Como mulher, assistir ao documentário Sob Suspeita: O Caso Wesphael, da Netflix, demanda estômago forte. O crime que fez notícia internacional em 2013, envolve um político belga, o deputado Bernard Wesphael e sua ex-mulher, Véronique Pirotton. Os dois estavam buscando uma reconciliação (na versão dele), mas algo aconteceu no fim-de-semana que acabou em tragédia. Véronique foi encontrada morta, repleta de hematomas e com com um saco plástico no rosto, no banheiro da suíte onde estavam hospedados. Segundo Wesphael, foi suicídio. No entanto, testemunhas alegam ter escutado sons suspeitos vindos do quarto onde apenas o casal estava. Jamais saberemos a verdade.
De fora, Wesphael parece ser um O.J.Simpson belga. A impossibilidade de seu relato – que vai alterando de acordo com o tempo, mantendo apenas “sua inocência” – é baseada no assassinato do caráter da vítima, que não tem voz. Véronique, segundo ele, era dependente de remédios, álcool e era instável psicologicamente, além de infiel. Isso mesmo, ele desfila um sem fim de acusações onde ele passa a ser a vítima, não o provável algoz. E conseguiu ser inocentado na Justiça, portanto uma visivelmente fisicamente agredida Véronique conseguiu se matar enquanto ele dormia placidamente no quarto. É enervante que em pleno século 21 ainda seja possível que uma mulher, com histórico de abuso sexual desde pequena, seja difamada assim.

O documentário é feito sob a ótica do político, que volta ao quarto do crime, reconta sua versão dos fatos, claramente apreciando cada segundo diante da câmera. Assim como OJ, fez um livro “teorizando” como “teria feito” o crime perfeito. Mas nós o assistimos: matando novamente a memória de uma pessoa que não tem como falar.
Há de se ter maior responsabilidade com os documentários hoje em dia. Qualquer um “reescreve a narrativa” de acordo com sua ótica, mas a responsabilidade moral está cada vez mais distante e depende de todos nós mantermos o foco na informação.
Sob Suspeita: O Caso Wesphael me levou a sensibilizar mais com a trajetória trágica de uma mulher tentando se encontrar, no amor e na vida, mas que acabou no banheiro de um hotel, sozinha, sem ter nenhuma defesa contra seus algozes. Muito triste.
