Se há algo além dos negócios que Logan Roy (Brian Cox) conseguiu ser bem sucedido foi em acabar com a cabeça de todos seus filhos. Kendall (Jeremy Strong) é um poço de insegurança, mesmo quando sabe o que quer e acha que sabe como chegar. Quando abre a boca irrita qualquer um, parece um bobo e um homem de 40 anos que ainda acredita estar no playground. Roman (Kieran Culkin) é o eterno adolescente que se defende usando a capa da indiferença, mas sofre duramente a falta de carinho e busca aprovação em tudo. Sua trajetória – entre os irmãos – é notável, ele é um executivo que sabe se expressar melhor que Kendall (embora isso não seja bem um desafio), mas nunca parece ter firmeza do que quer, segue o que todos acham e pior, quer fazer o que o pai faria porque é fã de Logan, mas pior ainda, só sabe obedecê-lo, mesmo com ele morto. E temos Shiv (Sarah Snook) a filha única, preparada e frequentemente apagada pelo patriarcado. Na frágil unidade formada entre os filhos para enfrentarem Logan, ela é a cola e o coração da associação, mas Shiv não foi descartada por Logan à toa. Na venda da Waystar Royco para a GoJo, Shiv acha que foi mais astuta que os irmãos que tem certeza que a estão traindo (não estão) e caiu como pato na adulação de Lukas Matsson (Alexander Skarsgård). Em meros segundos, assim como nós, o empresário leu claramente como jogar com cada um dos irmãos e foi com Shiv que deu sua cartada final. Ah, Shiv: como você pode ser tão cega?

O ator Brian Cox falou em uma entrevista que acredita que dos três, Logan iria escolher a filha para liderar os negócios, se “ela aprendesse a calar a boca”. O problema é que a incompreensível decisão de Logan de abusar psicologicamente dos seus herdeiros – minha versão é que ele tortuosamente via no sucesso deles sua própria mortalidade – o resultado foi sua derrota. Sem ter uma pessoa de sua confiança para liderar os negócios, Logan decidiu vender seu império, mas ia manter seu canal de notícias, para manter sua fonte de poder sobre as pessoas. Encontrou a única pessoa de ser como ele nessa reta final, Lukas, que é tão igual a ele que não deu nem 48h para os filhos viverem o luto da morte de Logan: os fez voar para Noruega, os dividiu e com a vulnerabilidade de Shiv, aparentemente conseguiu o que queria. Afinal, os irmãos tinham um objetivo na vida que era conquistar Logan. Com essa chance eliminada, que era efetivamente o que os unia, o futuro que cada um quer para si é incerto e eles não sabem exatamente como seguir. Vendem a empresa ou ficam com ela?
A culpa de tudo é de Logan Roy, claro. Ao deixar claro para os filhos e para o mundo que ninguém além dele mesmo tinha a capacidade de liderar, deixou sua prole milionária, mas perdida. A frase de que “não são pessoas sérias” se repete ao longo da série (Kendall diz as palavras finais de Logan ainda na 1ª temporada quando se vira para Roman e afirma “Te amo, mas você não é uma pessoa séria”). Como alguns apontam, ao vender a Waystar Royco, eles terão pela primeira vez a liberdade de fazerem o que quiserem com suas vidas. O problema é que eles só sabem estar ali tentando provar que Logan estava errado. Kendall quer ser CEO, Roman quer fazer o que “papai queria” e Shiv só quer punir os dois que ela ressente terem credibilidade apenas por serem homens. Irritante!
Lukas Matsson é detestável em um universo de pessoas odiosas. Ele tem o instinto assassino que Logan eliminou de sua prole, é manipulador e viciado no jogo. Ele mexeu em todos os botões que Logan deixou em seus filhos: a insegurança de Kendall de querer ser reconhecido como “o” herdeiro, o ressentimento de Roman que o odeia, mas que embora seja o mais transparente no discurso, nunca faz o que fala e temos Shiv, a inteligente e ignorada por ser mulher, que só sabe se relacionar com homens abusivos.
A sedução de Shiv foi rápida e certeira. Lukas fingiu abrir seu coração ao “precisar de um conselho pessoal”, contou uma história absurda de tijolos de sangue, mas o ponto para baixar a guarda dela foi a de assumir que também se apaixonou por uma pessoa que trabalhava com ele, que o relacionamento dos dois era complexo e abusivo, que está se separando e que precisa de alguém que o entenda. “Você não julga as pessoas”, ele descaradamente provoca Shiv, que não percebe que ele está justamente entregando que viu um dos pontos fracos dela. Mesmo grávida, Shiv usa drogas e bebe álcool (para disfarçar seu segredo, obviamente), mas o sorriso de que finalmente um homem a deu atenção é sua derrocada. Lukas vira o jogo quando faz a comparação mortal: “você é igual ao seu pai”. Pronto, Shiv está no bolso.

