Para quem é apaixonada por ballet clássico, e acompanhou a história do Kirov, a trajetória de Yuri Soloviev é uma das mais tristes já vividas. Considerado “o melhor” por Mikhail Baryshnikov e Rudolf Nureyev, ambos amigos, Soloviev não fugiu para o ocidente, restringindo o conhecimento de seu talento para poucos.

Yuri Soloviev, para os amigos, “Yura”, começou a dançar aos nove anos. Na academia de Vaganova, a maior escola na Rússia, ele estudou na mesma turma que Rudolf Nureyev, com quem era sempre comparado. Antes mesmo da formatura, Yura fez história a ser convidado, ainda estudante, a dançar em uma apresentação oficial do Kirov. Apenas os melhores dos melhores conseguiu tamanha concessão, e não passaram de cinco no total. Se tanto.
Para todos, a superioridade técnica de Soloviev era clara, mas a personalidade desafiadora de Nureyev o ajudava a se destacar. Na verdade, os dois eram muito acima da média, mas o fato de que o próprio Nureyev (e depois Baryshnikov) dizia que Yura era espetacular, reforça a lenda. Embora houvesse competição entre eles, Yura e Rudi foram colocados como colegas de quarto na turnê pela Europa em que Nureyev desertou. Como consequência, Yura passou anos sob investigação e suspeita da KGB porque o Governo Russo acreditava que ele “deveria” saber dos planos de fuga do colega. Mas ninguém sabia.









Yura voava no palco e por isso foi apelidado como “Yuri Cósmico”, numa alusão ao astronauta Yuri Gagarin. Era também um partner disputado e dançava com frequência com as melhores bailarinas do Kirov, Natalia Makarova, Irina Kolpakova e Alla Sizova entre elas.
Se no ocidente Nureyev era comparado a Vaslav Nijinksy, o melhor de todos os tempos e que abriu as portas para os homens na dança, esse era o mesmo caso de Yuri Soloviev na União Soviética. É muita coisa. Para os russos, que tinham os melhores dos melhores, ele estava acima de todos. Se nos impressionamos com a elevação de Baryshnikov até hoje, o próprio Misha se impressionava com Yura. Alguns vídeos guardaram um pouco do que eram os saltos de Soloviev.
Depois da fuga de Nureyev, em 1962, Yura sofreu a perseguição política da KGB, especialmente porque não fazia parte do Partido Comunista. Não ajudou que sua parceira, Natalia Makarova, desertou em 1970 e quatro anos depois, seu amigo, Baryshnikov também. Embora sem se envolver em política, Yura jamais “traiu” o Comunismo.

Durante a turnê do Kirov pelos Estados Unidos, Yura rompeu o tendão de aquiles e nunca mais voltou a ser o mesmo, mas ele não se aposentou. Em suas apresentações, era comum que a platéia explodisse em gritos de “bravo”. Ele era adorado por todos.
Sua relação com o diretor do Kirov, Nikolai Sergeyev era conflitante. Muitos balés foram criados para Yura, mas, diz a lenda que ele riu um dia da falta de talento do filho do Nikolai como bailarino, sendo punido com papéis menos interessantes e maior carga de horas de trabalho.

Segundo sua mulher, a bailarina Tatiana Legat, Yura era tímido e sofria enorme pressão política para entrar para o partido Comunista, mas ele resistia. Curioso pela cultura ocidental e fã de jazz, o bailarino era dedicado à sua arte.
A dor da lesão só aumentava com os anos, comprometendo – na mente perfeccionista do bailarino – sua técnica. “Suas costas doíam, suas pernas doíam”, lembrou Tatiana em uma entrevista. Ela diz que sugeriu que evitasse as variações, que fizesse mais as poses. “Não posso. Você sabe quem eu sou e você sabe qual é a minha posição. Eu tenho que fazer”, ele respondeu a ela. “Como poderia ser que as pessoas venham ao teatro e digam ‘mas ele não dançou'”, ele questionou. Tatiana sabia que o amor do público por ele era maior do que isso, mas não era suficiente. Em sua última apresentação, em Romeu e Julieta, com Irina Kopalkova, ele sofreu muito com a dor. “Ainda bem que completei”, ele teria dito.


Nos últimos anos de sua vida, Yura falava de se recolher para o interior e desistir da dança, mas poucos perceberam qualquer sinal de depressão. Tatiana viu que ele sofria de insónia, fingia estar lendo quando na verdade estava perdido em pensamentos. Em janeiro de 1977, seu corpo foi encontrado em sua casa de campo, com um tiro na cabeça. Suicídio é a causa oficial, mas todos no Kirov ficaram arrasados e surpresos. “É uma ferida aberta”, admitiu a viúva.
Yuri Soloviev deixou uma filha, Elena Solovieva, também bailarina. Tatiana Legat hoje se mudou para Londres, onde passou a ser professora no Royal Ballet.
Soloviev em A Bela Adormecida
Yura com Kaleria Fedicheva
Soloviev em La Bayadère
Com Yelena Eveteyeva em O Espectro da Rosa
Como o Pássaro Azul
E com Gabriela Komleva em o Lago dos Cisnes
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