Quando pensamos em coroação de Reis as imagens que vêm à mente, em geral, são de luxo e riqueza. Porém a certa simplicidade aparente da Trono de Santo Eduardo, também chamado de Trono do Rei Eduardo ou o Trono da Coroação, não deve nos enganar. O simbolismo dele é gigantesco. É nele que, há 727 anos, todos os monarcas britânicos receberam suas investiduras e coroas, com a tradição iniciada em 1296, por Eduardo I e que será mantida por Charles III, no dia 6 de maio de 2023.
A origem do trono é controversa e, para quem assistiu ao filme Coração Valente, vai entender com facilidade. A peça foi encomendada por Edward I após sua vitória na Primeira Guerra de Independência Escocesa, liderada por William Wallace, em 1296, e, como uma humilhação à mais sobre os escoceses derrotados, o monarca demandou como espólio do conflito a pedra da coroação da Escócia, também conhecida como a Pedra do Destino. O longo bloco de arenito vermelho de 66 cm por 42 cm com peso de aproximadamente 152 kg, era usado por séculos na coroação dos monarcas da Escócia e foi transportado para a Abadia de Westminster para ser incorporado à cadeira feita de carvalho, talhada como uma espécie de relicário em pintado de dourado, com detalhes góticos e desenhos assinados por Walter de Durham. A partir daí, passou a ser a o assento oficial da Coroação da maioria dos soberanos ingleses.

Segundo a tradição escocesa, a Pedra do Destino, também conhecida como Jacob’s Pillow Stone, (O travesseiro de Pedra de Jacó) é literalmente a verdadeira pedra consagrada à Deus depois de ser usada como travesseiro pelo patriarca israelita Jacó, em Bet-El. A pedra teria sido transportada para Escócia pelo profeta Jeremias e desde a Idade Média era usada para as coroações de reis escoceses, que se sentavam diretamente na própria pedra. Antes de ser levado para Londres em 1296, o artefato ficava na Abadia de Scone, perto de Perth, na Escócia e naturalmente se tornou mais um ponto de discórdia entre os dois países. Os ingleses chegaram aceitar em fazer a devolução em 1328, mas a essa altura houve tumulto do lado da população inglesa que impediu a remoção da pedra. Quando após a morte de Elizabeth I, seu primo e rei da Escócia assumiu o trono inglês como Jaime I da Inglaterra, colocando a linhagem dos Stuarts de volta no trono, o conflito teve menos repercussão por algum tempo.
Em oito séculos, o Trono de Edward só foi removido da Abadia de Westminster duas vezes: a primeira para a cerimônia que empossou Oliver Cromwell como Lorde Protetor da Inglaterra, em Westminster Hall e depois durante a Segunda Guerra Mundial, para evitar ser danificado por ataques aéreos alemães, ficando guardado na Catedral de Gloucester entre 1939 a 1945. Um fungo branco quase estragou tudo de qualquer forma, porque quando foi enterrado por segurança o Trono não teve muitos outros cuidados por seis meses, tendo ficado cercado por milhares de sacos de areia no subsolo. Os fungos só não acabaram com o trono porque ele estava selado em feltro.
E superando tempo, guerras e fungos, o Trono sofreu bem mais em tempos mais recentes, tendo sido alvo de atentados, roubos e danificações. Um dos ataques foi em 1914, creditado ao movimento das sufragistas da União Social e Política das Mulheres, acusadas de terem plantado uma bomba carregada com porcas e parafusos que não feriu ninguém gravemente, mas que quebrou e queimou o canto superior esquerdo do trono (a polícia encontrou uma bolsa feminina usada para esconder a bomba). E depois, no Natal de 1950, quatro nacionalistas escoceses, para resgatar a pedra e devolvê-la à Escócia. Descuidados, eles deixaram ela cair e acabou quebrando ao meio. Antes disso, tinham dividido o assento em dois e quebrado a grade de madeira na frente, para retirar a pedra. A peça foi recuperada em 1951, portanto a tempo para a coroação da Rainha Elizabeth II, em 1953.
Para grande surpresa geral, em 1996, quando a pedra completava 700 anos em solo inglês, o então primeiro-ministro anunciou de surpresa que depois de seis séculos, a Pedra do Destino seria devolvida à Escócia, e foi, se encontrando hoje no Castelo de Edimburgo, guardada com as jóias da Coroa Escocesa. O pior é que há quem defenda que toda briga foi por uma peça falsa. Isso mesmo, como as descrições históricas da pedra não correspondem à pedra atual, há historiadores que defendem que os monges do Palácio Scone esconderam a verdadeira no rio Tay, ou a teriam enterrado em Dunsinane Hill, enganando as tropas inglesas com uma substituta. Se é cópia ou não, seguem estudando mas a pedra estará de volta ao Trono, temporariamente, para a Coroação de Charles III. Em setembro de 2022, a Historic Environment Scotland, guardiã do Castelo de Edimburgo, anunciou que a peça seria levada a Westminster. Quando for devolvida, será transferida para a Prefeitura de Perth, agora um centro de artes e ficará perto da antiga Abadia de Scone.


Com ou sem a pedra, ainda assim o valor histórico do Trono da Coroação se mantém por ser uma peça tão antiga. Infelizmente, ao longo do tempo, “ganhou” novos afrescos e foi “mutilado” por pessoas que decidiram deixar iniciais marcadas na madeira. O mais famoso grafite que ficou registrado diz que “P. Abbott dormiu nesta cadeira de 5 a 6 de julho de 1800″. Ninguém identificou o vândalo adormecido, mas dizem também os alunos da Westminster School possam ser os autores. Outros marcaram o trono como marketing pessoal, como o marceneiro John Fenn, contratado em 1761 para arrumar o trono para a coroação de George III e que achou que valia deixar seu nome visível nos braços com “I° FENN” talhado. Hoje o móvel fica protegido em um pedestal na Capela de São Jorge, onde chegou a ser restaurado entre 2010 e 2012, e desde o início de 2023, tem sido preparado para a cerimônia do dia 6 de maio.
Só para matar a curiosidade, há outros tronos que serão usados durante a cerimônia de coroação. O Trono de Edward I só é usado no momento em que Charles for ungido soberano, depois ele passará para outro. Camilla, como Rainha Consorte, estará em um assento semelhante e ao lado do Rei, mas em um nível inferior para marcar sua posição. Esses tronos passam então para a Sala do Trono do Palácio de Buckingham, de onde casal já reina desde 2022.