O fantasma do adeus ronda as séries mais famosas

Uma das razões que o elenco e os criadores de Game of Thrones alegam para a violenta razão que 80% dos fãs da série odiaram o final era o problema de aceitarem o fim. “Acho que nem todo mundo vai ficar feliz, sabe, e você não pode agradar a todos”, disse Kit Harington na época. “Meus programas de TV favoritos são A Família Soprano, Breaking Bad e The Wire, e todos eles terminaram de uma forma que… Nunca vai te satisfazer,” sugeriu.

A simplificação certamente não se aplica. Os finais de Lost, em 2010, e Game of Thrones, em 2018, foram ruins. O final de A Família Sopranos, em 2007, foi polêmico. No momento em que estamos nos despedindo de ótimos conteúdos – A Maravilhosa Sra. Maisel, Barry, Ted Lasso (supostamente) e Succession – nada melhor do que buscar algumas coisas que atrapalham o fim de uma história. Fãs sentem saudade de narrativas completas, se irritam com razão quando tudo desanda.

Há muitos fãs que vão reclamar das conclusões de sitcoms, de comédias e dramas, vou focar nos principais. Não vou entrar em detalhes delas e vou focar nas que efetivamente fizeram mais sucesso. Sem seguir a ordem cronólogica.

Entre 2004 e 2010, antes das redes sociais estarem efetivamente globalizadas, Lost foi um sucesso mundial que surpreendeu muita gente, herdando alguns órfãos de Arquivo X. Com uma narrativa não linear, várias dicas e um suspense crescendo, Lost abre com os sobreviventes de um acidente aéreo – o vôo 815 – que precisam se unir para sobreviver em uma ilha onde rapidamente percebem ter algo sinistro no ar. Ao longo de seis temporadas, teorias, torcidas e algumas surpresas mantiveram o interessem em especial quando os roteiristas usaram flahbacks, flashforwards e flashsideways para manter o suspense, mas no final, é revelado que – na verdade – todos estavam mortos o tempo todo, o que vimos foi como cada sobrevivente imaginou sua própria morte. Sim, confuso. E sim, as pessoas se sentiram enganadas. Por muitos anos, Lost era a principal referência de uma série que terminou mal. Era apenas um teaser.

Antes de Lost, veio o final de Família Soprano. Para mim a série que ainda está insuperável na História da TV. Com texto primoroso, interpretações lendárias, trilha sonora, elenco e qualidade de produção do nível de cinema ou teatro, que não eram comuns em “televisão”, cada episódio era arrasador e perfeito. A única série que, desde então, está se aproximando do no mesmo patamar é Succession, que ainda não concluiu, portanto ainda há o desafio do adeus. Me parece será tão impactante como a família dos mafiosos de New Jersey.

A Família Soprano era, como Succession, livremente inspirada em pessoas reais e trouxe a máfia para o horário nobre, sem o glamour de O Poderoso Chefão. Tony Soprano, em uma atuação histórica de James Gandolfini, era cruel, complexo e ainda assim, carismático. Era capaz de bater, matar, mandar matar e ainda assim tinha a torcida da audiência. Quando chegou a hora de dar adeus, foi tão abrupto que deixou o mundo boquiaberto e até hoje tentando entender o que houve. O final “aberto” foi completamente inesperado, inovador e épico. Me lembro até hoje ter levado o susto e a sensação de rir sozinha da ousadia.

Depois de eliminar seus inimigos, Tony e sua família saem do esconderijo para comer em sua lanchonete favorita. Ainda há tensão no ar porque havia uma ordem para matar o mafioso, que imaginamos (esperamos) ter sido suspensa quando o mandante é morto, mas ainda assim há pessoas estranhas cercando os Sopranos. Então alguém que não vemos entra e Tony olhar para cima para ver quem é. A tela fica preta, quando Don’t Stop Believin’ do Jouney pára justamente na frase: don’t stop, como se tivesse sido interrompido.

As correntes se dividem até hoje, mas, para mim foi claro, Tony foi assassinado. Ele tinha conversado antes como seria morrer e a conversa encerrava com o argumento de que a morte é como se tudo apagasse repentinamente. O próprio ator, sem paciência de ficar explicando, foi curto e grosso em um tapete vermelho. “Você acha que Tony foi morto?”, o repórter perguntou. “Sim”, se limitou a responder. E James Gandolfini leu o roteiro. Tony morreu, gente e foi merecido.

A ambiguidade do final gerou muita discussão, até passional, mas não chegou à unanimidade de Game of Thrones.

