Talvez na terceira temporada seja reduzida a comparação de House of the Dragon, uma série que tem seu valor por si só, de sua fonte original, Game of Thrones. Ou, assim como a esperança de evitar o avanço da guerra civil em Dança dos Dragões, seja um sonho impossível. Porque ninguém começa a falar de um episódio da série da HBO sem citar a anterior como referência, para criticar ou elogiar. No caso do terceiro episódio da 2ª temporada? Só positivividade.
Sim, quando elogiam HOTD é porque houve violência e nudez explícitas, assim como diálogos consistentes, mesmo quando saem do livro Fogo e Sangue e inventam situações não citadas na literatura. Vamos revisar o episódio O moinho ardente.

A Batalha que batiza o episódio
A Batalha do Moinho Ardente era ardorosamente aguardada pelos fãs do universo de George R. R. Martin e diante da perfeição da cena recriada com as imagens que saíram das figuras dos livros a expectativa furou o teto. Porém, gravar batalhas demanda um budget que mesmo sendo expressivo como House of the Dragon, a MAX não investiu. Temos o teaser, temos as explicações, mas fica na imaginação porque temos o antes e o depois.
Como expliquei no post de janeiro, há exatos seis meses, essa batalha foi a “primeira” entre os apoiadores dos Verdes e dos Pretos, mais motivada pelo ódio mútuo entre os Blackwoods e os Brackens. O confronto ficou conhecido por “Moinho Ardente” porque o moinho foi incendiado durante as horas de combate e ainda queimava quando todos morriam.
Não minto, estava torcendo para que mostrassem Alysanne Blackwood, uma personagem feminina incrível que calculava estar na trama, mas, pelo menos aqui, foi excluída da série. Assim como não trouxe Daemon Targaryen (Matt Smith) para garantir uma vitória para Rhaenyra (Emma D’Arcy), algo que ainda pode acontecer.
Perdoamos o atraso na trama porque Daemon está – finalmente – em Harrenhall, numa sequência que foi tudo que queríamos dele, do cenário e das personagens. Fiel ao livro e à narrativa da série, foi sensacional especialmente porque marcou a entrada de Alys Rivers (Gayle Rankin), a bruxa que já mostrou sua habilidade de mexer com a cabeça das pessoas e que será essencial para rivalidade entre Daemon e Aemond (Ewan Mitchell). Tanto que sua dica do futuro é praticamente spoiler para quem não leu o livro, mais ainda, para quem leu, tirou uma das dúvidas que ficou em aberto. Como tem sido o acordo tácito atual – se você sabe, você sabe – mas se não, aqui não poupamos spoilers.

A humanidade de vilões e mocinhos
Antes de voltar para cena a cena do episódio, vale ressaltar uma característica de House of the Dragon: ela humaniza o tempo todo todas as personagens, destacando a vulnerabilidade que provoca a ação do que a ação por si só. Embora em Game of Thrones a complexidade de todos estivesse igualmente motivando suas decisões, aqui essa característica é exposta ao cubo, meio que deixando uma avaliação de “fraqueza” mais do que maldade ou força de todos. Isso é extremamente interessante.
De alguma forma, desde a primeira temporada, a sensação de inaquibilidade é inerente à todos e o verdadeiro motor de toda tragédia. Viserys I (Paddy Considine), que não nasceu para ser rei mas foi coroado por várias circunstâncias alheias à sua vontade, tentava ser um bom rei e era visto como fraco, como confuso e o provocador da Guerra Civil. E não foi culpa dele. Como Rei, mesmo que tenha eleito Rhaenyra (Milly Alcock/Emma D’Arcy) como sua herdeira por conta das maquinações de Otto Hightower (Rhys Iphans), para evitar que Daemon fosse o sucessor, depois que tomou a decisão, jamais voltou atrás em sua palavra, nem sob enorme pressão. Viserys se preocupava mais com o que diriam de seu legado do que com o povo, uma característica comum entre todos que estão lutando pelo Trono de Ferro, se sentindo frequentemente uma farsa sob a sombra da popularidade do longo reinado de seu avô.
Daemon, uma espécie de Príncipe Harry de Westeros, tem a frustração de ser o estepe e o incompreendido. Sua arrogância e até petulância por ser Targaryen o prejudicam, e vimos que sim, ele e Rhaenyra têm um amor e um influência mútua que faz dos dois únicos.

