Wake Up Dead Man: quando a engrenagem gira sozinha

Talvez eu esteja sozinha nessa leitura, e tudo bem. Wake Up Dead Man: A Knives Out Mystery tem sido recebido com entusiasmo por boa parte da crítica, mas, para mim, é o capítulo menos inspirado da franquia criada por Rian Johnson. Um filme que sabe exatamente quais botões apertar, quais temas evocar e quais truques repetir, mas que opera quase o tempo todo no piloto automático, sustentado mais pela boa vontade que construímos com Knives Out e Glass Onion do que por um real frescor narrativo.

Não se trata de negar méritos: eles existem. Mas são concentrados demais, e, em alguns casos, isolados.

A começar pela própria engrenagem do mistério. Diferente do primeiro filme, que brincava com percepção, classe e moralidade de forma engenhosa, aqui o “quem matou” é facílimo de deduzir desde muito cedo. Pelo menos pra mim estava muito óbvio. Não por genialidade do espectador, mas porque o roteiro praticamente entrega a resposta. A única incógnita real — e talvez a única aposta do filme — está no “como” e no “por quê”. E mesmo aí, a sensação é de que a motivação e a execução seriam, inevitavelmente, mirabolantes demais para valer o esforço especulativo. Eu sabia que viriam curvas artificiais, então simplesmente não me importei em decifrá-las antes da hora.

Rian Johnson decide vestir esse mistério com uma camada mais pesada de simbolismo: ganância, fé, culpa, perdão, hipocrisia moral. Tudo isso está lá, explicitado, sublinhado, quase didático. O problema não é o tema, é a forma. Fora um personagem específico, essas ideias nunca ganham carne dramática suficiente para justificar o tom mais solene. Elas pairam sobre a narrativa como conceitos, não como conflitos vivos.

Esse personagem, claro, é vivido por Josh O’Connor e aqui não há ressalvas. O’Connor é, talvez, a única coisa que realmente se salva no filme. Sua atuação não apenas se destaca: ela expõe, por contraste, o quanto o resto está acomodado. Ele constrói um personagem cheio de fissuras, ambiguidades e desconforto moral, daqueles que continuam ecoando depois que o filme acaba. É uma performance que reafirma algo que já sabemos, mas que ele insiste em provar: Josh O’Connor é um dos melhores atores em atividade hoje, capaz de elevar qualquer material acima de suas limitações.

Outra exceção honrosa é Andrew Scott, um ator que simplesmente não sabe fazer escolhas erradas. Há uma ironia deliciosa em vê-lo longe do “hot priest” de Fleabag e, ainda assim, interpretando um homem de fé. O jogo metalinguístico é evidente, e funciona como piscadela para o público. Mas, de novo, isso não basta para sustentar o todo. Scott brilha porque sempre brilha, não porque o filme lhe oferece algo especialmente instigante.

O restante do elenco — numeroso, talentoso, carismático no papel — parece cumprir função. Está tudo correto, tudo eficiente, tudo no lugar certo, mas raramente inspirado. As subtramas surgem e desaparecem sem deixar marca, quebrando o ritmo com pontas pouco inventivas, quase burocráticas, como se o filme estivesse apenas preenchendo requisitos de um modelo já testado.

E aí chegamos a Daniel Craig como Benoit Blanc. Ele continua charmoso, divertido, confortável no papel. Mas talvez confortável demais. Blanc já não surpreende, não se reinventa, não desloca a narrativa como antes. Aqui, ele mais observa do que provoca. Funciona como eixo da história, sim, mas sem o brilho que fazia do personagem um motor criativo nos filmes anteriores.

A recepção crítica, até aqui, tem sido majoritariamente positiva, elogiando justamente a ambição temática e o clima mais sombrio. Eu entendo esses elogios, só não os compartilho. Para mim, Wake Up Dead Man confunde densidade com profundidade e solenidade com risco. Parece um filme consciente demais do próprio prestígio, menos disposto a brincar com o gênero do que a reafirmar sua importância.

Quanto ao futuro da franquia, a Netflix e Rian Johnson já deixaram claro que há interesse em continuar. Benoit Blanc virou marca, formato, promessa recorrente. E isso talvez explique tudo: este filme soa menos como um mistério que precisava ser contado e mais como mais uma engrenagem girando para manter a máquina em funcionamento.

Se vierem novos capítulos, torço para que retomem o espírito de invenção que fez Knives Out nascer tão vivo. Porque, se depender apenas do talento de Josh O’Connor para salvar a experiência, a franquia corre o risco de se tornar exatamente aquilo que sempre fingiu criticar: confortável, previsível e autoconsciente demais.


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