Já postei aqui em MiscelAna resumos das histórias de Alva Vanderbilt, Caroline Astor e Consuelo Vanderbilt, que são o mapa das tramas de The Gilded Age. A série de Julian Fellowes não é uma biografia delas, mas sem segredo usa elementos reais para sua versão. Dessa forma, mesmo que tendo citado os Vanderbilts no início, Bertha Russell (Carrie Coon) é Alva, em força e eventos, mas a promessa que seu embate seria com Agnes van Rhijn (Christine Baranski) ficou sem ser preenchida. No seu lugar a série retrata a “verdadeira” Sra. Caroline Astor (Donna Murphy), o que, de certa forma, esvazia muito a personagem. Sua resistência e mau humor quando aos “novos ricos” parece mais uma fã de Caroline seguindo a Rainha Abelha do que uma personalidade forte. A ver se isso se resolve. Mas, no trailer da segunda temporada é anunciada uma Guerra na sociedade nova iorquina, ainda mais acirrada que a da primeira. É a histórica “Guerra das Óperas”, que sacudiu a cidade em 1883 e que apresenta possíveis spoilers da série. Avisados!
A Guerra das Óperas foi o palco dramático dos conflitos cultural e econômico dos anos 1880s, que inspirou livros de Edith Wharton como A Época da Inocência, filmado por Martin Scorscese, em 1993. O filme abre justamente com a inauguração do Metropolitan Opera House, com a ópera Fausto. Podemos contar com algo semelhante na série da HBO Max.

Os registros da rivalidade das casas de ópera têm artigos do New York Times, fotos e gravuras eliminam qualquer dúvida da relevância e importância do que movimentou Manhattan em 1883. E à frente dessa Guerra estavam duas mulheres fortes, emblemáticas e representando futuro e passado ao mesmo tempo. O prêmio era uma coroa de emblemática de prestígio e liderança. Quem fosse Team Alva era automaticamente contra o Team Sra. Astor. Nada mais operático.
Podemos substituir Alva por Bertha. Vista como intrusa, embora rica e empenhada, a rápida “Paz” alcançada entre elas no baile fenomenal que fechou a temporada, tudo vai água abaixo quando se tratar a divisão dos camarotes no teatro para ver óperas. Como se o que estivesse no palco fosse mais interessante do que estava na plateia.
Caroline Schermerhorn Astor tinha uma “vantagem”, era uma nova iorquina nativa, assim tinha o posto de guardiã das regras da sociedade conservadora. A fortuna dos Astors vinha de exploração marítima, o que colocava os Vanderbilts (na série, os Russells) de fortunas vindas das ferrovias, como menos respeitável porque era maior e recente.
As “temporadas” eram – e ainda são – determinadas pelas estações do ano: verão em Newport, inverno em Nova York com bailes, jantares formais e festas natalinas. E o que abria a temporada era justamente a noite de estreia na Academia de Música. Como só havia dezoito camarotes, eles eram reservados às famílias mais ilustres (ou, tradicionais). Obviamente estar entre um dos 18 era essencial para definir quem estava dentro ou fora, mas quem “escolhia” era a Sra. Astor.
Em The Gilded Age podemos contar que Caroline não vai ter esquecido o sufoco que passou para garantir que sua filha fosse convidada para o baile dos Russells. Porque assim como a verdadeira excluiu Alva, ela vai barrar Bertha. Alva só tomou uma atitude depois de ser barrada por anos, Bertha será mais rápida. Vai liderar as famílias desprezadas para criar a Metropolitan Opera Company, que precisava de um teatro próprio. Uma das partes interessantes é acompanhar a própria evolução da cidade, que foi “subindo” para onde hoje é o Central Park. A Academia de Música ficava da Rua 14, o primeiro Met ficava na 39 e Broadway, seguindo a tendência comercial de Nova York que buscava novos endereços. A Academia original que foi inaugurada em 1854, foi destruída por um incêndio em 1866 e reconstruída, mas hoje não existe mais.
O Met nasceu para “humilhar” a Academia de Música. Isso porque veio mais de 30 anos depois que o a cidade aprovou a construção de um espaço “para promover o gosto e garantir entretenimentos musicais acessíveis ao público a um custo moderado”, o que ficou longe de ser verdade. Tanto que era visto como uma “alternativa” e mais democrática. A intenção sempre foi ofuscar a antiga Academia. Em todos os sentidos. Imaginem em The Gilded Age!