Rhaenyra se sente inadequada por ser mulher, não que concorde com isso, mas ciente de que é um impecilho para ser levada à sério. Como se afastou do pai quando ele se casou com Alicent Hightower (Emily Carey/Olivia Cooke), é insegura quanto à decisão de Viserys por ela, algo que Daemon alimentou lembrando da verdade: ela só foi escolhida sucessora para afastá-lo do trono. Podemos seguir!
Aegon II (Tom Glynn-Carey), espetacular, aliás, é o bobão que nem foi treinado para um golpe que seu avô sempre daria em tempo, com uma mãe indiferente à ele, irmão com inveja e a sombra de seu nome. Afinal, Aegon o Conquistador é a maior lenda Targaryen e ele, o segundo de seu nome, é o oposto em tudo. Tê-lo tentando usar a armadura de seu antecessor (grande demais para ele, uma metáfora sensacional) apenas para que Larys Strong (Matthew Needham) consiga evitar o que todos queriam – que o Rei fosse para batalha – foi incrível.

Alicent, a confusa e a intelectualmente desafiada, que sempre colaborou para o conflito tanto por tentar “ser boa” quanto apoiar os Hightowers, sempre é o símbolo do que a série destaca. Usada sem vergonha por seu pai, ela não tem liderança, não tem segurança, e não tem voz. Sua inveja de Rhaenyra é esmagadora porque a amiga/enteada simboliza e tem tudo que ela não tem: titularidade, amor, admiração, objetivo, inteligência e determinação. Se lembrarmos que a primeira cena das duas mostra que Alicent é literalmente “tudo ao pé da letra” e Rhaenyra é de rasgar a página, não precisamos nos aprofundar mais entre elas. A fraqueza de Alicent sempre foi gritante.
Aemond também é o menino que era humilhado por sobrinhos e o irmão, o Targaryen que ainda não tinha um dragão, que também é o que sofre da “síndrome de Harry”, é o secundário que ninguém se importa. Assim como os irmãos, também é vulnerável porque Alicent é péssima mãe (distante, agressiva) e com isso usa a agressividade como escudo.

E finalmente temos o odioso Ser Criston Cole (Fabien Frankell), um cavaleiro de origem simples e estrangeira, algo que é sempre jogado em sua cara por homens de linhagem nobre, como Daemon e agora Gwayne Hightower (Freddie Fox). Cole ascendeu por mérito de momento, de aliança política e mérito de habilidade de luta, mas quando foi tratado como inferior por Rhaenyra, virou um monstro.
Sim, a proposta irreal de Cole de que a princesa fugisse com ele veio do coração, mas mais ainda de estar onde seu sangue não permitiria: na posição de consorte de uma nobre. Ao negá-lo, Rhaenyra só deixou ainda mais claro para o cavaleiro que ele jamais seria aceito pela elite e é isso que ele vê na figura dela, a rejeição social. Enquanto isso, são os homens que o rejeitam, não as mulheres.
Ser Criston Cole, quando não está em público, sofre com a ansiedade de ter que se provar como estrategista, como cavaleiro e merecedor de estar onde está, e vemos que até ele tem suas dúvidas.

Em Dragonstone vemos que até as gêmeas Rhaena (Phoebe Campbell) e Baela (Bethany Antonia) têm seus conflitos, com Rhaena sem entender a grande confiança que sua madrasta/tia colocou nos ombros ao deixá-la com a responsabilidade de cuidar dos herdeiros Targaryens. Ela só vê Baela ganhando espaço e prestígio voando com Moondance enquanto tem que ficar para trás. Nesse caso, até Jacaerys Velaryon (Harry Collett) está enciumado. Ele (ciente de ser bastardo) também tem suas inseguranças e está magoado com a mãe cada vez mais protetora. Voltemos ao episódio.
A liderança de Rhaenyra questionada e um encontro fora das páginas do original
Nem Rhaenyra ou Aegon têm ainda a confiança de seus Conselhos, ignorados, questionados e quase ridicularizados nas tentativas de resolver o conflito. Mesmo com duas crianças assassinadas em ambos os lados, Rhaenyra ainda quer diplomacia e por ser mulher, não por querer a Paz, é praticamente ignorada por todos. Nem Baela a obedece.
Aegon, que quer guerra, tem um Conselho querendo evitar o embate e é escutado porque é homem, mas manipulado e ignorado porque é um menino e a segunda opção. No entanto ele tem a obediência de todos.

