A jovem Yara Sahidi ganhou projeção internacional na ótima Black-ish, mas é como a fada Sininho em Peter Pan e Wendy que ela será eternizada para várias gerações. Não é uma tarefa tão fácil, ela é a primeira atriz negra a interpretar a icônica personagem que já foi vivida nas telas por Julia Roberts, Keira Knigtley, e Ludivine Sagnier entre outras.
A inclusão e atualização de Sininho na história é um movimento mais do que bem vindo, afinal, ela tem extrema importância na narrativa e já foi mostrada de todas as formas: ciumenta, apaixonada, sapeca e… muda! Pois é, em 1953, por falar apenas o ‘idioma das fadas’, não a ouvimos uma vez sequer! Rende uma longa tese sobre machismo, mas é outra pauta. No momento vale lembrar foi foi a querida Sininho, ainda mais que Wendy, que encontrou o atalho para o coração dos fãs virando um dos símbolos mais reconhecidos da Disney.

Na obra original de J.M. Barrie, de 1904, e na peça de 1911, ela era descrita como “uma fada comum”, que consertava panelas e chaleiras para suas companheiras. Sua fala, por ser em outro idioma, soava para ouvidos humanos como sininhos, daí seu nome. Apenas os fluentes na linguagem das fadas, como Peter Pan, consegue entendê-la.
Ainda presa à visão estereotipada do perfil feminino da época, é descrita como temperamental, às vezes mal-humorada, ciumenta, vingativa e curiosa – não necessariamente nessa ordem – sendo especialmente prestativa e gentil com Peter. Para justificar a dualidade de sua personalidade, Barrie usou o seu “tamanho” (igual a um dedo) como limitante. Como que, por ser tão pequena, ela não consegue ter mais de um sentimento ao mesmo tempo. Tipo, quando a raiva a consome, não tem espaço físico para sua compaixão equilibrar seu coração, a levando para decisões precipitadas. Ainda bem que na animação e nos filmes o destino trágico dela ficou de fora (ela morre um ano depois que Wendy e os irmãos deixam a Terra do Nunca e até Peter se esquece dela).
O visual andrógino e sexy do desenho colocou nossa Sininho numa caixa. Linda, de mini-saia, quadril acentuado e cabelo no corte estilo pixie, era loirinha porque reza a lenda que era inspirada em Marilyn Monroe, mas ela foi uma combinação de três mulheres. O rosto de Ginni Mack, o corpo de Kathryn Beaumont, que também serviu de modelo para Alice e as pernas (adultas e bem torneadas) da bailarina Margaret Kerry, na época nomeada como “as pernas mais bonitas do mundo” em Hollywood. Em outras palavras, a criação de Sininho – loira e de olhos azuis – é um mar de estereótipos que excluiu culturas que não estavam representadas na história ou que foram deturpadas. Por isso, 70 anos depois, ter Yara no elenco sinaliza uma inclusão necessária.
Yara Sayeh Shahidi, filha de mãe americana e pai iraniano, nasceu em 2000, em Minneapolis, e nove anos depois já estreava no cinema, ao lado de ninguém menos que Eddie Murphy no filme Imagine Só. Também estava em Salt, ao lado de Angelina Jolie, antes de fazer sucesso como Zoey Johnson, em Black-ish . Formada em Sociologia Interdisciplinar e African American Studies, em Harvard, Yara sempre mesclou arte com ativismo, sendo que circulava entre os grandes artistas, literalmente, desde o berço, porque seu pai, Afshin Shahidi, foi um dos principais fotógrafos do cantor Prince, e ela é prima do rapper Nas.
Ter uma jovem talentosa como Yara é uma nova energia para Sininho e um longo caminho desde que ela era apenas uma luz cruzando o palco. A atriz nem pestanejou em aceitar o desafio e ser o rosto de um ícone para novas gerações. Para ela, Julia Roberts foi a Sininho mais marcante justamente por ser tão diferente do desenho de 1953.
A reação à escolha da atriz foi recebida com críticas por uma ala mais conservadora, e, para manter sua saúde mental, Yara se afastou das redes sociais, e agradece ao apoio que teve de toda produção no processo. Ela entende que está à frente de um movimento que vai além de “trocar etnias’, mas sim ter histórias que reflitam os tempos atuais. Sininho pode falar no idioma ininteligível das fadas, mas a mensagem silenciosa que tem em Peter Pan e Wendy um veículo perfeito é ouvida, alto e claramente.