Game of Thrones foi uma série que quebrou paradigmas, virou uma febre que mesmo cinco anos depois, mantém as redes sociais fervendo. Diferentemente de Lost, que já estava na TV aberta, e de Família Soprano, que era de TV por assinatura se virar fenômeno, Game of Thrones nasceu “pequena” e virou gigante. Mesmo sendo um conteúdo de fantasia, denso e complexo.

Saída dos livros de George R. R. Martin, que estavam ainda sendo escritos, a série sofreu as consequências de vários fatores externos. Primeiro e o pior deles foi o fato de que o escritor até hoje, em 2023, ainda não terminou seus livros. Sem material ‘oficial’ para conduzir a história, a narrativa saiu dos livros e seguiu o que pareceu ser a proposta inicial para a conclusão da história. O segundo foi que – com a popularidade – o conteúdo teve que ser simplificado e descer um pouco a ousadia para manter um público mais variado. Em terceiro, como consequência do segundo, passou a ter uma expectativa da HBO de manter mais temporadas no ar, afinal era um atrativo para mais assinaturas e vendas de merchindising, além de ser mais uma franquia a ser explorada. E em quarto, esteve exposta à mudança cultural que incluía o #metoo e a demanda por personagens femininas fortes. Todas as protagonistas sofriam nas mãos dos homens machistas e violentos pois se espelhava em um período medieval, e ao mudá-las, alguns heróis perderam sentido ou liderança. Desandou.

Para piorar, o ritmo que era lento, interessante para que todos assimilassem toda intricada trama, acelerou e ficou destoante. Os mais radicais creditam que a série foi bem até a quarta temporada, saindo dos trilhos quando acabou o material dos livros. Outros aceitam a quinta, mesmo com as mudanças, porque ainda tinha material literário para usar. A partir da sexta – em total liberdade criativa – as escolhas começaram a dividir fãs que ainda aguentaram uma sétima temporada com irritação, levando para a oitava e final sendo massacrada de forma unanime. A surpresa de que Daenerys “enlouquece” e massacra milhares de pessoas, que o herói Jon Snow a mata e que Bran é “eleito” rei, não encontrou uma alma que defendesse como aceitável. Até hoje é – e para sempre será – lembrado como um dos, senão o pior final de uma série na história da TV. Uma injustiça para um legado que seria, de outra forma, lendário pelas razões certas.

Kit Harington não está sozinho no seu argumento de que os fãs confundiram o apego à Game of Thrones com a reação irritada do que viram como conclusão. É o mantra de todo elenco, que realmente defende o que apresentaram e lamentam que ninguém (ou quase ninguém) tenha apreciado.

O medo de ser um ‘novo Game of Thrones’ é muito real na indústria desde então. Phoebe Waller-Bridge, de Fleabag, e Issa Rae, de Insecure, fizeram piadas sobre isso quando suas séries chegaram ao fim. E é agora o problema de Ted Lasso, de A Maravilhosa Sra. Maisel, Succession e Barry atualmente. Ninguém quer tirar a coroa de GOT.

Venho lamentando duramente as temporadas finais que estão no ar, salvo Succession. A Maravilhosa Sra. Maisel, da Amazon Prime Video, deveria ter acabado há duas temporadas. Não saiu do lugar e agora está indo pra frente e pra trás para amarrar os pontos, mas não engaja mais. Como sou teimosa, vou até o fim com ela. Ted Lasso está na terceira, sob pressão para continuar em uma quarta, mas está comprovando que era mesmo prevista para acabar logo. Na reta final mudou o tom leve e inteligente para um ditadismo irritante. Está realmente entrando na vibração errada de GOT. Não tenho ainda uma conclusão sobre Barry, que também parece esticada, mas que é tão diferente em seu storytelling que ainda assim nos entretem. Eu aposto na vibração Sopranos para ela, por razões obvias do universo violento em que transita. Dito isso, sem poder repetir o final abrupto, estou curiosa para ver o que Bill Hader pensou para fechar a história.

E então, temos Succession. Voando com interpretações densas, perfeitas e empolgantes. “Matou” o antagonista, Logan Roy, o mais próximo de Tony Soprano dos últimos anos, no terceiro episódio e nos deixando boquiaberto com isso. Era necessário porque estamos acompanhando as consequências do que ele plantou – a instabilidade de seus filhos que brigam para sucedê-lo – e com isso estamos angustiados e apaixonados por todos eles.

Succession é o melhor conteúdo da TV desde a Família Sopranos, o único que traz o mesmo impacto e reação. E prova que se souber contar sua história não há desafinos (mesmo que um aqui e outro acolá) que destrua um desenvolvimento de história inteligente. Faltam ainda três episódios. Será que o Trono de Ferro terá novo rei?

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