Rhaenys (Eve Best) admira cada dia mais a prima/nora, porque entende suas frustrações e testemunha seu genuíno empenho de ser “Rainha”, não apenas usar a coroa. Ela e Corlys (Steve Touissant) serão as próximas vítimas indiretas desse conflito e é emocionante ver que se houvesse tempo, as duas seriam grandes parceiras.
A Coroa tem um efeito de isolamento imediato e Rhaenyra só consegue ser vulnerável sem julgamento quando está com Rhaenys. Soou ridículo e tolo a proposta de que as “mães” tentassem tomar as rédeas da situação, ainda mais depois das mortes trágicas de ambos os lados. O que compensou foi que os roteiristas tiveram que inventar o impossível para unir Alicent e Rhaenyra em uma cena bem antes do que aconteceria e as atrizes deram conta do recado.

A História marcou uma Rhaenyra assolada pelo luto e mágoa de ter perdido seus filhos, mas a série mostra que essa tristeza não a paralisou em nada. Ao contrário, a motivou a encontrar uma alternativa para impedir mais mortes.
Com isso, Rhaenyra se disfarça e corre o mais alto risco de sua vida indo encontrar Alicent em King’s Landing, disfarçada de Septa. A proposta dramática, como mencionei, é salva pelas atrizes, mas em termos de narrativa consolida a inaptidão das duas para governarem.
Rhaenyra que perde a oportunidade de matar a rival e dar um golpe assertivo para sua posição e Alicent que não a captura ali na hora, acabando a guerra. É muita incompetência! Mas nos dá a chance de ver o quanto Alicent é burra mesmo porque se ainda não tinha captado a risada do pai quando ela quis vender que Viserys mudou de ideia, ao insistir com Rhaenyra, finalmente entendeu que ela não entendeu nada e que fez merda. É irreversível e irreparável, como ela mesma diz, tanto porque ela jamais poderá entrar no conselho e pedir desculpas pelo engano ou faria isso comprovando sua burrice. Ela deixa Rhaenyra escapar, dobrando sua estupidez. Por outro lado, Rhaenyra, que teve todos os sinais de que era a escolhida (o cervo branco, a determinação de Viserys), agora terá mais segurança (em tese) de suas atitudes. Tarde demais, senhoras. Tarde demais.
A maldade dos sussurros
O episódio também muda a reação de uma Helaena (Phia Saban) como devastada pela morte do filho, dando um perdão à Alicent por estar envolvida com Cole e aceitando que o mundo é opressor para pequenos príncipes. Uma cena irrelevante, como percebemos.
Em King’s Landing, o perigoso Ulf (Tom Bennett) se declara bastardo Targaryen, como irmão de Daemon e Viserys, mas a gente vê que ele é falastrão, portanto… estaria mentindo?

E os dois estrategistas mais venenosos de Westeros, Mysaria (Sonoya Mizuno) e Larys usam de veneno mental e lógica para se posicionarem como Mestres dos Sussurros, em lados opostos. Mysaria é mais transparente com Rhaenyra: ela quer a posição para se vingar dos Hightowers e porque estava em dívida com a rainha que salvou sua vida. Já Larys, o eterno provocador do caos, deixou Alicent para trás e está cercando Aegon. Foi Larys que tirou Otto do caminho e agora plantou a semente de discórdia entre Aegon e Aemond, uma que a História não tinha pescado. os dois perigosos já estão em movimento e o resultado? Sangue, muito sangue à vista…
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