Shiv representa muitas mulheres. Ela é humilhada silenciosamente pela cultura machista, ignorada, diminuída e relegada à coadjuvante, algo que os homens nem percebem quando acontece. Eles acham que fazer uma ou duas consultas à ela é dar equidade, são incapazes de começar a entender onde realmente está a questão. Roman e Kendall estão certos de que a estão incluindo, mas Shiv, que é abusiva e sádica, os humilha e os vulnerabiliza abertamente, para compensar sua dor pessoal. Questionar se o nome de Kendall estava sublinhado ou riscado, chamar os dois de “B-Roll Brothers” é ridicularizá-los na frente dos inimigos. Se ela não terá o prêmio, eles não podem vencer também.
Porque Shiv se sente excluída e está reativa aos irmãos, ela os entrega de bandeja para Lukas, mas está tão feliz de os ter derrotado que nem percebe o seu possível erro. Lukas serve para ela na dor imediata: humilhar Kendall e Roman, se exibir para Tom (Matthew McFadyen) e se sentir “a escolhida”.
Succession está superando Game of Thrones em termos de personagens perversos. Shiv, uma espécie de Sansa Stark (Sophie Turner) que indiretamente trás o sofrimento para sua família, é arrogante e mimada, mas Tom é um Littlefinger (Aidan Gillen) e assim como foi em GOT, mesmo ciente ela não consegue se livrar. Pior é: acha importante ter por perto. Acostumada a tratá-lo como capacho, Shiv se sentiu surpresa ao ver que ela estava sendo usada por Tom com uma habilidade ignorada por ela. Ele a vendeu para Logan, mas em vez de se separar ela está sem chão com a traição. Ele sabe e usa tudo a seu favor para manter o status quo. Afinal, Shiv se acha esperta, mas todos sabem que em um momento um rápido elogio a conquista e que ela precisa de adulação. Tom está à espreita e ela acha que Lukas está realmente interessado. Com sua derrota sendo vista como vitória, Shiv gostou de ter derrubado Kendall e Roman, mas está querendo retomar o controle da sua doentia relação com Tom. Há o segredo da gravidez, mas sendo parceira de Lukas, ela retoma o domínio, ou acha que o faz. Estou ainda chocada com o tapa que Tom deu em Shiv, sinalizando uma curva perigosa para abuso físico além do psicológico e o fato de que ela sabe que pode demiti-lo deu uma nova perspectiva. O problema é a distância do fim. Faltam ainda cinco episódios e se em cinco chegamos à derrocada dos irmãos, onde mais poderemos ir?

Shiv está claramente acreditando que a venda da Waystar Royco foi uma estratégia brilhante: ficou rica, se livrou dos irmãos e ganhou um novo “parceiro” em Lukas, que a colocará no comando dos negócios. Por que ela ainda não aprendeu sua lição? Essa gravidez involuntária pode ser ainda a única esperança de mudança da personagem, embora tenha pouca fé nela.
Lamento e sofro por ver o quanto Roman, Kendall e Shiv são idiotas emocionais e péssimos executivos, mas a derrota deles é a vitória moral de Logan Roy em Succession. Se eles superassem o trauma infringido por ele, seriam heróis. E nessa fábula cruel do século 21, não podemos acreditar que abuso gera sucesso. Não sei não, mas o jogo está bem confuso e a culpa de tudo é de Logan Roy!