60 estavam no auge de suas carreiras, sendo co-autores do que foi considerado um livro clássico, Advances in Obstetrics and Gynecology, mas na década seguinte, de alguma forma se tornaram viciados em barbitúricos e anfetaminas, sem parar de trabalhar.

Em algum momento, passaram a ter comportamentos alternando arrogância e momentos erráticos, agredindo ou atormentando pacientes. Em 1972, Cyril sofreu uma overdose, mas depois de uma breve internação, voltou ao consultório atendendo pacientes. Alguns dizem que por efeito colateral, ele teria tido danos cerebrais, seja como for, e depois ficou compreensível, a clientela foi abandonando os médicos com os sinais da dependência química cada dia mais difícil de disfarçar e depois de um ultimato de médicos, os gêmeos decidiram que iriam largar o vício em drogas sem ajuda externa, se isolando no apartamento de Cyril e usando medicamentos anticonvulsivantes. Porém, em algum momento entre 10 e 14 de julho, Stewart teve uma overdose de Nembutal e morreu, enquanto Cyril estava fora comprando mais remédios. Testemunhas dizem que ao voltar Cyril chegou a sair do prédio como se estivesse considerando fugir, mas logo voltou para o apartamento, de onde não saiu mais.
No local foi encontrada uma espécie de nota de suicídio, com uma cópia do romance de Iris Murdoch, A Fairly Honorable Defeat, virada para baixo no meio de uma das salas. O livro é sobre dois irmãos e uma figura travessa e satânica chamada Julius que aposta que pode acabar com o relacionamento de um casal homossexual. Além de obras médicas, foi o único livro encontrado no apartamento. Depois de colocar o livro, Cyril parece ter simplesmente se deitado e esperado para morrer.
A história é tão bizarra que a imprensa fez uma série de matérias sobre eles, mas foi Linda Wolfe que eternizou a história com o livro The Strange Death of the Twin Gynecologists, publicado no mesmo ano e que foi a base para o filme de David Cronenberg, assim como o livro Twins, de Bari Wood e Jack Geasland.

O filme de 1988 inicialmente era para ter sido estrelado por Robert De Niro e depois William Hurt, mas ambos desistiram do material por ser extremamente pesado. A versão de 2023 – pelo que vimos no teaser com a música de Blondie, Heart of Glass não é nada com o que trailer oficial (agora com outro clássico dos anos 1980s, Tainted Love) mostrou: mais do que uma relação doentia também sugerindo abuso da ciência e falta de ética médica. Rachel, claro, parece estar incrível. Estreia no dia 21 de abril.