Há 957 anos, a Abadia de Westminster é uma das construções mais importantes da Inglaterra e é o principal cenário da coroação do Rei Charles 3º, que será transmitido ao vivo para todos no dia 6 de maio. Antes dele, nada menos do que 39 monarcas britânicos foram ungidos em um local que, sem surpresa, História mescla drama, violência e muita curiosidade.
Das várias lendas sobre a origem da Igreja, uma diz que ela foi construída ali depois de um milagre ser realizado em nome de São Pedro. Um jovem pescador teve uma visão do santo e ao fazer boa pesca, surgiu a tradição da oferta de salmão pelos pescadores do rio Tâmisa à abadia, um costume ainda anual respeitado ainda hoje. Seja como for, especialistas acreditam que ela foi erguida provavelmente no início do século 6, sendo que a primeira Igreja de real importância foi documentada ainda quando a Inglaterra estava dividida em sete reinos, antes da batalha de Hastings e da invasão de William, o Conquistador, sob o reinado de Edward I, o Confessor. Aliás, se seguirmos os documentos oficiais, o primeiro rei britânico ungido em Westminster foi ninguém menos do que o próprio William, em 25 de dezembro de 1066. Para quem acompanha a série “Vikings: Valhalla”, da Netflix, vai gostar de saber de alguns spoilers. Antes de William, não havia um local fixo para a cerimônia de coroação e o rei Edward, é um dos filhos da Rainha Emma, da Normandia.

Edward, que mandou ampliar a Igreja que já estava no local desde 960, nunca viu sua obra pronta (morreu em dezembro de 1065), mas foi enterrado em Westminster e seu túmulo jamais foi tocado por nenhum outro rei, nem mesmo Henrique 8º, quando mandou destruir todas as igrejas católicas quando brigou com o Papa para se casar com Ana Bolena. Ainda no cenário mostrado na série da Netflix, como não há provas de que o sucessor imediato de Edward, Harold Godwinson tenha sido coroado no local, acredita-se que a escolha de ser ungido na Abadia tenha sido política de William: ao ser coroado na Igreja construída por Edward, reforçava sua legitimidade como soberano. Seja como for, estabeleceu a tradição. Desde então houve apenas duas exceções: com Edward 5º, que foi morto, supostamente por seu tio, Ricardo 3º, antes de ser coroado e com Eduardo 8º, tio de Elizabeth 2ª, que abdicou para se casar com Wallis Simpson antes de ser ungido Rei. O luxo e pompa das coroações foram retomados com a ascensão da Rainha Vitória, em 1838, mas o grande marco veio mesmo em 1953, com a coroação de Elizabeth 2ª. A cerimônia foi televisionada pela primeira vez e vista por milhões de pessoas ao redor do mundo. Setenta anos depois, seu filho Charles 3º também permitirá a presença de câmeras para registrar o momento histórico. Além de coroações e enterros, houve grandes casamentos na Abadia de Westminster, incluindo o do Príncipe William e Kate Middleton, em 2011.


Ao longo dos quase mil anos naturalmente houve alterações na fachada demandadas por vários monarcas, e estima-se que a construção “original” de Edward sobreviveu por dois séculos, inalterada, até meados do século 13, quando o rei Henrique 3º decidiu reformá-la em estilo gótico. E na passagem do tempo, é apenas natural que a Abadia de Westminster tenha sido cenário de tristeza e ataques também. Foi atingida durante os bombardeios da 2ª Guerra Mundial, e antes disso foi alvo de um atentado com bomba, colocada ali dentro por sufragistas, em 1914, e até estragando parte do trono da coroação. Mas, em geral, a construção resistiu bem ao tempo.
A abadia também é meio que um cemitério, com mais de 3.000 pessoas enterradas ali, entre reis e cidadãos de destaque. Podemos ver o túmulo do Rei Henrique 5º e da Rainha Elizabeth 1ª, assim como os dos escritores Charles Dickens, Rudyard Kipling, ou os cientistas Isaac Newton e Charles Darwin. E funciona assim, os reis e rainhas estão espalhados nas capelas, mas em geral, há as “esquinas” que reúnem os mortos com um conceito curioso. Escritores e poetas estão reunidos em um lado, arquitetos afins em outro, cientistas, assim como engenheiros, e músicos ficam juntos. “É o gosto inglês por clubes”, brincou o ator Alan Bennett em seu documentário de 2012 sobre o local, conhecido carinhosamente como “The Abbey”, a Abadia. “É como se quando os mortos começarem a sair de suas sepulturas, não haverá nenhum desconforto como se têm no início de uma festa, todo mundo vai ter alguém para conversar. A ideia britânica de céu”, ele ironizou.

Com tanta história concentrada entre suas paredes, a Abadia de Westminster é considerada mais do que uma obra-prima arquitetônica dos séculos 13 a 16. Em 1987, foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO devido ao seu valor universal excepcional. Ao entrar na Abadia de Westminster para ser oficialmente coroado, Charles 3º traçará os passos de tantos Reis e Rainhas que conhecemos tão bem. Uma pressão enorme, como se pode imaginar.