Historicamente aconteceu assim: um grupo de 22 homens se reuniu no dia 28 de abril de 1880 no restaurante Delmonico para dar início ao projeto do teatro novo, com nada menos de três níveis de camarotes privados para que as novas famílias industriais de Nova Iorque pudessem exibir suas fortunas. Quem duvida que os “excluídos” da Academia foram os primeiros a apoiar?
A inauguração foi no dia 22 de outubro de 1883, com sucesso imediato. Em apenas três anos, a Academia mudou a programação para espetáculos mais “populares” de vaudeville, antes de fechar as portas e ser demolido em 1926 (hoje é o endereço do Edison Building). Não tinha como sobreviver à perfeição do Met que era mais luxuoso e não tinha problemas de acústica, além de estar em um endereço mais nobre. Não que fosse um desafio difícil porque embora a Academia de Música tivesse 4 mil assentos, e inicialmente vista como um “triunfo acústico”, rapidamente passou a ser alvo de críticas de ser palco de tudo menos Arte, com reclamações da arquitetura, design de interiores e a proximidade dos assentos. Como o Met superava tudo isso e foi assinado por um dos maiores arquitetos da gilded age, o arquiteto J. Cleveland Cady, podemos ver uma oportunidade para inserir Larry Russell (Harry Richardson) na trama. Seja como for, a opulência dos interiores rendeu o apelido de “Ferradura de Ouro” que identifica todo o período histórico. E Alva/Bertha? A Rainha da sociedade de Nova York.
Diante do arraso, a Sra. Astor admitiu a derrota e abandonou sua Academia de Música pelo elegante Met, o que levou a velha guarda a segui-la. Toda cara de fim de temporada, não? Isso porque logo depois a filha dela protagonizou o escândalo de um divorcio quando é alvo das fofocas por ter um caso extraconjugal. Além disso, Caroline ficou viúva e perdeu dois filhos logo em seguida, terminando seus dias sofrendo de demência, morrendo em 1908, aos 78 anos.
Não que a vitória de Alva, ou Bertha, seja avassaladora. Alva foi traída e encarou o preconceito do divórcio. Aqui espero que a série seja diferente!
O Met que veremos não é o atual ainda em funcionamento em Nova York, no Lincoln Center. Como com o passar do tempo a área do palco não acomodava mais produções modernas, o original da rua 39 foi demolido e mudou para a parte alta da cidade.

Nos palcos, os teatros refletiram a rivalidade das duas mulheres, fazendo dos anos entre 1883 a 1886 um dos mais “animados” culturalmente. A primeira ópera foi Fausto, com o soprano Christine Nilsson. Enquanto a Academia não apresentava apenas ópera, servia também como teatro e sala de reuniões e exposições, incluindo comícios políticos, bailes beneficentes e feiras de ciência e indústria, entre outros eventos. Quando veio o Met, chegaram tentar a competir oferencendo novos 26 camarotes além dos 18 já existentes. A abertura de temporada foi no mesmo dia nos dois teatros e o New York Times tem ainda artigos que registram a divisão da sociedade entre qual casa apoiar. “Para onde ir este ano é uma questão tão problemática quanto o que vestir”, resume um artigo.
A descrição da vitória arrasadora do Met nos dá uma dica da série da HBO Max. “Às 8h30 a casa estava totalmente lotada. A varanda e a galeria estavam congestionadas, na medida em que eram os únicos locais onde homens e mulheres podiam ficar de pé”, o artigo descreve. Sim, a lotação foi completa. Como historiadores ressaltam, Alva “venceu” Caroline, mas quem é Rainha Abelha não tem título à toa. Quem queria aceitação precisava passar por seu camarote no intervalo. Uma briga das boas! Algo que será sensacional conferir em The Gilded Age.
Descubra mais sobre
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
