A superação de Ekaterina Maximova

Em 1975, Ekaterina Maximova já era uma das maiores bailarinas em atividade. Prodígio desde que ainda era estudante, Katya, como era chamada entre amigos, era a musa inspiradora do coreógrafo Yuri Grigorovich. Ele a escolheu, quando ainda era recém formada, para estrelar seu balé The Stone Flower, com Vladimir Vasiliev, que viria a ser seu marido e principal parceiro nos palcos.

Depois do sucesso, Grigorovich criou outros balés para ela e remontou clássicos. Em 1968, o coreógrafo criou Spartacus para o casal e o balé virou um fenômeno imediato. Naquele ano de 1975, o Bolshoi se preparava para refilmar Spartacus, com Katya e Vasiliev como estrelas principais. Mas não era para ser.

Durante os ensaios, Katya sofreu uma queda feia no palco e precisou ser levada para o hospital. O susto foi tratado como uma lesão superficial e a bailarina voltou para os ensaios. Porém, quando já estavam gravando, a dor fulminante a obrigou a interromper tudo e voltar para a emergência. Desta vez, ouviu o pior. A lesão na coluna era muito mais séria do que tinham visto antes. Aos 36 anos, foi informada que não poderia mais ter filhos e que dificilmente voltaria a andar. Ela ficou confinada à cama sem nenhuma coordenação motora por meses. Era o fim de uma brilhante carreira. Será?

Acidentes como o de Katya são duros para qualquer um, mas quando se vive da dança era a morte. Determinada e com o apoio do marido, ela começou o doloroso tratamento de recuperação. Um colete especial foi criado para ela e em alguns meses voltou a fazer exercícios. Literalmente, passo a passo até recuperar os movimentos. Um ano depois ela estava de volta aos palcos, dançando Giselle, ao lado de Vasiliev.

Apesar do milagre, houve sequelas. Ao longo dos anos, Katya voltou a ter problemas de lesões, como em 1978, quando ela não conseguiu terminar uma apresentação televisionada de O Quebra-Nozes, sendo substituída no segundo ato. A sequela ainda mais triste foi de não ter sido mãe, mas voltou à dança com ainda mais paixão até se aposentar, em 1990.

Nascida em 01 de fevereiro de 1939, Ekaterina Maximova veio de uma família de intelectuais na União Soviética e era parente do compositor Sergei Rachmaninoff. Começou no balé com 10 anos de idade e se destacou imediatamente. Por isso há um vasto material de vídeo com a pequena Katya ainda estudante na escola do Bolshoi Ballet. Ela nasceu para ser uma estrela.

O temperamento forte da bailarina se revelou desde cedo, com os professores comentando que ela jamais poderia ser forçada a fazer nada, apenas inspirada. Ainda na escola ela conheceu seu marido e partner, Vladimir Vasiliev. Os dois eram muito amigos, mas Katya revelou que não se tratava de amor à primeira vista. O romance só surgiu quando estavam mais velhos e se casaram em abril de 1961. A união perfeita nos palcos foi turbulenta nos bastidores, com ela comentando o assédio feminino como um teste para a estabilidade do casamento. Porém o amor prevaleceu, de novo como ela disse, porque logo os dois perceberam o quanto precisavam um do outro. Eles se apoiaram mutuamente nos altos e baixos políticos da companhia, ele não deixou o seu lado durante a tragédia que quase custou a carreira de Katya e ficou desolado com a morte da companheira. Foi uma bela história de amor.

Dos vários feitos deixados por Katya como marcos está a sua estréia como Giselle aos 19 anos, sendo a mais jovem da história do Bolshoi. Ela foi treinada pessoalmente por Galina Ulanova que a partir daí passou a ser sua mentora e professora. Quando voltou aos palcos em 1976, Katya escolheu Giselle para dançar e mais uma vez contou com toda atenção de sua mestre lendária.

Katya brilhou em balés contemporâneos e clássicos, como Don Quixote e A Bela Adormecida. Apelidada como a “Audrey Hepburn russa”, era flexível, leve, rápida, extremamente musical e boa atriz. A perfeição de sua técnica era ressaltada pela inigualável parceria com Vasiliev, uma referência mesmo em um país com tantas lendas da dança.

Apesar de sorridente nos palcos, Katya sofria de depressão, que não melhorou depois do trágico acidente. Extremamente exigente consigo mesma, era conhecida por recusar papéis que achasse que não estaria apta para dançar, ganhando um apelido de Madame do Não (Madam Nyet), que ela usou para o título de sua autobiografia.

Deixou os palcos no início da década de 1990, com mais de 30 anos de carreira. Passou a dar aulas e ajudar jovens bailarinas. Em 2009, quando Vasiliev estava viajando, Katya estava treinando os bailarinos do Bolshoi para uma temporada de O Lago dos Cisnes. Passou o dia no teatro e era esperada para os ensaios no dia seguinte, mas não apareceu. Preocupados, os bailarinos ligaram para sua mãe, Tatyana, ainda viva na época. Ela foi ao apartamento da bailarina, mas a encontrou morta, em sua cama. Ekaterina Maximova morreu aos 70 anos, dormindo, após uma parada cardíaca. Sua morte repentina partiu os corações dos amigos e dos fãs.

Katya gostava de dizer que toda sua dor e ansiedade acabavam quando estava no palco. Na Rússia, ela é ainda uma das bailarinas mais amadas e respeitadas de todos os tempos. Ainda bem que com o grande acervo de registro de sua dança, podemos admirá-la para sempre.

Reveja alguns momentos.

Com Vasiliev, em 1958

Em Spartacus

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