A madrasta de Cinderella: ciúme, inveja e crueldade

Maternidade no universo da Disney é um assunto controverso e sensível. As heroínas são frequentemente órfãs e maltratadas, raramente encontram amor feminino fora da mágica. Elementos que estão sendo rescritos para futuras gerações. A filmagem de Malévola colaborou muito para reinventar a história de A Bela Adormecida com elementos modernos, a de Cinderella melhorou, mas ainda optou por uma versão que seis anos depois de seu lançamento, onde sororidade é a palavra chave, “datou” a versão de 2015. Mas chegaremos lá.

A história de Cinderella “original”, ou aceita como a mais popular, foi escrita por Charles Perrault, em 1687. Um período em que mulheres não tinham voz e o casamento era a única fonte de sustento e possível aspiração. A heroína, portanto, é “salva” de uma madrasta má, pelo Príncipe Encantado. Em 1950, 263 anos depois de Perrault colocar a história no papel, essa ainda era uma realidade. A versão da Disney em live-action, de 2015 (65 anos depois do desenho), tentou pelo menos contextualizar e até dar outra dimensão para as mulheres, mas ainda falta mais. A versão de Drew Barrymore, de 1998, com Angelica Huston como a madrasta, é ainda a mais “ousada” e moderna do conto. A versão com Camilla Cabello, para a Amazon Prime Video, deve chegar às plataformas em setembro. Mas, em 2015, Lilly James virou a perfeita Cinderella com ninguém menos que Cate Blanchett como sua madrasta.

E vamos falar da Madrasta, não da heroína. A figura de uma mulher punindo outra, sendo deliberadamente cruel, tendo ciúme ou inveja são histórias que por séculos foram passadas como verdadeiras sobre a alma feminina. A Rainha-Má de A Branca de Neve e os Sete Anões, Malévola, a bruxa ressentida de A Bela Adormecida e a Madrasta Cruel de Cinderella formam a trinca original de vilãs femininas que por muitos anos reforçaram esse pensamento. No caso de Branca de Neve e Cinderella, nem nome as vilãs tinham. Eram mulheres de meia-idade, com inveja da bondade, juventude e beleza das enteadas. Na revisitação de Branca de Neve a Rainha – por sua fixação no esoterismo e magia – virou bruxa de alma. Já em Cinderella, ela ganhou nome, passado mas… foi vítima (?) de sentimentos nada nobres.

No desenho de 1950, só sabemos que o pai viúvo de Cinderella se casa novamente pensando em dar à filha uma família. Quando ele morre, a madrasta se revela uma mulher quase diabólica (seu gato era chamado de Lúcifer, para ressaltar) e por capricho e maldade, transforma Cinderella em uma empregada, a impedindo nem mesmo em sonhar com casamento (no caso, “liberdade”).

Na história de Perrault, ele dá dicas usadas por Kenneth Branagh no filme de 2015, descrevendo Lady Tremaine como : “a mulher mais orgulhosa e arrogante já conhecida antes” com filhas “exatamente como ela em tudo”. Cinderella é descrita como igual à sua mãe, “a melhor criatura do mundo”. A diferença da história original, que faz a trajetória da heroína ser ainda mais dolorosa, é que a madrastra mostrou imediatamente “suas verdadeiras cores” e ódio pelas qualidades da enteada, que ressaltavam as falhas de suas próprias filhas, a colocando para fazer o serviço da casa. O pai de Cinderella era completamente “governado pela mulher”, portanto foi testemunha passiva dos maus-tratos da filha. A mensagem da história era para ressaltar que – diante das adversidades – a verdadeira beleza está em aceitar os desafios e se manter nobre interiormente porque assim o “bem venceria o mal”.

Precisou de uma atriz do calibre de Cate Blanchett para incluir mais elementos para contextualizar a arrogância e maldade de Lady Tremaine. Quando Cinderella questiona sua crueldade, ela explica que o primeiro casamento foi por amor, mas quando se viu viúva , se viu forçada a buscar uma segunda união para ter sustento e respeitabilidade. Porém, quando percebeu que o marido não a amava tampouco, despertou ciúme do objeto do afeto dele, a filha do primeiro casamento e o amor pela falecida esposa. O orgulho falou mais alto e tirou de si qualquer piedade e “puniu” Cinderella. Por mais que tenha dado uma dimensão, essa versão reforça a idéia da competição feminina abrindo caminho para a maldade, algo que Malévola já tinha superado.

A ligação entre Malévola e Lady Tremaine, na animação, se justifica ainda mais porque ambas tiveram a voz (e imagem) da atriz Eleanor Audley. Angelina Jolie e Cate Blanchett, no entanto, seguiram “justificativas” diferentes para a natureza das vilãs.

Cruella De Vil foi a vilã que, como Malévola, tirou o protagonismo dos mocinhos, literalmente. Porém, no caso de Emma Stone, assim como Lily James, a coadjuvante supera. Emma Thompson com a recém criada Baronesa reúne os elementos das vilãs originais, sem perdão ou busca de redenção, criando uma personagem apavorante, como a Madrasta má do desenho de 1950.

No filme, no desenho e na história originais, Lady Tremaine é perdoada pela enteada, mas ainda há muito o que discutir sobre suas escolhas e personalidade. Idina Menzel será a vilã da versão de Camilla Cabello. Será que veremos algo a mais nela?

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3 comentários Adicione o seu

  1. Renan disse:

    Não sei porque essa necessidade de justificar a maldade, só por ser feminina…

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    1. Não tinha pensado assim, mas agradeço o ponto de vista!

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