Vamos falar de Charles?

Para quem não cresceu nos anos 1980s, não terá a memória que o público geral teve por pelo menos uns seis dos 11 anos que a princesa Diana e príncipe Charles foram casados. Era a de que, pelo menos um dia, eles se gostaram.

O romance foi rápido, ela surgiu “do nada” e se casaram em um ano, mas quem se importava quando se descobriu que uma princesa linda como Diana existia?

Em tempos pré-digital as fofocas de tabloides demoravam a “viralizar”, portanto a crise entre o casal demorou a ser notada fora do Reino Unido. Quando ficou claro que casamento estava mal, começou o perigoso jogo de “de quem era a culpa?” que conduziu a história para o final infeliz.

Como Charles nunca foi uma celebridade empática – seu título era o que fazia ele ser famoso – naturalmente foi uma surpresa de “como!” ele não estava mais tão apaixonado por Diana como o resto do planeta. Sim, era como se ele fosse um E.T. porque nada sobre ela deixava de ser encantador.

Curiosamente, começaram a vazar histórias da futilidade da princesa, de sua falta de cultura, de sua instabilidade emocional, de sua infantilidade e egocentrismo. Em dois tempos essas seriam as “verdadeiras” razões para que um Charles sensível, comprometido com o meio-ambiente e futuro Rei, tivesse se decepcionado com a esposa, retratada como deslumbrada com a fama. A imagem de Diana começou a ser questionada.

Parece surreal que a narrativa contra Diana tenha tido alguma chance de vingar, mas ela existiu e estava tomando fôlego até que o romance entre Charles e Camilla, retomado (oficialmente) em 1986, viesse à tona. Dali para a frente, a guerra de “vazamentos” foi tomando conta da história, exatamente como está acontecendo hoje com Meghan Markle, Harry, William e Kate Middleton. Diana, como sabemos hoje, foi ficando paranóica e se afastando das pessoas, vendo conspirações novelescas em cada encontro, telefonema ou nota. Ela tinha até medo por sua própria vida.

No meio desse furacão, quando ficou muito claro que Charles não assumiria sua parcela de culpa no fracasso do casamento, Diana decidiu chutar o balde. Em 1995 deu uma entrevista para o programa Panorama, da BBC falando tudo, desde sua própria infidelidade à traição do marido.

Uma biografia (até então) “não autorizada” já tinha sido publicada por Andrew Morton e o livro não poupava Charles e a Família Real em nada. Essa biografia mudou para sempre a impressão já fragilizada da monarquia britânica. A entrevista apenas solidificou o fato. Desde então, a imagem de Charles e Camilla ficou – como The Crown reforça e admite – a dos vilões.

De certa forma, Charles e Camilla só tinham conseguido virar o jogo há muito pouco tempo. Depois da morte de Diana, pareceu que o “fantasma” dela estaria sob controle. Os filhos aceitaram o casamento dos dois, a vida seguiu e até passaram a ser vistos como vítimas do sistema (que é verdade, ninguém tira isso deles). Porém, Charles é Charles, e Diana não estava 100% errada sobre ele (nem mesmo 1%).

Há dois anos, quando completou 70 anos, o príncipe teria “autorizado” indiretamente uma nova biografia sobre ele. Se antes tinha ciúmes da popularidade da ex-mulher, agora tinha que lidar com a adoração dos filhos. William e Harry, com algum derrape aqui e acolá, eram vistos como uma unidade, a herança de Diana, que sempre foi uma mãe dedicada e apaixonada pelos dois.

Os irmãos sempre foram claramente diferentes, mas ambos tinham características de Diana. William, o tímido e avesso à imprensa, como Diana aos 19 anos, e Harry, o extrovertido e comunicativo, a Diana dos últimos anos de sua vida. Depois que ambos se casaram ficaram ainda mais populares.

William escolheu uma inglesa, Kate Middleton e formou uma “família Doriana”. Harry encontrou o amor com uma atriz lindíssima, Meghan Markle, engajada e de personalidade forte. Quem queria saber de Charles quando se tinha os fab-four?

Coincidentemente, na época da nova biografia de Charles, vazaram pela primeira vez as informações de briga familiar. Primeiro entre as cunhadas, depois entre os irmãos. William é agora o filho esnobe, distante, magoado e temperamental. Harry é o que não consegue se livrar da assinatura de rebelde, instável e inconsequente. Pior ainda, Harry é – para os machistas – comandado por Meghan, ou seja, não tem voz ou vontade própria. E Charles? Pai dedicado, sofre com os filhos e não consegue fazer com que eles façam as pazes. É a mesma estratégia que foi usada contra Diana e que mais uma vez encontra público.

Não há um vilão sozinho em todo esse reality viciante. Não acho que Charles mentiu sobre Diana ou sobre os filhos e tampouco acho que eles sejam tão auto centrados como se tenta vender. Quaisquer que sejam as rusgas entre William e Harry, elas não eram públicas. Harry as confirmou por alto na entrevista da BBC, mas então a mídia britânica estava massacrando Meghan e ele a defendeu corajosamente. Os príncipes sempre pareceram unidos (eu realmente não acho que os dois teriam se escolhido mutuamente como padrinhos de casamento (best man) se realmente não fossem tão amigos) mas sempre foram claramente de personalidades opostas. É como se tivessem caído em uma armadilha de ressentimentos.

E Charles? Estava bem depois que a terceira temporada de The Crown o mostrou como um jovem sofrido, quase incompreendido e que foi impiedosamente impedido de se casar por amor. A brilhante atuação de Josh O’Connor deu uma outra perspectiva à história do futuro Rei e a popularidade de Charles e de Camilla ficou (pela primeira vez) em alta. Para quem acompanhava a série e lembra da história, sabia que seria temporário. A quarta temporada desceu como um trator dando voz à Diana. The Crown segue a narrativa da princesa para a história porque é essa a percepção pública que não há como mudar, nem mesmo 25 anos depois.

Mesmo se vitimizando à exaustão, Diana foi mesmo uma casualidade em um sistema que pouco tem a ver com Dever e tem muito mais ligação com insensibilidade. Não é supresa que o oprimido tenha passado a ser o opressor (nesse caso, Charles) e a inflexibilidade custou a saúde, o casamento e até a vida de Diana. Se houvesse dúvida de que Diana acertou na sua análise do ex-marido, a de que ele é quase patológico por tentar uma aprovação pública e que não vê limites para tentar “ficar bem” no filme, o drama atual dos filhos reforça a versão dela. Estamos vendo a mesma história se repetir. Ou melhor, estaríamos, dessa vez há um elemento que muda o jogo e ele é Meghan Markle.

Meghan não é Wallis Simpson ou Diana, sem querer criticá-las. Como uma mulher dos tempos atuais, Meghan não engoliu o que não precisava engolir. Ela se casou com Harry, que veio com a monarquia em anexo. Por amor tentou se encaixar, porque a Família Real era também a carreira do do marido. Em um ano viu que não iria dar certo. Diferentemente de Wallis e de Diana, que não tinham profissão, Meghan tinha uma carreira bem sucedida (que ficou mais forte depois do casamento, ok) e sempre trabalhou para se sustentar. Ela realmente não precisava da “Firma” para ser alguém. E deu um basta muito bem dado. Nem Wallis nem Diana fizeram isso. Diana quis conciliar os dois papéis – de princesa e de ex-mulher – mas nas regras da monarquia, não há alternativa. Charles será Rei e por isso, “ganha”.

As notícias são de que Charles está insatisfeito com The Crown e ninguém pode culpá-lo. Agora as “fontes próximas” da Família Real, que oficialmente não assiste a série, apontam erros e ressaltam que se trata de ficção. É a tal história, quando se falava do passado, era indolor. Agora que está perto da atualidade, não é bem assim…

Há mais duas temporadas fechadas para a série, mas teremos um hiato de quase dois anos para acompanhar a história. Peter Morgan declarou que não vai chegar ao Jubileu de Platina da Rainha, que pode ser celebrado em 2022. Eu tenho minhas dúvidas. Paramos no início dos anos 1990s, então a próxima temporada chegará certamente aos anos 2000, incluindo a morte de Diana e o Jubileu de Ouro, comemorado em 2002. Portanto ainda há espaço para mais 10 episódios, não há como escapar do casamento de William e Kate, dos derrapes de Harry fantasiado de nazista, os escândalos de Fergie… Tem fôlego para o afastamento de Andrew depois de se envolver na rede de pedofilia de Jeffrey Epstein, da união de Charles e de Camilla e até a entrada de Meghan. Se depender da Família, The Crown pode ainda ter muitas temporadas!

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